sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

2019, o ano da coragem

2019 cumpriu sua promessa. Acompanhar as notícias de jornal virou uma espécie de tortura, uma sequência de catástrofes, mortes, desmatamento, desemprego, empobrecimento, todo o tipo de ameaça ao bem-estar presente e futuro da maioria da população.

Outro dia no Twitter rolou uma "corrente" na qual os usuários contariam sobre as coisas boas que lhe ocorreram neste ano. Algumas pessoas ficaram ofendidas porque não haveria espaço para celebrar nada num ano tão marcado pela destruição.

Minha percepção é que se assolou no país uma tristeza generalizada. Mesmo para aqueles que se identificam com o fascismo, ninguém me parece alegre ou satisfeito. Fora isso, temos o bom e velho capitalismo que exige cada vez mais das pessoas eficiência e dedicação plena à vida profissional. A competição extremada do mercado de trabalho gera angústia e instabilidade emocional. Muitas pessoas não conseguem sequer cultivar um hobby ou mesmo usufruir do seu tempo livre sem se preocupar em fazer algo útil.

A Companhia das Letras publicou uma palestra provocativa do Ailton Krenak chamada "Ideias para adiar o fim do mundo". Deixo aqui minha indicação de leitura para este final de ano. Fiquei muito tocada com o texto porque ele foi de encontro às minhas angústias com o fim do mundo cada vez mais próximo. 

Assim como eu, muitas pessoas se desesperam com o colapso ambiental e a luta homérica contra as injustiças sociais que parece não ter fim. O desespero leva ao pânico. Acho que é sobre isso quando o Ailton fala que não sabe se os brancos vão aguentar o fim do mundo. Mais de 500 anos desde a invasão portuguesa, mais de 500 anos desde o fim do mundo e ainda existem diversos povos indígenas no Brasil. E como eles resistiram?

Uma possível leitura é que eles resistiram criando sentido de viver em sociedade, gozando do prazer de estar vivo. Resistiram a ordem de integrar o "mundo dos zumbis", não permitiram que seus corpos ficassem tristes. Como disse o filósofo Deleuze, o poder necessita da tristeza porque é assim que consegue dominar: é pela alegria que temos potência de criar e resistir.

Termino o ano com essa reflexão: a urgência de recuperar a alegria de viver e a coragem para enfrentar a vida. Quando o mundo estiver pesado demais é preciso empurrá-lo de volta pra cima e respirar fundo. Se estamos nos encaminhando para o fim do mundo, podemos ao menos tentar adiá-lo como sugere o Ailton Krenak.

domingo, 22 de dezembro de 2019

Melhores livros lidos em 2019

Quem me conhece um pouco, sabe que sou apaixonado por literatura e por livros. Quem me conhece um pouquinho mais, certamente saberá que também sou um esquisito admirador de listas. Assim, não posso deixar de juntar estas duas paixões e, pelo terceiro ano consecutivo, publicar minha lista de melhores leituras do ano. Nunca é demais repetir que não se trata de uma lista de livros publicados em 2019, mas de livros cuja leitura fiz neste ano coxinha que já está terminando.

Minha lista é bastante tendenciosa. Nos últimos 4 anos meus interesses têm se voltado bastante para literatura brasileira e hispano-americana contemporânea, de modo que isso se reflete aqui também. De tempos em tempos, é claro, também leio autores mais clássicos (e dois deles se fazem presentes aqui), mas preciso dizer que são minoria. Bom, mas vamos à lista (que não segue ordem alguma)!

A uruguaia e Uma noite com Sabrina Love, ambos de Pedro Mairal (Argentina) - Mairal tem um grande poder de nos fazer empatizar com seus personagens e seus dramas. Não dá pra largar seus livros depois que lemos a primeira linha. É uma prosa viciante, com diálogos e reflexões com os quais gostaríamos de participar, de falar junto, torcendo por seus personagens, seja o quarentão Lucas Pereyra, tentando resolver seus inúmeros problemas pessoais enquanto deambula pelas ruas de Montevidéu, seja o adolescente Daniel Montero, em sua saga para chegar a Buenos Aires para passar uma noite com Sabrina Love, a estrela do canal pornô que sorteou seu nome, entre milhares, como nos programas de auditório tão comuns nos países latino-americanos.

A vegetariana, de Han Kang (Coréia do Sul) - Baita livro, o primeiro de uma escritora sul-coreana que li na vida. A grande questão de A vegetariana é mostrar o quanto as pessoas se sentem no direito de intervir em escolhas individuais alheias (sobretudo se envolvem corpos femininos, sobretudo em sociedades conservadoras - assim, tipo a brasileira). O livro é dividido em 3 partes, cada qual com um narrador distinto, cada um com uma narrativa acerca do fato da protagonista ter se tornado vegetariana. A grande sacada do livro é que nenhuma dessas narradoras é a própria protagonista. Só sabemos o que falam dela, nunca o que ela fala de si própria.

Sombrio Ermo Turvo, de Verônica Stigger (Brasil) Este livro é uma aula de escrita em forma de contos. Nenhum deles passa perto de qualquer convencionalismo e sempre deixam o leitor com o disjuntor caído ao final. Mais um baita livro de Verônica Stigger!

O amor nos tempos do cólera, de Gabriel García Marquez (Colômbia) - Gabo é pra se ler em voz alta, sentindo o sabor de cada palavra. Este talvez seja seu livro mais poético, a história do amor obstinado de Florentino Ariza, que precisa esperar 50 anos para poder se declarar para Fermina Daza. Um grande tratado sobre o amor que, ao contrário de outros livros do gênero, não cai uma linha sequer em qualquer tipo de pieguice. 

Nocilla Experience, de Augustín Fernandez Mallo (Espanha) - Mallo se auto-declara representante de uma "literatura móvel" ou fluida. Em Nocilla Experience (que compõe com Nocilla Dream e Nocilla Lab uma trilogia) temos exatamente isso, trata-se de uma coleção de textos curtos, altamente povoados de ícones da cultura Pop - Nocilla nada mais é que a Nutella espanhola) que permitem uma leitura quando tomados isoladamente (quando vistos de perto, digamos, como quando nos aproximamos de um quadro) e uma outra leitura quando lidos em conjunto (quando vistos de longe).

Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade (Brasil) - Este ano resolvi parar de ler os poemas de Drummond no modo aleatório e lê-los de modo mais sistemático (não que seja ruim ler aleatoriamente, mas quis fazer essa experiência), lendo os 7 primeiros livros dele, de "Alguma Poesia" até "Fazendeiro do Ar". Poderia escolher qualquer um para estar aqui, mas escolho o primeiro, aquele que tem as bases da poesia de Drummond e que reúne os poemas que ouvi desde sempre, como "Poema de Sete Faces", "No meio do caminho", "Cidadezinha qualquer" e "Quadrilha".

O teatro da rotina, de Alex Xavier (Brasil) - Da nova safra de ótimos escritores brasileiros, Alex Xavier tem um repertório infinito de procedimentos narrativos em seus contos, onde consegue extrair o fantástico de situações mais rotineiras. 

Bonsai A vida secreta das árvores, de Alejandro Zambra (Chile) - Os dois primeiros livros de Zambra já tiveram edições separadas pela Cosac e agora aparecem em edição única pela Tusquets. Além de ambos terem a figura de árvores como referência, também tratam igualmente de desencontros amorosos. Além disso, os dois livros são narrativas curtas, de linguagem muito potente, que vale por si só. A primeira passagem de "Bonsai" já nos diz que a literatura de Zambra busca muito mais uma linguagem do que um grande tema: "No final ela morre e ele fica sozinho, ainda que na verdade ele já tivesse ficado sozinho muitos anos antes da morte dela, de Emilia. Digamos que ela se chama ou se chamava Emilia e que ele se chama, se chamava e continua se chamando Julio. Julio e Emilia. No final, Emilia morre e Julio não morre. O resto é literatura".

E você, quais foram seus livros favoritos de 2019? Cite aí nos comentários (nem precisa dizer o motivo...rs).

sábado, 21 de dezembro de 2019

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Especial de Natal

Sobre o Natal guardo desde a infância a memória de uma época de paz, confraternização e a família quase se engalfinhando por conta da uva passa no arroz. Isso no fim dos anos 80. Os argumentos de cada lado eram defendidos com fervor, enquanto eu ficava pensando por que não fazer duas travessas de arroz separadas.

No fim dos anos 90 o debate anual seguia firme e forte, porém, entre uma uva arremessada nas costas do tio Alcínio e uma pimenta maldosamente mocozada no prato da tia Anísia, alguém resolveu elogiar a privatização da Vale do Rio Doce e da Telebrás, concluindo que isso acabaria com a roubalheira.

O debate foi acalorado, sem conclusão, mas intenso o suficiente para tirar o foco das pequenas pérolas negras que adornavam o arroz. Foi um marco. A primeira quebra no monopólio da discórdia.

Uma década mais tarde eu já tinha idade para participar das discussões, mas mantive minhas raízes de neutralidade. Mantinha minha passividade suíça em meio à guerra. Acreditava que a lenga-lenga da uva passa seria superada pela maçã que apareceu na maionese, mas alguém lembrou que, contrariando as expectativas do começo da década, o governo do PT vinha fazendo um bom trabalho.

Com a picanha na churrasqueira, teve gente que lembrou do mensalão e, com um copo de caipirinha na mão, chamou o Lula de cachaceiro. A Dilma foi chamada de feia, para desespero da minha prima, que fez um árduo discurso sobre o machismo do falso argumento.

Ano passado a coisa ficou mais tensa. Cheguei a acreditar que algumas questões fossem para as vias de fato. Entre promessas passadas, não cumpridas, e promessas para o futuro, impossíveis de serem cumpridas, as uvas passas até adoçaram um pouco, à contragosto de alguns, aquela ceia amarga.

E chegamos ao paradoxal 2019, que passou voando apesar de parecer ter 487 meses. A ceia de Natal passou a ser combinada pelo grupo de família no Whatsapp. Era tradição que a primeira exigência fosse as uvas passas no arroz, seguido do primeiro protesto, contra a presença das bolinhas negras da discórdia.

Neste ano a primeira pergunta sobre a ceia foi respondida com um “Quem votou no Bolsonaro que leve a carne”, seguido de “Não vou em ceia com quem defende presidiário”. O primeiro áudio veio depois que alguém perguntou “E cadê o Queiroz?”; mais vexatório que o gemidão do Whatsapp foi ouvir o tio Alcínio gritando “TÁ NO SEU CU, FILHO DA PUTA!”.

É a primeira vez em décadas que as uvas não são sequer mencionadas. Se por um lado as brigas familiares têm sido intensificadas nos últimos anos, fica o consolo de que com o tempo até a uva passa.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

A parte boa

2019 foi ~está sendo~ um ano desgraçado de muitas formas.

Para não chorar enquanto escrevo, nem para deprimir ninguém - e o dia chuvoso está ótimo para uma melancolia - pensei em fazer um exercício pessoal de gratidão.

Sem esquecer as lutas, porque elas são diárias; sem esquecer as perdas, porque elas são reais; sem esquecer os crimes, as injustiças, os percalços, os retrocessos; sem esquecer os nossos e os mais oprimidos, quero lembrar algumas coisas boas que aconteceram comigo em 2019. 

Esse fim de semana participei de uma oficina na qual a facilitador fez uma rodada de apresentação na qual perguntava seu nome, sua motivação para fazer a oficina e algo pelo que você é grata. Quando pensei em "pelo que sou grata" hoje, a primeira coisa que me veio à mente foram os gatinhos que moram comigo. Oliver, com sua ternura infinita e suas visitas diárias, abriu nossos corações para receber em nossa casa, esse ano, duas gatinhas que precisavam de um novo lar... Rami-Sati e Nuala. Nem preciso dizer aqui o quanto os animais são generosos, incríveis e maravilhosos, e têm a capacidade de mudar nossas vidas, né? Mas digo mesmo assim porque eles merecem essa exaltação!

Além dos felinos, sou muito grata por meu corpo, que esse ano me levou a lugares as vezes necessários, as vezes belíssimos, e me levou até pessoas queridas. Através do corpo nos conectamos, abraçamos, tocamos, sentimos os cheiros, fazemos carinho e cócegas.
Meu corpo me permite correr, fazer exercícios, brincar com meu sobrinho e dançar, uma das coisas que mais amo! Esse ano não me lembro de ter ficado doente, fora um mal-estar ou outro, causados, na maioria das vezes, pela ingestão de lactose ou álcool (foi mal pelos vacilos, corpo!).

Sou grata pela meditação diária que venho praticando. Hábito muito valioso, que esse ano consegui incorporar em minha rotina, e me proporciona calma, concentração e auto-conhecimento.
E como ninguém vive sozinho, a melhor parte de 2019 são os meus companheiros de vida e de luta. Parceiro, familiares e amigos, sem os quais não suportaria todo peso de um ano tão difícil. "Ninguém solta a mão de ninguém!"

Sou grata por ter conseguido me qualificar no metrado esse ano, e pelo tanto de conhecimento que adquiri através do estudo, de leituras, conversas e sessões de orientação, de outras atividades acadêmicas e também de oficinas livres (como a que mencionei lá em cima), e coisas que vamos ouvindo aqui e ali, testando acolá e passando adiante, porque o maior sentido do conhecimento é esse, o de compartilhar.

Falando em compartilhar, que tal você, que leu tudo isso, não fazer o mesmo exercício e escrever nos comentários a sua parte boa de 2019? Estou curiosa para saber o que aconteceu de bom e pelo que você é grata/grato.




quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Perdoe a ausência e o mal jeito...

... mas gente...
Correria total hoje.
Cheguei em casa há pouco pra editar meu programa (podcast).
Prometo que vou, logo no início, mandar um salve pra vocês pra compensar não ter um post legal aqui hoje!
Para ouvir, clique aqui, logo após a meia noite, que é quando o programa estará disponível! 
Abração!
Quer dizer... Já tem vários disponíveis, mas a edição dessa sexta sai meia-noite ou pouco depois disso!
Abraaaçoooooo!

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Uma América hemofílica

O livro “As veias abertas da América Latina”, lançado pelo uruguaio Eduardo Galeano, em 1971, deveria ser leitura obrigatória para todo cidadão latino-americano. 

Não é um livro dos mais agradáveis, nem prende o leitor do começo ao fim. Isso porque Galeano não escolhe o caminho sedutor da opinião sem fundamento. O texto agradável do autor é recheado de referências histórias e documentais, que comprovam as informações da obra que, já no sumário, fala da “pobreza do homem como resultado da riqueza da terra”.

Com quase 50 anos, o livro parece ter sido escrito ontem. Lá fica claro como o período conturbado que os países latinos estão passando não é uma exceção a ser superada, mas uma regra, interrompida por curtos períodos de prosperidade, necessários para apaziguar a revolta do povo explorado há meio milênio.

Hoje o petróleo – brasileiro ou venezuelano –, o gás boliviano ou o cobre chileno são o sangue das veias abertas. Em outras épocas foram o ouro, a prata, o açúcar e, como diz Galeano, até a merda das gaivotas que cobria as encostas de pedra da orla peruana, exportada como excelente fertilizante aos agricultores europeus.

O que sobra da pilhagem de países ricos é a metade da população brasileira que sobrevive atualmente com 413 reais por mês, são as mais de 200 pessoas que perderam a visão em protestos no Chile, alvos de policiais provavelmente alinhados com os oficiais bolivianos que recortaram a bandeira indigenista da farda após a derrubada do governo.

Policiais indígenas negando a bandeira indigenista só é compreensível em uma região em que a exploração europeia começou há mais de 500 anos, culminando no oprimido desejando o status de opressor. É o que explica a existência de ao menos 334 células neonazistas – movimento ligado à farsa da pureza da raça branca – no Brasil, país símbolo da miscigenação.

As veias abertas da América Latina é um livro denso, cansativo, triste, às vezes deprimente, mas ainda assim indispensável, por mostrar as raízes da exploração perene em uma região que, com as veias abertas, parece hemofílica. O sangramento não irá estancar com o tempo e o esforço para que a cicatrização aconteça deve ser coletivo.

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Jeito

Por que tudo parece normal, mas não está?
Não sei.
Quando eu era pequena meu avô dizia ''o Brasil não tem jeito''. 
Ele falava isso há anos. 
É uma frase que entrou na corrente sanguínea do país, as pessoas pensam que o Brasil não tem jeito. E quando tudo está errado, parece certo. E quando está certo, parece errado.

Um amigo que trabalha em um centro espírita me disse ''o Brasil é um lugar de expurgo''.
O padre da igreja diz ''tem religiões demais aqui, isso bagunçou o país''.
Economistas dizem que tudo é instável por causa ''da moeda''. 
Pessimistas falam que é assim mesmo por culpa da ''corrupção''.

E vamos indo, nesse mar de opiniões contrárias, ninguém se entende, ninguém conversa, mas todos concordam com uma coisa ''o Brasil não tem jeito''.

Essa frase entrou no inconsciente coletivo e contaminou toda a nossa percepção. Vivemos em um país rico em recursos naturais, justo quando o mundo mais sofre a falta deles, temos espaço e clima bom, tudo para crescer, mas cada vez mais diminuímos, guiados pela certeza de que ''o Brasil não tem jeito''.

Tem sim. Tudo tem. E começa com a extinção dessa frase, com a remoção desse pensamento. Tudo tem jeito, ora, não somos o  país do ''jeitinho''?
E justo agora que precisamos dar um jeito, não tem jeito?
Sempre tem. O jeito é acreditar que tem jeito.

Iara De Dupont

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Sobre sumiço e #ModernLove

Que saudade daqui!
Minha gente, peço perdão pelo descaso nos último meses. Toda vez que lembrava de escrever, o dia já havia passado. Neste momento, são 03h48 da manhã dessa segunda-feira. Tô sem sono, curtindo músicas da Brandi Carlile no Prime Music da Amazon.
Cliquei no Blogger para postar sobre a série pela qual me apaixonei nessa madrugada, "Modern Love", também da Amazon (disponível na Amazon Prime Video). 
Daí olhei pra data no meu notebook e vi que é dia 21! O dia a mim dedicado nesse blog no qual fui recebido com tanto carinho, anos atrás!
Não é nada pessoal. No meu blog também tomei chá de sumiço. Desde maio não componho uma linha sequer. O fato, encarando-o de frente, é que na real, cansei de escrever. Até mesmo nas redes sociais eu diminuí minha participação. Tenho usado o Facebook mais para divulgar o movimento no qual faço parte (pra isso, acho super interessante). 
Mas como estou aqui, quero aproveitar o espaço para convidar você a ver essa série, que mencionei linhas acima!

Quem me lê (ou me leu) há anos, sabe que sou uma pessoa apaixonada por cotidianos! E isso não mudou em mim! Continua a mesma coisa! Essa série trata de cotidianos de pessoas, histórias inspiradas em uma seção de um jornal dos Estados Unidos. (nota mental: procurem a música "That year", da Brandi Carlile, para ouvir, é linda e tô ouvindo neste exato momento - EDIT: Achei o clipe dela, e encerrarei o post com ele)

Deixo aqui o trailer do canal da Amazon americana. Infelizmente, não traz legendas em português brasileiro, e esse trailer não está disponível no canal brasileiro do YouTube deles. Mas dê uma olhadinha! Vale a pena!


Só assisti aos 3 primeiros episódios até o momento, mas pretendo ver mais durante o dia de hoje.
São 8 no total. Histórias independentes, mas que, como disse uma vlogger num vídeo review dela (vi só o título e anúncio), deixam o coração "quentinho"! Ahahaha! Curti essa definição!

Peço licença para postar exatamente o mesmo conteúdo de hoje no meu blog particular, no qual quero voltar a escrever, mas a preguiça teima em não deixar, o quê é uma pena, pois sempre adorei estar por lá. Por aqui também, claro!

Minha vida tem passado por verdadeiras transformações.
Há muito de novidade a chegar. Mas isso, pode ser que escreva mais pra frente.
Aqui e /ou no meu Blog do Márcio Luís. 

Minha gente, por hoje é isso!

Pra encerrar, como sempre faço, deixo um clipe pra vocês!
E como havia comentado ali acima, achei o vídeo de "That year", da Brandi Carlile!
A voz dessa menina é incrível! Pelo menos pra mim!
À vocês aqui do blog das 30 pessoas e do meu particular também, o meu abraço!
E até a próxima!

domingo, 20 de outubro de 2019

Virando uma Venezuela

O Brasil não pode virar uma Venezuela. Essa premissa é repetida exaustivamente por setores conservadores da sociedade brasileira e virou a principal, quando não a única, promessa de campanha de alguns candidatos, na eleição de 2018.

Para evitar tamanha calamidade caberia a pergunta: como a Venezuela virou uma Venezuela?

É necessário voltarmos para a década de 1970. Enquanto vivíamos os anos de chumbo da ditadura militar, que torturou e assassinou opositores ao governo sob o argumento de evitar torturas e assassinatos por parte do governo – na época a premissa era que o Brasil não poderia virar uma Cuba –, a Venezuela já havia reestabelecido a democracia e a população venezuelana elegeu Carlos Andrés Pérez.

O governo de Pérez manteve o viés de esquerda que prometeu durante a campanha e governou de 1974 a 1979, nacionalizando indústrias de petróleo, apoiando a soberania de países latino-americanos e se mantendo próximo de outros governos de esquerda. Apesar de popular, o governo foi constantemente acusado de corrupção.

A constituição da época não permitia a reeleição e a popularidade do presidente não foi transferida ao candidato à sucessão de seu partido, a Acción Democrática, que acabou derrotado.  Pérez só pode concorrer novamente, com nova conquista eleitoral, em 1989.

Depois de uma década longe do poder a situação política e econômica havia mudado. Logo nos primeiros dias de governo o presidente quebrou as promessas de campanha, dando uma surpreendente guinada à direita, aprovando um plano de austeridade fiscal e várias medidas neoliberais.

A insatisfação com o governo gerou o movimento conhecido como Caracazo, que teve como estopim o aumento do preço do transporte coletivo. Sob influência do que havia ocorrido com um tal Fernando Collor, a Venezuela forjou um processo de impeachment sem a menor base jurídica, afastando o presidente em 1993.

A presidência foi assumida de forma interina por Octavio Lepage, que ocupou o cargo por apenas 15 dias. O congresso designou Ramón José Velásquez como presidente, que ficou no cargo por pouco mais de 6 meses, até a eleição seguinte.

O presidente eleito foi Rafael Caldera, que com minoria no congresso não conseguiu aprovar planos econômicos e teve que lidar com pautas bombas da oposição, que apostava no 'quanto pior melhor', para tomar o poder nas eleições seguintes.

Disposto a suceder Caldera, havia um militar que um ano antes da eleição tinha 4% de apoio. Com um partido recém-criado e apoio súbito da população, o Tenente-coronel Hugo Chávez chegou ao poder em 1999, encerrando quatro décadas de alternância de apenas três partidos políticos no comando do país.

A eleição do militar foi legítima, reconhecida por órgãos internacionais e com o apoio de líderes de países vizinhos. No Brasil Chávez recebeu o apoio explícito do então deputado Jair Bolsonaro.

Uma diferença sensível entre o primeiro ano de governo de ambos é que enquanto o Capitão Bolsonaro vê sua popularidade derreter até mesmo dentro do próprio partido rachado, o Tenente-coronel venezuelano usou a popularidade inicial para manter a base eleitoral, governando para a população.

sábado, 12 de outubro de 2019

Hoje

Hoje é dia doze de outubro, o dia das crianças, aquele pequeno ser que já fomos um dia.
Mas passa tão rápido! 
É, quando estamos distantes, porque enquanto somos crianças tudo parece lento e intenso demais. 

Em algum momento é como atravessar uma ponte, deixamos a criança em um lado e corremos para o outro. Não é uma despedida longa nem demorara, é tão rápida que anos depois nos perguntamos em que momento ela aconteceu.

Pessoas se tornam adultos e começam a gastar fortunas em consultórios, para encontrar sua ''criança interior''.
Livros sobre o assunto inundam todos os lugares, onde está a nossa criança interior?
Debaixo de muitos escombros, de todas as ruínas que passamos pelo tempo. Ela segue ali, escondida, aguardando o momento de vir à tona.

A criança que carregamos dentro sempre é a nossa melhor parte, talvez vez por isso a escondemos, porque sabemos que este mundo não merece nem sabe tratar bem uma criança.
Não é um lugar para mostrar o melhor de nós. Que pena.
Assim milhões de crianças continuam acompanhando a vida pelas frestas da janela de alguma alma adulta.

Iara De Dupont

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Sobre amoras e outras coisas


Nunca fui muito de frutas, mas amo a amoreira daqui de casa.
Ela já estava aqui há 3 anos atrás, quando chegamos, porém pequena, simplesmente um cotoco de árvore magricela, um mero arbusto que foi crescendo em despeito ao nosso não cuidado e à nossa não rega diária. 
Mas cresceu, e esse é o primeiro ano que dá frutas. 
Está carregada já, e todo dia tem mais amoras prontas para serem colhidas, muitas outras ainda verdes, esperando o amadurecimento, e mais um tanto que não pôde me esperar, e se espatifou no chão.
(...)
Que saudades sentirei dessa casa, dessa amoreira, dessa vida que tenho hoje... Se é possível já sentir saudades do que ainda se tem, eu sinto. Mas não deve ser saudades, deve ter outro nome.

Bem vindas, amoras, bem vinda, primavera!

domingo, 22 de setembro de 2019

O amor é um ato revolucionário

"Eles precisam aprender que a mulher não voltará para a cozinha, o negro não voltará para a senzala e o homossexual não voltará para o armário", brada um Chico César, que desde o álbum "Estado de Poesia" vive o melhor momento de sua carreira, após cantar "Pedrada", uma das músicas mais políticas de novo álbum "O amor é um ato revolucionário", para um Sesc Pinheiros lotado e eufórico!

Nos tempos sombrios em que vivemos, ainda temos a arte para nos dar alento. 

Assim, apenas ouçam essa pequena jóia do cancioneiro deste paraibano genial que é Chico César! E fogo nos fascistas!




sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Setembro amarelo


Naquele dia de tarde escaldante de setembro, Narciso faltou no trabalho. Sua primeira falta em muitos anos trabalhando no mesmo local. A dedicação de marcar os compromissos fora do horário de trabalho, no máximo durante o horário de almoço, era mais por medo que por dedicação. O pânico de perder o emprego fazia dele um funcionário exemplar.

Narciso simplesmente não saiu da cama. Não ligou nem deu nenhum tipo de satisfação. Só não foi trabalhar. Desligou o celular por receio de que ninguém sequer ligasse para saber o que havia acontecido e se concentrou, involuntariamente, na dor de cabeça. Sentia como se uma agulha bem fina atravessasse seu olho e fosse futricar o cérebro.

E passou a manhã assim, divagando em pensamentos alternados com cochilos, que por sua vez eram interrompidos pela dor de cabeça. Despertava e dava de cara com a pálida luz amarelada da lâmpada incandescente. A imagem perfeita do setembro amarelo.

Já era de tarde. Com calor, molhado de suor e com a cabeça ainda doendo Narciso encheu o copo e ficou pensando na hipocrisia do tal setembro amarelo. Procure ajuda. Procure ajuda. Procure ajuda. Procure ajuda. Procure ajuda.

O primeiro gole foi pensando na consulta particular da terapia, que o plano de saúde não cobre integralmente. Poderia pagar do próprio bolso se desse calote no aluguel. Quem sabe se parasse de comprar comida.

O segundo gole foi pensando no posto de saúde, onde a consulta com a psicóloga tinha fila de espera de cinco meses, para falar por vinte minutos com a doutora que atendia em série os pacientes desconhecidos.

Na metade do terceiro gole lembrou do CVV e quase engasgou com a gargalhada. Já sabia de cor o roteiro que os atendentes seguiam com a melhor das intenções. 

Deu o quarto e último gole, dedicado a todos os que não podiam ajudar porque estavam ocupados demais, replicando posts sobre a importância de procurar ajuda.

Narciso nem lavou o copo. Deixou sobre a pia e voltou a deitar. Era só esperar fazer efeito. Havia seguido todas as recomendações à risca. Procurou ajuda. Procurou, procurou e procurou. Essa era a recomendação.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Sobre patotas

Desde muito antes de existirem grupos de Whatsapp e antes mesmo de qualquer comunidade do Orkut, eu já gostava de me associar em grupos, formar as minhas turmas. Acho que muito disso tem a ver com o legado televisivo e com o idílio das casas na árvore dos filmes da sessão da tarde. 

O primeiro destes grupos foi o Rockfoi, quando eu estava na segunda série. Éramos apenas eu e Rodrigo, meu melhor amigo na época. Presidente ele (auto-intitulado) e "chefe" eu (porque era o que me parecia ser o mais importante depois de um presidente). Não sabíamos muito bem qual era a função da nossa "turma" mas sempre gostávamos de tentar inventar uma e nisso investíamos 98% do nosso "expediente". Com o tempo resolvemos que tínhamos vocação para editores e publicamos um livro de poesias intitulado "Poesias inventadas por Rodrigo Alves de Sousa e Felipe de Souza Monteiro", que no caso éramos nós mesmo. O livro era de poesias, mas também de entrevistas, de charadas e o que mais desse na telha, algo que poderíamos muito bem ter chamado de Fanzine, se soubéssemos o que era um Fanzine na ocasião. 

No ano seguinte, o Rodrigo mudou de horário e a amizade deu uma minguada e as atividades do Rockfoi também, até sumirem de vez. Mas demorou muito para eu criar uma nova "turma". Foi na quarta série e se chamava Spiter & Piter, algo como uma sociedade de dois irmãos gringos, mas era só eu e o Zé Luiz mesmo. Pobre Zé Luiz. Ele claramente não queria estar metido naquilo, mas eu não lhe dava escolhas. Motivado pela vocação editorial de minha investida coletiva anterior, decidi que mais uma vez escreveria livros, só que dessa vez seria algo mais sério, com muitos títulos (todos de terror) e teria até um selo com nossa marca colado na quarta capa (eu desenhava numa folha de caderno um círculo escrito "Spiter & Piter" em volta, recortava e colava nos livros. A maioria dos livros era escrita, ilustrada, diagramada e lida só por mim mesmo (algo como este blog é hoje), mas de vez em quando eu assinava como Zé Luiz para eu não pensar que fazia tudo sozinho. O Zé nunca se importou (pensando bem, eu nem sei de verdade se ele sabia que fazia parte da turma). 

Na quinta série eu mudei de ramo. Agora eu era compositor de paródias de um grupo chamado "Los espanholes", assim com H no meio mesmo, e não me pergunte o porquê do espanholismo. Agora éramos um grupo de verdade, umas 4 pessoas contando comigo e com minha irmã. Na verdade, eu continuava como único autor, já que era eu quem compunha todas as letras, mas ao menos os outros me ajudavam nas melodias e na cantoria. Acho que aquela coisa de ter muitos professores num ano só me desnorteou tanto que eu precisava me expressar de alguma maneira, nem que fosse para achincalhar os professores, nem que fosse somente para mim mesmo, para minha irmã, para o Tonhão e para a Bruna (ok, preciso ser franco, estes dois últimos eram só participações especiais) (bem raras) (ok, eu nem se eles existiam).

Depois disso foi um grande hiato sem turmas, ao menos sem nenhuma "institucionalizada", acho que eu fui ficando mais habilidoso na arte de fazer amigos e as turmas foram se diluindo umas nas outras e eu não via mais necessidade de dar nomes a cada nova ramificação que surgia. Mas não por muito tempo. Já passados dos vinte vieram a Pipoca Verborrágica, os Tertuliadores e mesmo, por que não, este resistente Blog das 30 Pessoas. 

Não sei porque me lembrei disso. Talvez seja só saudosismo, talvez seja uma crise da meia idade (absurdamente precoce, é preciso que se diga) ou talvez tenha sido porque me dei conta, que nos tristes dias em que vivemos, não há forma segura de sobreviver se não nos unirmos em boas patotas...

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Feijão em pote de sorvete

De todos os perigos que nos cercam em pleno século 21, o que mais me aflige é a possibilidade de pegar o pote de um delicioso sorvete e dar de cara com aquele feijão congelado há meses.

Não menosprezo o feijão. Talvez a culpa seja do pote. Falta transparência, mas sobretudo tecnologia para solucionar um problema tão antigo. Pior, ao invés de resolvermos a confusão, estendemos essa possibilidade para as pessoas.

Percebi isso observando o tio Alcínio, que como bom piadista adorava dizer às crianças que havia sorvete no congelador, mesmo sabendo que era feijão, somente para ver a frustração dos pequenos.

Tio Alcínio afirmava ser um democrata. Rechaçava os males do nazismo e não abria mão de escolher um governante – por isso mesmo se recusava a aceitar qualquer resultado eleitoral que não estivesse de acordo com sua escolha.

Quase sempre bem-humorado, aquele senhor que seria incapaz de fazer mal a uma mosca defendia a liberdade de andar despreocupado pela cidade. Por isso mesmo, dizia, era a favor de uma polícia que atirasse para matar quem quer que ameaçasse essa paz tibetana.

Em meio a gargalhadas, tio Alcínio se orgulhava em tolerar as diferenças. Cada um que fosse como quisesse, desde que bem longe daqui, afirmava cada vez mais vermelho, de preferência do outro lado do Atlântico, ofegava já sem fôlego pela crise de riso.

Para suas piadas sempre buscava a concordância da secretária do lar. A senhora, cujo vocabulário se restringia ao ‘sim, senhor’, trabalhava lá desde os 14 anos. Era praticamente da família, faltando para isso somente o direito à herança.

Tio Alcínio. Um democrata cristão. Como toda metáfora, compará-lo com o feijão no pote de sorvete é limitado. A pobre leguminosa pode decepcionar, mas tem seu valor. Qualquer nutricionista afirmaria ser melhor para a saúde o que um sorvete rico em açúcares e gorduras. Mas a decepção...

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Meu Pé de Abacate.

  Comi um abacate e guardei a semente. Coloquei num copo com água até crescer raiz e ganhar tamanho. Replantei em um vaso na calçada, e assim passaram alguns anos.

Semana passada, quando acordei vi um rapaz, provavelmente morador de rua, aguachado remexendo o vaso com as mãos.

No susto perguntei:
-Moço, o que você está fazendo?!
Ele se virou com calma:
-Estou tirando a arvore daqui para plantar no parque, ela tá pedindo, tá morrendo.
Eu concordei, ele estava certo.
Em seguida ele me perguntou do que que era, e depois me pedir desculpas pelo susto, ajeitou o vaso,  limpou o chão e saiu enrolado no seu lençol, com a muda descendo a rua.
Eu ainda tentei perguntar em que parque, pensando em visitá-la, mas ele não sou explicar bem.
Eu tinha me apegado um pouco na muda e cuidado, mas era besteira achar que era minha, ou que qualquer coisa seja.



  Das centenas de pessoas que passam na minha calçada nunca ninguém se importou com o abacateiro e seu bem estar.
Besteira essa de meu vaso, minha casa, meu carro, meu marido, meu, meu...Nem a vida é bem minha. Pronomezinho traiçoeiro. Será que se a gente se intrometesse mais, as calçadas estariam mais bonitas, os filhos mais bem educados?

A mim parece que os ricos se importam com o ser, a classe média com o ter e os pobres com o usar. Claramente dois em três estão errados.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Saideira

E o bar será sua segunda casa, seu “Bar, doce lar” como seus amigos dirão – os que ainda restarem, se é que restará algum, já que o Divórcio não costuma tolerar concorrentes. E quando você estiver no bar, tarde da noite, só mais dois ou três velhos palitando dentes ou cantarolando boleros, quando as portas já estiverem baixadas e o dono bigodudo começar a te olhar de modo insinuante, como quem diz ou fode ou sai de cima, o Divórcio sentará ao seu lado e pedirá uma cerveja e encherá o seu copo e o dele. Gentil como ele só, encherá o seu primeiro. Entre uma bebericada e outra, Ele lhe dirá coisas, lhe aconselhará a ficar o máximo tempo possível naquele bar, porque absolutamente qualquer outro lugar do mundo (e o Divórcio até deixará escapar um pouco de saliva ao lhe lembrar disso) será melhor do que aquele seu quarto alugado, de paredes mal pintadas, mobiliado apenas com aquela sua patética cama-box de solteiro, do guarda-roupa meio mofado de duas portas e de uma reprodução já meio amarelada de um dos quadros mais amarelados de Van Gogh. E você virará aquele copo e o próximo e pedirá outra garrafa (porque o Divórcio lhe ensinará muitas e impensáveis coisas, entre elas beber, mas beber mesmo, quantas garrafas for preciso, e sem fazer aquela sua tradicional cara de bebê tomando remédio) e beberá até a companhia do Divórcio lhe parecer aceitável, tolerável, por que não dizer desejável? Mas você precisará tomar cuidado, bastante cuidado, porque depois da sétima ou oitava garrafa, é bem capaz de você não conseguir mais enxergar os contornos do Divórcio e achar que Ele nem existe mais. Depois da sétima ou oitava garrafa, será você quem vai cantarolar o bolero e pedirá uma garrafa para cada um dos velhos, beijará na boca o dono bigodudo do bar e chorará em seus ombros assim que ouvir as primeiras notas do tema de abertura do filme noir que nesse momento vai começar (na TV que nunca é desligada, logo acima da geladeira de refrigerantes), lhe lembrando que é noite, que você está num bar sujo e que ninguém, absolutamente ninguém, te espera em casa.

sábado, 20 de julho de 2019

Chernobyl à brasileira

Membros do alto escalão do governo se unindo para omitir da população um mal invisível e letal, que ao longo dos anos faz com que a quantidade de pessoas com câncer aumente drasticamente. A série Chernobyl trouxe esse cenário macabro à tona e muitas vezes não percebemos o quanto essa realidade está próxima dos brasileiros.

Isso nada tem a ver com as duas usinas nucleares de Angra. O problema aqui são os agrotóxicos, que os ruralistas querem chamar de defensivos agrícolas ou produtos fitossanitários. Eufemismos para veneno.

Não é de hoje que o Brasil utiliza agrotóxicos proibidos em outros países. Também não é de hoje a pressão da bancada ruralista para que agrotóxicos ainda mais nocivos sejam liberados, com o pretexto de aumentar a produção e reduzir o preço final.

A novidade é que com o novo governo a liberação de novos agrotóxicos tem acontecido com uma rapidez nunca antes vista. Só neste ano, até o fim de junho, foram liberados 239 novos agrotóxicos. Um recorde inglório para um país que já não tinha bom retrospecto em relação aos venenos utilizados na lavoura.

Alegar que menos agrotóxicos traria prejuízo econômico é ignorar o custo incalculável do impacto que o veneno traz ao meio ambiente. A água contaminada desde o campo até a cidade, por produtos que não são eliminados após o tratamento, será consumida pela população, com efeitos diretos sobre o sistema de saúde.

É impossível estabelecer uma relação de causa e efeito inquestionável entre um problema de saúde e o uso intensivo de agrotóxicos, porém os danos à saúde da população é o que faz qualquer país, capitalista, que visa o lucro, vetar produtos que vêm sendo liberados amplamente no Brasil.

Oficialmente o desastre de Chernobyl teve 31 mortes confirmadas. Um número patético para uma tragédia daquela magnitude. Não é possível calcular o número exato. O perigo era invisível e a relação de causa e efeito com as mortes sempre foram questionadas pelo governo. Destino triste para uma população negligenciada pelo governo.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Voando

Já estamos no começo do segundo semestre, metade do ano. E passou voando. Digo, lento, mas voando. Tem sido um ano duro, cheio de surpresas ruins, mas resistimos, porque somos bons nisso, na resistência.
Mas sempre fica aquela pergunta, até quando poderemos resistir a tantas barbaridades? Que tão longe podemos ir debaixo de todas as pancadas sociais possíveis e  impossíveis?

É difícil se concentrar na própria vida quando vivemos em um país cheio de incertezas e governado pelos piores tipos de pessoas. É tenso pensar em sobreviver quando todos os dias mudam o jogo.
Mas temos que seguir. Os livros de história nos apoiam e garantem: já enfrentamos touros mais ferozes, podemos enfrentar mais um, apesar do cansaço que sentimos.

Dizem que tempos melhores vão chegar. Estamos ansiosos. Esperamos que cheguem logo. Até lá só nos resta resistir.





Iara De Dupont

sábado, 22 de junho de 2019

Silance

silance. Silvana já tinha saído e levara Cecília com ela. silance. Uma para o trabalho, a outra para a creche e a merda toda era que eu sabia. silance. Sil de Silvana, An, de Antônio e Ce, de Cecília. silance a dela, ancesil a minha, eis as senhas de e-mail e de tudo, do casalzinho perfeito que compartilha senhas, cafonices do tempo em que ainda não sabiam que haveria o Divórcio. siltice, seria a senha de Silvana quando assumisse tudo com Tião? Sim, só podia ser o Tião. E decerto estava sendo incentivado pelo casalzinho zoroastra. Aquela disciplina inédita de Silvana na academia não podia ter outro motivo. Na academia frequentada pelos quatro. silance, e a merda toda era que eu sabia. Eu estava sozinho e o computador bem ali na frente. silance. Bastava alguns cliques e as trocas de confidências, os planos para foder (na sua casa ou na minha? O Antônio está num congresso no interior hoje, ele nunca vai saber) estariam todos ali. Eu aguentaria? silance. A nossa cama. Foderiam na nossa cama assim que eu botasse os pés pra fora? silance e tudo estaria ali. Revelado. silance. A tela do computador levantada. silance. A tecla de ligar acionada. silance. O endereço de e-mail acessado. Silêncio.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

Cometer ou combater

Foi no curso pré-vestibular que o professor de história, daqueles raros apaixonados pela profissão, disse com brilho nos olhos que a conquista de leis escritas havia sido um grande marco na história da humanidade.

Eu, inocente, para não dizer outra coisa, fiquei pensando em tantas outras conquistas e invenções que poderiam, na minha cabeça, ser mais relevantes que pegar um papel e escrever um conjunto de leis.

A experiência do velho professor parece ter lido em meus olhos, e quem sabe essa não teria sido uma dúvida geral da classe de jovens inexperientes, que um papel escrito não parecia lá grandes coisas.

E lá foi a sala toda ouvir o óbvio. Se as leis não estão escritas qualquer um – sobretudo figura ligada ao judiciário – pode inventar que determinado comportamento é crime, só para punir um suposto réu com o qual tem algum tipo de desavença.

Não sei, naquela época, se ao saber que acusação e juiz estavam mancomunados contra o réu, minha reação seria de indiferença, mas são absurdos equivalentes, tanto a hipótese de inventar uma lei para punir uma pessoa específica quanto forjar um julgamento por baixo dos panos virtuais do Telegram.

Dizer que estando certo ou errado o importante é ter barrado o maior escândalo de corrupção da história da humanidade, que rendeu um ap no Guarujá, é um atestado de culpa. Se o escândalo era tão grande e notório, não precisaria de conluio, bastariam as provas.

E assim seguimos com mais um capítulo baseado em cometer um absurdo para supostamente combater um absurdo. Assim toleramos uma ditadura para combater a ditadura, toleramos armas para combater a violência, toleramos perder direitos trabalhistas para combater a precarização do trabalho. Haja tolerância.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

não confundam as bolas - parte 1



NÃO CONFUNDAM AS BOLAS!!!

É GREVE GERAL!!!!

É APOIO IRRESTRITO 
AS TRABALHADORAS
AOS TRABALHADORES

AINDA QUE A GREVE FOSSE DE UMA FÁBRICA FUNDO DE QUINTAL
COM 2/3 TRABALHADORES

SE O TRABALHADOR REIVINDICA GREVE

EXISTEM MOTIVOS!

AINDA QUE NO GOVERNO TIVESSE UM PRESIDENTE CONSIDERADO DE ESQUERDA 

GREVE É GREVE
GREVE GERAL É GREVE GERAL!

quarta-feira, 12 de junho de 2019

Caos

Já estamos no meio do ano. E tudo continua em uma frequência estranha, como que suspenso no ar, esperando algo mudar, uma coisa melhorar, mas as nuvens permanecem no mesmo lugar, não se mexem.

E por que isso? Não sei. Muitos dizem que é culpa de uma política estagnada, que deixou todos sem saber o que fazer, é preciso esperar que o tempo passe para desenhar o panorama. Mas somos um país enorme, temos esse tempo para esperar?

E quanto mais podemos esperar que as coisas melhorem? Quantos anos mais podemos aguardar deixar de ser o país do futuro e virar o país do presente?

O ar que se respira é de desânimo, o pior de todos.

O caos é ético, moral. A bagunça é de falta de caráter. A confusão vem da violência.

Meu Deus, hoje é o dia dos namorados! Esqueci! No meio das cores da bandeira, tão suja, esqueci disso! O amarelo, verde e azul viraram cores desbotadas, sem vontade de reagir. E quem está com energia para reagir? Até a bandeira parece se arrastar nos dias longos de uma pátria que lentamente perde seu brilho, que afunda seu nome.

Hoje é dia dos namorados. Feliz dia dos namorados a todos, feliz dia nesta pátria que um dia já foi dourada, hoje ninguém reconhece suas cores.

Iara De Dupont


quarta-feira, 22 de maio de 2019

Matilda e o filme que já foi visto


Estou lendo Matilda pra Júlia, minha filha de 6 anos. Ele foi escrito por Roald Dahl, no País de Gales, em 1988. Eu o li pela primeira vez no fim dos anos 90 e, apesar de ter adorado o livro, achava os pais de Matilda caricatos demais, não achava que aquilo podia existir de verdade, que ninguém precisava ter que explicar para alguém o que a Srta. Mel, a professora de Matilda, explica para eles. Até que, relendo o livro agora, dou de cara com um diálogo que acompanhamos todos os dias no sombrio Brasil de 2019. Como é triste perceber o quanto retrocedemos. Reproduzo as páginas abaixo.

De todo modo, apesar desse triste reconhecimento num livro caricato escrito há 3 décadas, recomendo muito a leitura de Matilda e de toda a obra de Roald Dahl (A fantástica fábrica de chocolate, por exemplo). Ele escreve respeitando a inteligência das crianças e permite discussões importantes, como essa trazida nas páginas a seguir.


terça-feira, 21 de maio de 2019

LDL, séries e música

Olá queridos e queridas aqui do Blog das 30 Pessoas!
Mês passado tive um lapso e acabei esquecendo da postagem. Quando fui lembrar, já era pra lá do dia 25, e por isso, deixei pra estar aqui no dia certo, que cabe a mim há alguns anos.
Como novidade tenho que minha alimentação mudou 100% (pra melhor). No finalzinho de março, senti uma fadigação, fui aferir minha pressão e estava 13/8. Minha pressão nunca havia saído dos tradicionais 12/8, a não ser quando era criança/adolescente, e por causa de um problema no sangue (o qual já não tenho mais, obrigado por perguntar), ela caía quase sempre. Fiz exames de sangue durante muitos meses seguidos. Mas isso é passado.
Trocando em miúdos, fui ao cardiologista, fiz os exames que ele pediu. Tudo bem comigo, a não ser pelo detalhe de o meu colesterol ruim (LDL) estar alto demais para minha idade. Nem tão aaaaalto assim, mas acima do normal. Eu nunca fui de exagerar em frituras e gorduras (nem curto mesmo). Meu triglicérides está excelente, até abaixo do que deveria estar. E por isso o médico acreditou quando eu disse não comer bobeiras. 
Mas receitou um remédio, que ainda estou tomando, caminhar, e cuidado na alimentação.
Para isso, conto com uma nutricionista.
Imagem aleatória só pra ilustrar o post. 
E foi por isso que minha alimentação mudou 100%. Confesso que estou amando, pois poder fechar o cadarço de meus tênis, sem quase morrer quando me abaixo, é uma recompensa maravilhosa, depois de ter me acostumado à dieta e caminhadas.
Na realidade, precisei intercalar minhas caminhadas com ergométrica. Como saí do total sedentarismo para 6 km diários de caminhadas, começando às 05h30 da manhã, óbvio que meu corpo não suportou. Meu tornozelo esquerdo foi vítima de uma luxação, quando tinha 11 anos de idade. E esse mesmo pé apresentou uma dor muito forte nessas últimas semanas, segundo minha nutricionista, por causa da minha caminhada diária. Atualmente tenho feito então meia hora de ergométrica todos os dias, deixando assim meu pé curar em sua totalidade. 
Queria comentar sobre Game of Thrones, que acabou no último domingo, dia 19 (eu curti o final) e também falar da série que elegi para começar a assistir após o término da produção da HBO. Trata-se de "The Umbrella Academy", disponível na Netflix. No momento em que escrevo esse post, acabei de terminar de ver o terceiro episódio. Como são episódios com 50 minutos em média de duração, não consigo ver dois seguidos, agora na hora do almoço. Eu vejo sempre 2 por dia das séries que acompanho (disponíveis em streaming, claro) porque assim não enrola tanto para acabar. 10 episódios vão em 5 dias fáceis!
Como no mês passado não estive aqui, resolvi usar esses minutos que antecedem meu retorno ao trabalho para postar pra vocês.
É isso, minha gente.
Espero que todos(as) tenham um excelente final de dia 21! Mês que vem, temos um encontro marcado aqui! E espero que eu esteja ainda mais em forma do que já estou! Emagrecer é uma dádiva quando se está perto dos quarenta, pois sabemos que nosso metabolismo fica mais devagar com o passar dos anos.
Como de costume, deixo aqui uma música para vocês curtirem comigo. E vou deixar também o trailer de "The Umbrella Academy", caso tenha se interessado em ver comigo!
Até mais, minha gente! Aquele abraço!


segunda-feira, 20 de maio de 2019

Mega-Sena acumulada

Otávio nunca imaginou que uma Mega-Sena acumulada poderia causar tantos problemas. Tudo começou naquele fim de tarde monótono, quando a secretária do escritório levantou a bola. “Eu, se ganhasse, ia viajar o mundo.”

A sequência de sonhos foi rápida e extensa. Não faltaram Ferraris, iates, mansões, viagens e até ações gratuitas, ao alcance de todos, mas que precisavam de um suporte milionário por trás, como mandar o chefe à merda.

Otávio matutava em seu cantinho quando baixou o silêncio e alguém notara que ele não havia dito nada. “E você, Otávio?” Foi objetivo, logo no maior desejo: “Eu ia comprar uma bicicleta.”

Ficou meio perdido entre os risos que seguiram. Será que deveria ter detalhado melhor? Era uma bicicleta de 21 marchas, profissional, inteirinha vermelha. Achou melhor deixar o assunto morrer e perguntar para a secretária, em quem confiava, qual o problema com a bicicleta.

“Não tem problema nenhum, Otávio. Mas o prêmio está acumulado, são mais de 200 milhões, dá para comprar uma fábrica de bicicletas!”

Agora sim o caldo entornou. Muita gente estava dizendo que só ia apostar porque o prêmio estava acumulado. Mas por que esperar acumular tanto dinheiro? O fato é que precisava encontrar novas formas de gastar o prêmio, para o qual ainda nem havia jogado.

A noite foi de angústia. Rolava de um lado para o outro da cama. Poderia comprar uma televisão maior ou trocar a tela do celular, que há tempos estava trincada. De repente esnobar e passar uma semana inteira em Caldas Novas! Mas talvez ainda sobrasse dinheiro.

Se pelo menos soubesse dirigir poderia dizer que compraria a tal da Ferrari. Um iate não ia dar certo, pois mal sabia nadar. Uma mansão seria trabalhoso demais! Se manter o cafofo limpo e arrumado já era cansativo! Lembrou de alguém dizendo que ia comprar uma fazenda. Se esse sujeito soubesse o trabalho que dá carpinar um lote, jamais diria uma bobagem dessas.

No dia seguinte, exausto pela noite em claro, já chegava no escritório quando viu um morador de rua. É isso! Ali estava a solução. Não abriria mão da bicicleta, nem da semana em Caldas Novas, mas poderia usar o dinheiro para ajudar os pobres! Já tinha uma resposta e um motivo pelo qual jogar.

Era o último dia de apostas e Otávio levava a resposta na ponta da língua. Desta vez a rodada de sonhos começou logo de manhã. Não variou muito, as mesmas Ferraris, os mesmos iates, as mesmas mansões, etc. Na vez de Otávio a expectativa aumentou. Como já havia falado da bicicleta, resolveu pular essa parte. “Eu ia viajar... e ajudar quem precisa.” “Ô, madre Tereza, ficou louco?”

Era só o que faltava. Ainda não estava bom! Perdeu a última cartada e não fazia ideia de como iria gastar o dinheiro do prêmio. Seria um dia longo, pensando e repensando. Dificilmente encontraria algo que já não tenha cogitado durante a noite que passou em claro.

Não tocou mais no assunto. Ficou, como de costume, quieto em seu canto. A Mega-Sena foi assunto do dia, mas desistiram de perguntar a ele o que faria com o prêmio. Perdeu toda a hora de almoço na fila imensa da lotérica, mas voltou para o escritório com o maldito papel nas mãos, o comprovante da aposta, que lhe tirara, literalmente, o sono.

À noite segurou o papel nas mãos, enrolou tudo com um terço e sentou na frente da tevê, para assistir ao vivo ao sorteio. Assim que começou a transmissão começou a rezar, com uma fé que nem sabia que tinha. Suava a ponto de borrar todo o papel da aposta.

Em poucos minutos estava tudo resolvido. Brilhava na tela a materialização de seu maior sonho. As preces haviam sido atendidas e seu maior desejo havia se realizado. Não acertou um único número entre os seis sorteados.