quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Aniversário

Estreei neste blog em há cinco meses atrás. Não fiz cinco textos, uma vez que a mesma pandemia que me empurrou para este espaço também me tomou o tempo necessário para a manutenção de uma regularidade. Contudo, é hora de uma de pequena volta no tempo. Hoje, se faz necessário destacar o porquê da escolha pelo dia 25 de cada um dos dias disponíveis em um mês para me escrever um texto neste blog. . 

Trata-se de um motivo muito simples, é o dia do aniversário de um indivíduo muito especial. Cujas mensagem e reflexões ainda são incompreendidas pelas pessoas em pleno século XXI. Uma figura que pode ser muito polêmica. Que gosta de um vinho e de peixe. Não sei se o maior psicólogo que já existiu, mas é alguém que, sem dúvida, sabe ouvir. Condena os vendilhões do templo e os falsos profetas. Um exemplo de conduta e rebeldia. Este é… ou melhor, este sou eu. E dia 25 de novembro é o meu aniversário. E, em 2020, estou completando 37 anos de vida. 

Não sou fã de comemorar aniversários, me incomoda ser o centro das atenções. Não que não goste, afinal, sou professor, logo,  estar nesta posição, em alguma medida, faz parte da minha rotina. Mas, em sala de aula há uma certa responsabilidade de minha parte em estar neste lugar, já que permiti que minha trajetória seguisse o rumo do magistério. E ali, sem dúvida fico muito à vontade, inclusive, nas salas de aulas remotas. Quer, dizer, lá no fundo, eu sabia que, em alguma medida, ser professor me traria uma série de (micro) alegrias) e daria uma espécie (micro?)poder que me seduziu - vejam que me deixo levar por pouco, ainda mais se levarmos em consideração o poder de figuras como o Thanos correm atrás -  e ser o centro da atenções seria um mal necessário com o qual arcar por toda minha carreira. 

Mas, não escolhi o dia que nasci. Ou melhor, não tenho responsabilidade alguma pela centralidade conferida à pessoa ao final de um ciclo de 365 dias (às vezes 366) como um tradição de longa data. E a centralidade ali se impõe. Não está nem aí para minha vontade. É mesmo violenta, ainda que o afeto recebido e as lembranças - muitas vezes recheadas de uma surpresa por virem de onde, às vezes, não esperamos - sejam bastante gratificantes. 

Bom tudo isso pode soar contraditório, tendo em vista que escolhi justamente o dia 25 que - uma vez por ano será o dia do meu aniversário - para ser o centro das atenções neste blog. Reconheço minha responsabilidade nisso. Não obstante, talvez não passe de um ato falho. Aí, já é caso para minha terapeuta analisar. Talvez leve isso para ela, na próxima seção. E, no ano que vem, quando passarei por esse momento novamente, eu conte para vocês, o que ela achou da escolha do dia 25, como meu dia, no blog das 30 pessoas.


domingo, 22 de novembro de 2020

Livros à prova: O Ateneu, de Raul Pompeia (Unicamp 2021)

Vídeo feito especialmente para quem está se preparando para o vestibular da Unicamp de 2021. Com vocês, uma análise da obra "O Ateneu", de Raul Pompeia. 





Créditos:
Conteúdo: Felipe Souza
Edição de vídeo: Sirley Alencar


sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Político é tudo igual? Vote no diferente.

Político é tudo igual. Essa afirmação equivocada está enraizada em boa parte dos eleitores. Se não existem duas pessoas iguais, até gêmeos idênticos têm suas particularidades, que dirá dois políticos. Uma breve análise das propostas e votações é suficiente para deixar claro que a nivelação não tem fundamento.

Em um país onde 50% da população vive com menos de 500 reais por mês e 26% dos deputados são empresários, formando a maior bancada da câmara, quem é beneficiado pela afirmação de que político é tudo igual?

Na democracia representativa a ideia é que eleitores escolham políticos que o representem, para que interesses em comum sejam defendidos politicamente. Parte disso acontece na prática.

Não é por acaso que empresários tenham tanto poder e a taxação de grandes fortunas sequer seja colocada em pauta. Também não é coincidência uma bancada ruralista forte e todos benefícios ao setor rural, que aproveita até a pandemia para “passar a boiada” real e metafórica, do ministro Ricardo Salles. E o que dizer de uma massiva bancada evangélica no país que não cobra impostos de igrejas?

A discrepância de forças não se restringe ao plano econômico. Mais de 75% da câmara é formada por deputados brancos, em um país que, segundo o IBGE, 56% da população é negra ou parda. O racismo é histórico e não se restringe ao Brasil, mas a discrepância política é uma barreira densa para o combate do crime – crime de racismo.

Com 51 deputadas, parcos 10% do congresso, as mulheres devem enfrentar grandes lutas para garantir direitos básicos, chamados de privilégios por quem nunca teve seus direitos básicos ameaçados. A batalha não é fácil em um país que ainda exalta a ideia de uma mulher “bela, recatada e do lar”. Podemos lembrar que Dilma Rousseff não podia comemorar um gol sem que a foto fosse estampada em uma revista, para taxa-la de nervosa.

O mesmo raciocínio se estende aos indígenas, sem representação no atual congresso, e homossexuais, com porcentagem residual entre os políticos. São setores atacados cotidianamente, sem a representação adequada, que garanta o amparo político no congresso.

Neste ano as eleições foram municipais, mas as porcentagens não chegam a ter grandes alterações. Algumas mudanças surgem aos poucos, bem mais devagar do que o ideal, principalmente com o aumento das candidaturas dos setores tradicionalmente excluídos da política.

Com mais gente concorrendo o desafio é conquistar a confiança e atrair os votos da sociedade. Se por um lado as eleições municipais não foram tão ruins, expondo o enfraquecimento da onda extremista de 2018, o fortalecimento de partidos conservadores, alinhados com o empresariado masculino, branco e avesso a mudanças que poderiam tornar o país menos desigual, mostra que o caminho a ser percorrido ainda é longo.

Acreditar que político é tudo igual acaba sendo benéfico para quem é contra a diversidade, já que é beneficiado pela homogeneidade de um congresso feito por homens brancos ricos, para homens brancos ricos. Para que políticos não sejam iguais é necessário votar no diferente.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

tricotar flores

São Paulo, quarta-feira, 18 de novembro de 2020

- tricotar flores - Cristina Santos - post 7 - Blog das 30 pessoas -

título: tricotar flores

   Tricoto poemas gigantes para me aquecer no inverno. Com os meus olhos flores, converso com as constelações comendo bolo de festa.
   Deve ser bom beijar na chuva. 


Oiê! Espero que estejam bem 💙 Escrevi esse pequeno conto em março de 2017.
Por hoje é só, pessoal. Sorriam. Se precisarem sair de casa, usem máscara. Respeito. Cuidado. Carinho. Até o próximo post.
Beijos.
Cristina Santos 
💙

terça-feira, 17 de novembro de 2020

sonho



Você dá conta
É o que diziam
Todos aqueles
que não davam

Assumiu o peso
Amarrou-o em seu pescoço
E antes de se jogar
Corredeira abaixo

Chorou
Despiu-se
E sumiu

Deu conta
Dizem
Hoje vive sozinha em Alter do Chão

Pés descalços
O cabelo meio louro
Queimado do sol

Nunca foi tão desnuda
Nem tão feliz

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

As Curvas


Claro que sou habitado por memórias, imagens nômades que se confundem nas datas, lembranças que me chamam até a janela para ver o desfile do passado. O que não significa que seja saudosista. Não tenho maior apreço por idades passadas que pela atual. Cada qual com sua índole. Imagino as recordações todas colocadas em um mapa topográfico, carregado de curvas, tantas e tais que é impossível se perceber detalhes. Então, para que não se percam todas no emaranhado do tempo, estacas são colocadas para destacar algumas delas. A escolha é aleatória, nem sequer imagino quem ou o quê lança essas marcas. Quando percebo, já estão ali, pedindo atenção. Esta aqui, por exemplo, mostra um menino de 12 anos com seus brinquedos, cavando túneis em montes de areia. Não era difícil encontrá-los, estavam por toda parte no bairro novo. E enquanto eu organizava uma cidade subterrânea com os bonecos (índios, soldados, robôs), meus colegas de idade descobriam outros jogos: muitos já conheciam os sabores e amores de beijos e toques. Eu imaginava ser bom, mas não tinha pressa, estava ocupado demais recriando o mundo. Os corpos iam crescendo e as roupas diminuindo, as festas se tornavam uma opção aos domingos de árvores e tédio. Os meninos davam a entender que eu estava atrasado, que minha infância se prorrogava além do devido. Eu duvidava: ainda tinha muita imaginação. Também ansiava sentir também o calor alheio, mas projetava isso para um futuro abstrato. Almejava um romance de novela, com direito a trilha sonora, alguma das canções que ouvia ilustrando o enredo. A ficção era minha realidade.

Vai daí que eu me apaixonava intermitentemente. Bastava que ela soubesse meu nome, ou que aquela fosse gentil comigo, ou que outra me olhasse por mais tempo e seu nome se tornava minha fixação, a palavra que eu mais repetiria durante o longo trajeto entre um e outro acontecimento, paixões que duravam intensos oito ou nove dias. Enfiado na distração de uma dessas, dividia uma manhã entre observá-la e copiar o que estava na lousa. Alguém bateu à porta e chamou a professora. Logo ela voltava, apresentando:

- Essa é nossa nova colega, Viviane...

Olhei uma primeira vez, passarinho à toa, à toa. Atentei uma vez mais, para cair na armadilha: Viviane, sardas no rosto, menina da fazenda, verde-terra na vista. Ali, algo aconteceu. Meu primeiro alumbramento. A responsável por iniciar os últimos instantes de minha criancice. Por diante, tudo seria diferente. Isso porque Viviane era diferente, nenhuma outra era, então, como ela. Viviane tinha seios. Não que nas demais eles já não iniciavam uma tímida apresentação. Mas nela as curvas se destacavam, pediam calma e euforia, desassossegavam os afazeres. Puxei uma salva de palma, assobios e gritos de glória. A escola decretou feriado e uma parada cívica teve início na quadra. Ninguém notou a festa que se fazia em mim durante a caminhada dela até sua cadeira.

Filho dos zeladores da escola, encontrei minha casa à desertos de distância. Palavra alguma significava aqueles seios. Eu precisava falar com eles. Com ela. Com certeza eu não era o primeiro navegante à avistar aquelas ilhas, era preciso um plano. Tentei montar uma prévia com meus brinquedos, e subitamente eles se transformaram em objetos inúteis. Viviane não quereria nada comigo se me visse com eles: estava decretada a falência múltipla da meninice. Pela última vez enterrei os bonecos, desta vez no quintal, sob o pé de maracujá em flor.

         Namoramos, conhecemos outras nações, mergulhei em sua história onde construí um templo. Contei a ela todo esse assomo e ela riu, balançando os ombros e lançando a cabeça para trás. E disse:

- Você está inventando!

Ela sabia. Ou antes, ela nunca soube. Minha timidez permitiu que, no máximo, criasse amizade com seu irmão e frequentasse sua casa. Nunca frequentei seus seios. Eles ficaram como as estacas que impedem essa reminiscência de ser levada pelo vento dos dias.

domingo, 15 de novembro de 2020

Encerramento inscrições Chevening

Olá leitores e leitoras,

Desde agosto de 2020, os meus posts tem sido sobre a bolsa de estudos Chevening, cujas inscrições iniciaram em 03 de setembro de 2020. 

Comecei em agosto avisando que as inscrições iam abrir no mês seguinte (leia aqui). No post de setembro, falei um pouco sobre a primeira fase do processo seletivo, contando sobre a minha experiência pessoal de ter me inscrito duas vezes e dando dicas que considerei importantes para o processo seletivo. Por fim, deixei exemplos das minhas redações para inspirar quem estrava pensando em se inscrever.

Hoje o post do blog é bem curto, somente para informar que as inscrições Chevening se encerraram no dia 03 desse mês. Felizmente, quem não pode se inscrever esse ano, terá uma nova chance ano que vem, já que as inscrições abrem todo ano, geralmente em setembro. Voltaremos a conversar sobre o assunto em tempo oportuno. Enquanto isso, sigo compartilhando com vocês as aventuras e experiências de estudar no UK.

Abraços!
Jacque.


quinta-feira, 12 de novembro de 2020

O ser humano vai melhorar?

Sempre que acontece algo no mundo as pessoas carregam em uma certeza: o ser humano vai melhorar.
Séculos já se passaram, centenas de acontecimentos mexeram com as estruturas políticas e sociais e mesmo assim o ser humano não melhora.

De onde vem essa nossa falsa esperança que nos guia quando a humanidade é surpreendida por eventos que fogem do seu controle? Por que continuamos acreditando que o ser humano vai melhorar? 

Isso não acontece e acredito que já se passou muito tempo para continuar pensando que o ser humano vai melhorar.

Diante de uma pandemia mundial foi dado o mesmo veredicto: o ser humano vai melhorar.
Desta vez havia a certeza sobre o consumo, o ser humano por ficar confinado iria repensar seus hábitos de consumo e perceber que não precisa de tantas coisas.

Houve um segundo de esperança. As pessoas ficaram dentro de casa tempo suficiente para perceber que não precisavam de tudo o que tinham, podiam viver com menos.

E o que aconteceu? O consumo aumentou. Muita gente olhou para o seu sofá e chegou a conclusão que precisava de um novo. Ou uma televisão maior. Ou uma mesa mais bonita.
Nada mudou. O ser humano consumiu mais do que nunca. 

Muitos comemoraram pensando que o consumo de garrafas pet iria diminuir e o oceano teria um respiro. Pois é. Não foi assim. A pandemia dobrou o consumo de refrigerantes e suas garrafas pets seguiram o caminho de poluir o mar. E piorou, porque agora vão acompanhadas de milhões de máscaras descartadas e luvas de plástico.

O ser humano é isso, não muda, não melhora, não evolui. 

A pandemia só mostrou mais uma vez o que já estamos cansados de saber: a indiferença do Estado, o silêncio das classes altas, o desespero das classes baixas.
O consumo não parou nem mudou. Exatamente como o ser humano, nem para de consumir, nem muda.

Vamos aguardar o próximo evento para começar a falar novamente que agora sim o ser humano vai melhorar. Vamos falar isso, mesmo sabendo que é mentira. O ser humano nunca vai melhorar, já nasceu condenado a ser tóxico ao planeta.

Iara De Dupont

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Dia de finados

Diferente do que pode-se supor, o dia de finados não me remete à tristeza, ou sofrimento. Pelo contrário, tenho memórias afetivas muito alegres com o dia de finados.

Mas antes de falar do dia de finados estabelecido no Brasil em 2 de novembro, quero falar sobre a ideia de um dia específico para prestar homenagem aos mortos. 
A parte japonesa da minha família tem influência budista e comemora o dia de finados em outra data, 14 de julho, conhecido por Obon¹. E utilizei o termo "comemora" de propósito, porque é isso mesmo, uma festa! Muita comida gostosa, reunião de todos os parentes, conversas alegres e abraços carinhosos. É isso que me vem à cabeça quando penso em Obon, além dos rituais de acender senkô, oferecer comida e rezar para os antepassados. 
Esta vivência me mostrou uma forma diferente -mais alegre- de lidar com a morte e com os mortos.

Mesmo do lado brasileiro, o dia de finados era divertido. Isso porque minha avó materna mora bem perto de um grande cemitério da Z/L de São Paulo, e, antigamente, a rua de sua casa, assim como um trecho da avenida do cemitério, ficavam fechadas para carros, e abertas para pedestres. Ambas as vias são muitíssimo movimentadas, com trânsito de ônibus, inclusive, mas, ao menos uma vez por ano -no dia de finados- podíamos brincar livremente, sem risco de atropelamento, tão temido por minha avó.
Em minhas memórias, era um cenário quase idílico. Sol, alegria, barracas e vendedores ambulantes de flores, de pintinhos coloridos², brinquedos e muitos cacarecos. Gostava de brincar com as outras crianças de pega-pega, rouba bandeira e descer a rua de patins ou em carrinho de rolimã emprestado. E isso só era possível no dia de finados, quando a rua ficava colorida e ironicamente aberta para a vida. Essas pessoas estava indo ao cemitério visitar os túmulos de pessoas queridas que se foram, mas não me lembro de ver ninguém chorando. 
As crianças têm um mundo particular, e nesse mundo, o dia de finados era de brincadeiras e alegrias.

O tempo passou, eu cresci, e as ruas não são mais restritas aos carros no dia de finados. No entanto, surgiu um novo motivo para eu amar esse dia, o nascimento do meu sobrinho! Continuamos comemorando a vida em dois de novembro!!!  

E você, que lembranças tem do dia de finados? Você ou sua família homenageia os falecidos? De que forma?










1- Obon é uma tradição budista para consagrar os antepassados. O festival Obon é o segundo maior feriado japonês e pode durar 3 dias ou mais, variando em cada região. Nesta época (em julho, no calendário antigo ou agosto, no calendário atual) os espíritos dos ancestrais retornam ao mundo para visitar suas famílias, e os japoneses os recebem acendendo insensos (senkô) e rezando em altares domésticos (hotokesama).

2- Quando criança eu não tinha consciência, mas esses pintinhos coloridos vendidos em feiras sofriam maus tratos, inclusive intoxicação pelas tintas spray utilizadas para deixá-los mais atrativos, e por isso muitos morriam poucos dias após serem comprados. Além de toda questão ética por trás disso, hoje essa prática configura crime de maus-tratos, previsto no artigo 32 da Lei 9.605 de 1998, com pena de 3 meses a 1 ano. 

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Guerra de açúcar

Você já viu uma formiga-palhaço?

Ela arma a lona em balas perdidas e faz a festa

Quem mata formiga-palhaço não vai pro céu

fica zanzando num trapézio-purgatório

e lá embaixo não tem rede de proteção

PLAFT!

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Naufrágio

Baby estamos no escuro
Abrace seu capitão
O barco está afundando 
Abrace seu capitão

Me jogue um bote 
Aproveite o vacilo
Afundaram o barco
Sos, perigo
Iceberg do Nilo 
Batizo no hospício
Um anúncio, aviso 
Decisão de risco 

Volts de mentiras 
Aterradas no sacrifício 
de um povo omisso 
Vivendo no breu do abismo 
Enquanto vêem seu capitão 
Desfrutando no paraíso
Vendo um barco afundando 
Se faz de bobo e omisso
Com a desculpa da corrupção
Mãos sujas da devastação 
Destrói tudo e faz a guerra
As custas de um povo sem terra 
Sem teto
Quase sem amor 
Rouba o tempo que sobra 
Tira do trabalhador

Emprega família e amigos 
Não quer mais ver pobre doutor 
No país do estupro culposo 
Onde o óleo naufragou
Quem sobrar avise lá 
Saberá quem muito nadou 
Foi com a ajuda do povo 
Que esse barco virou
Mesmo sentindo a dor 
Calados, bronzeados, calejados
corpos quentes, fome, calor
Com a raiva do bicho homem 
Se disfarça na paz do senhor. 




segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Eu como, tu comes, nós comemos. Como assim?

BBC News

BBC News

Por Elisabeth Guimarães

Desolação. O olhar assustado de Ousado – uma onça pintada macho –, em nada lembra o felino que se aproximava dos barcos atracados no parque onde habitava. Habitava. Não habita mais. Com as quatro patas queimadas, Ousado foi resgatado. Agora, atraído pelos flashs, o animal fixa o olhar entre os elos da grade que o separa do fotógrafo.  Olhos no olhos. Ousado nos convida a contemplar o horror que viu e viveu no Parque do Encontro das Águas. Terras queimando. Três milhões de hectares, só no Pantanal.

Araras-azuis em dispersão. Separação. Bando/debandada.  A foto acima da manchete. O voo congelado/captado pela lente fotográfica aponta para o descaso/desaforo/desrespeito à flora, à fauna, a todos e a todas que vivem no planeta. Ora, se já era refúgio, refugiadas estavam. Estavam. Não estão mais.  Ameaçadas de extinção, rompem com o tradicional voo em linha reta para o desvio. Desvio das chamas que queimam o refúgio. Das 6.500 araras-azuis existentes na natureza 700 viviam na fazenda São Francisco. Viviam. Não vivem mais. Assim, como cada um de nós, cada uma de nós não é; não está; não pertence mais.

Ser, estar, permanecer é só uma aparente existência. Não somos, estamos e permanecemos mais em tempo/espaço algum.  Não enquanto os olhos das onças pintadas nos revelam o horror das queimadas. Desolação.  A boa notícia é que Ousado voltou para a floresta, depois de um longo período de tratamento. Não mais para o local onde habitava, mas voltou. Ser, estar, permanecer é só um estado aparente de existência. Não somos, estamos e permanecemos mais em tempo/espaço algum.  Não, enquanto araras-azuis procuram refúgio.

Não há como negar o absurdo discurso presidencial brasileiro na 75a Assembleia Geral da ONU, no dia 22 de setembro deste ano. O primeiro a ser transmitido. Não por outro motivo senão aquele que determina a transmissão da participação dos países por ordem alfabética. Brasil começa com /b/ de bebê. Uma democracia frágil como um bebê. Se não tivesse mais o que fazer, a ONU, talvez, mudaria esse critério. Assim, a assembleia abriu com a fala de um negacionista. Teoria da conspiração defendida. Virulenta defesa da administração pública federal diante da pandemia coronavírus. Contagem em dólares de um desauxílio/campanha eleitoral. Agora também nega as queimadas. Contudo, a Terra é redonda. Os terráqueos deixaram a marca da humanidade na Lua. Stephen Hawking demonstrou a formação dos buracos negros para nos lembrar que física quântica não tem nada a ver com “pensamento positivo”. Tem a ver com o presente absoluto. Seres humanos são incapazes de ver além da matéria. Cegos escolhem a "realidade" em que vivem. A escolha faz com que corpos de todas as dimensões sejam materializados em pontos diversos e espalhados pelo universo. Desta vez, escolhemos o fogo.  

Araras azuis não mais vivem no Pantanal. Além das onças pintadas, agora, muitas outras espécies poderiam ser chamadas de "patas queimadas". Falta-me o ar. O ar pandêmico das minhas digressões. Uma potência política me atravessa. Ninguém me representa. Somos muitos e muitas. Mas, somos uma sociedade planetária? Somos? Estamos? Permanecemos? Não há mais tempo para espera. Só nos resta arejar ideias, trocar informações, unir forças, vicejar. Como? Eu como, tu comes, nós comemos. Quem come? Quantos seres humanos comem? Um dia, depois da terra queimada, depois de as águas invadirem os continentes, depois do ar sufocado, talvez, ninguém mais coma. Tudo depende de nossas escolhas... quânticas... talvez...