Há metafísica bastante em não pensar em nada, de fato.
Quando estava no colégio, estudando Fernando Pessoa, passamos por Alberto Caeiro - leitura obrigatória para o vestibular. Um professor que fazia teatro interpretou os escritos pra gente, e foi assim que aprendi a ler poesia.
Quinze anos depois, aqui estou eu pensando em Caeiro. O caso é que adorava os poemas dele, mas me incomodava o Metafísica* (ou seja lá qual for o nome que lhe é dado, o importante é me fazer entender). Achava-o bonito, porém incômodo. Como que alguém fecharia os olhos e veria as coisas só como elas são?
Estou de olhos abertos: hoje o céu está azul, está meio frio, começo de outono. Tem uma escada na minha frente, às vezes um esquilo aparece correndo por ela, carregando uma avelã. Não tenho aveleiras no meu jardim, mas sei que no parque ao lado tem.
Fecho os olhos e penso como que alguém poderia descrever o outono fora do Brasil sem ficar perdido olhando o chão amarelo-ocre, resultado das folhas que caem das árvores, que descem brincando com o vento.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o Sol
Me doía aquilo, tentar não deixar minha imaginação correr e enfeitar com verbos e ações o que apenas é, que não tem motivo senão o da própria existência.
Mas hoje, quinze anos depois, pego pensando que talvez o certo fosse ele. Olho as notícias e fico com medo do amanhã. O dia seguinte, quem sabe dele? Quem pode me dar a tranquilidade que preciso? Como fingir que está tudo bem? Como não fingir também?
O que penso eu do Mundo?
Sei lá o que penso do Mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
E, então, quando abro os olhos o mundo continua ali: as árvores, o céu azul… elas são o que são e não precisam ter sentido íntimo nenhum. Apenas existem e isto é o suficiente. E talvez eu devesse aprender mais com as árvores e as nuvens e as folhas e os esquilos. Se eu fecho os olhos e tento ir além do que eu sou, do que consigo, o medo me corrói. A finitude assusta, e a inconstância também. O medo do amanhã se esgueira nos cantos da mente, enquanto faço o café.
Enfim, respiro, tento focar no agora, e tento olhar as coisas como elas são.
O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.
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