terça-feira, 20 de abril de 2021

O homem sem tarja

Tenho simpatia por pessoas que sabem um pouco de tudo. Mesmo sem aprofundar muito em um assunto e sem usar termos técnicos restritos aos especialistas, essas pessoas têm desenvoltura em qualquer conversa. Cientes de seus limites, não hesitam em questionar e possuem a sabedoria de ouvir, ampliando assim o conhecimento.

Claro que a quantidade de informações produzidas pelos humanos é imensa. Sempre haverá aquele livro que já deveria ter sido lido, aquele filme que já deveria ter sido visto, aquela música guardada no desconhecido. Ainda assim, pessoas que sabem um pouco de tudo conseguem se situar em uma conversa.

Sem ter lido um livro, sabem ao menos sobre o que ele trata. Conhecem um pouco sobre o diretor daquele filme que está na fila para ser assistido há tempos. Possuem um repertório musical extenso, capaz de encontrar uma referência na memória, mesmo quando o assunto seja um grupo folclórico do interior do Azerbaijão.

Dá gosto de dividir a mesa do bar com essas pessoas. Ou ao menos dava, quando podíamos dividir uma mesa de bar sem medo da pandemia.

Os especialistas também têm seu mérito. São aquelas pessoas que passaram a vida estudando, não um assunto, mas uma fração de um assunto. É aquele médico que se especializou na cirurgia de joelho direito; se precisar operar o joelho esquerdo ele já se complica.

Pessoas assim podem ser indispensáveis, sobretudo quando precisamos justamente da especialidade em questão, mas convenhamos que nem só de especialização vive o homem. Um pouco de distração e até de futilidade às vezes caem bem.

Um grande risco de quem resolve ser especialista supremo de um assunto é achar que sabe de tudo e pode opinar, com a mesma autoridade, sobre qualquer assunto. Bons tempos quando o alvo predileto era a escalação da seleção e todo brasileiro se achava técnico. Hoje todos se consideram cientistas políticos e as consequências têm sido trágicas.

Em 2007, dia 16 de agosto, eu vagava por artigos da Folha na biblioteca da faculdade quando esbarrei no título “Antidepressivos, aspirinas e urubus”. Não compreendi o trocadilho com o filme “Cinema, aspirinas e urubus”, de Marcelo Gomes, mas fui atraído pelos antidepressivos.

Pelos treze anos seguintes, todas as quintas era sagrada minha leitura dos artigos do Contardo Calligaris (1948 – 2021). Além de especialista em psicanálise, não sabia de tudo um pouco, mas de tudo muito. Com o passar do tempo conheci seus livros, assisti à série Psi e vi algumas apresentações, ao vivo ou no Youtube, que mostram bom humor maior do que os textos deixam transparecer. Lamento não ter visto a peça “O Homem da Tarja Preta”, de 2009.

Contardo foi uma das pessoas com quem mais aprendi. Não sobre um tema específico, mas sobre a vida. A forma de buscar outros pontos de vista a respeito de um mesmo assunto, de se portar diante de certas situações e como construir nosso próprio legado em uma existência efêmera.

Entre tantas reflexões, chamou minha atenção a ideia de não buscar uma vida feliz, mas uma vida interessante. Fisgado pelo título de um artigo sobre antidepressivos, desenvolvi nos anos seguintes a ideia de que os antidepressivos não são mágicos. Ajudam, mas não substituem o empenho para ter uma vida interessante.

domingo, 18 de abril de 2021

caçadora de ventos

São Paulo, domingo, 18 de abril de 2021.

- caçadora de ventos - Cristina Santos - post 12 - Blog das 30 pessoas - 

título: caçadora de ventos 

   Esse ano eu ia me tornar caçadora de ventos e parar o tempo que tem muita tempestade nas veias. Eu ia viver os verões dos beijos, dar risadas de rosas a cada hora e caminhar nas respirações.
   Esse ano eu ia me escrever nas formas do rio, me confessar sereia e aprender a dançar a melodia jazzística da lua. 
   Esse ano eu ia beber dos universos, mas os versos frios me jogaram para a tempestade do tempo e não deu tempo de me tornar caçadora de ventos. 

   Oiê!  Espero que estejam bem 💜 
   Até o próximo post.
   Beijos,
   Cristina Santos

   P.S.: o conto: caçadora de ventos, é inédito, e eu o escrevi na quinta-feira dia 08/04/2021.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Gnomos

Acreditava em gnomos. E de acreditar, jurava vê-los correndo pelas gramas da praça ou, ainda mais fantástico, pela baça lente de uma luneta apontada para a lua. Não me lembro de enxerga-los, mas a história virou lenda familiar, repetida tantas vezes a ponto de confundir imaginação e lembrança que formei a partir das narrativas alheias. E nunca houve, para minha felicidade, um adulto que desmentisse a existência dos seres mágicos. Ao contrário, estava cercado de pessoas que incentivavam minha imaginação com mais detalhes, perguntas que estimulavam meu falar. De certa forma, a criança inventiva dava permissão para que os mais velhos liberassem um sentimento lúdico que andava preso pelos anos e pela rotina do concreto.

Ouvi dizer que era preciso deixar uma maçã em um canto da casa para que os pequeninos se alimentassem. Na verdade, não sei se ouvi mesmo esta instrução ou se é mais uma memória construída com ficções. Sei que gravou-se em mim a imagem de uma maçã murchando sob o móvel antigo que atulhava o estreito apartamento. Nossos cômodos tinham móveis rústicos, quase sempre de um marrom escuro (ou seria isso efeito do filme antigo dos meus olhos-registradores?) e uma fina camada de poeira eterna. Não tenho certeza, acho que jamais observei mínimas pegadas. O que só aumentava meu fascínio pelos duendes. Ou gnomos. Só anos mais tarde descobri as diferenças entre eles, porém sempre preferi chama-los de gnomos. Gostava do som da palavra, o choque de consoantes no início, a repetição das letras o’s.

Meu pai trabalhava em uma loja de móveis usados, o que justificava o apartamento então novo mobiliado com objetos antigos. Creio que esta decoração não planejada apontava já meu futuro interesse por ruínas, por vestígios de vidas gastas. Quando um móvel não acompanhava a mudança de gosto da pessoa, lá iam os funcionários da loja buscar na casa do cliente o trambolho. Vez ou quase, um deste objeto surgia como encaixe perfeito para uma parede vazia e uma necessidade cheia, então meus pais ficavam com o móvel por um desconto no salário. E sempre era possível encontrar um brinde, algo deixado pelos antigos donos das gavetas: falsas bijuterias, dinheiro sem valor, retratos.

Rememoro um final de tarde, voltava para casa com minha mãe e meu irmão. Eu balançava entre os seis e sete anos, passava o dia todo na escola, sondando letras. Ainda as descobria e já sentia prazer em observar suas curvas. Aquela terça-feira desabava em chuva, ritmava o barulho da galocha que usava em dias assim, calçado coaxando enquanto subia todos os degraus até o último andar. Meu pai abriu a porta mal chegávamos à sua frente. Tinha o rosto espantado, vigiava por trás de nós, olhando paredes e chão:

- Você não imagina o que aconteceu.

Não esperou que eu perguntasse, tamanha euforia em dar a notícia:

- Quando eu cheguei agora há pouco, abri a porta do apartamento e cinco gnomo saíram correndo, passaram por baixo das minhas pernas e desapareceram na escada. Quando fui ao seu quarto ver porque ele vinha de lá...

Entrei sem pressa de ver o que me aguardava. Estava atento ao relato, minha fantasia se desdobrava na correria dos diminutos entes. Meu pai indicou o caminho, sugerindo que eu fosse descobrir o que tinham deixado para mim. Sob a minha cama, uma pilha de livros fabulosos: Aladim, Peter Pan, Alice no País das Maravilhas. Abracei cada um daqueles livros, ignorei o cheiro de guardado que traziam impressos em suas páginas. Passava os dedos com calma sob as ilustrações, investigava com cuidado as sensações gráficas que um bloco de texto me dava. Aqueles livros, enquanto objetos, foram minhas primeiras sensualidades. Ainda hoje, quando encontro um livro excitante, leio com todos os sentidos despertos. Sou atraído por encantamentos. Porque em algum lugar em mim ficou a discreta crença de que gnomos é que são os verdadeiros editores.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Doutorado na Escócia

Amiga leitora e amigo leitor,

Hoje vim contar para vocês, tintim por tintim, como consegui a bolsa de doutorado na Escócia. Foi uma jornada muito legal e acho que será mais ainda quanto eu chegar lá!

Primeiro, começo dizendo que não foi algo que aconteceu na noite para o dia. Passei muito tempo matutando como, onde, com quem e em qual projeto eu faria o meu doutorado. 

Eu diria que o primeiro grande passo foi ter uma ideia do que eu queria estudar. No meu caso, eu queria estudar sistemas alimentares sustentáveis de forma quantitativa e analítica, juntando assim as minhas experiências acadêmicas e profissionais prévias. Eu também fazia questão de encontrar um/uma orientador/orientadora que fosse bem parceiro e gente boa. O último critério importante era o financiamento, sem isso não teria como encarar quatro anos de estudos/trabalho. O critério do financiamento meio que eliminou o Brasil como uma possibilidade, visto que as bolsas aqui são escassas e quando existem, não cobrem nem mesmo as minhas atuais despesas com moradia. Então, para fazer doutorado no Brasil eu teria que ter algum trabalho paralelo, o que seria um grande desafio.

Tendo esses três critérios bem definidos (área de estudos, perfil do orientador, necessidade de financiamento) eu comecei a fazer buscas na internet. Basicamente eu ia no google e digitava algumas palavras chave relacionadas com a minha área como "phd sustainable food system", "phd nutrition data science" e assim por diante. Outros três lugares que eu procurava bastante era no findaphd (global), euraxes (europeu) e academictransfer (holandês), basicamente usando as mesmas palavras chaves.

Encontrei algumas vagas interessantes por todos esses métodos. Fiz a inscrição em seis vagas, fui convidada para entrevista em quatro delas (duas na mesma semana, inclusive). A vaga da Escócia especificamente, encontrei no findaphd . Na descrição da vaga, notei que o orientador era brasileiro de sobrenome Silva (como o meu) e fiquei super empolgada. Logo decidi escrever um e-mail para ele. Essa, aliás, era uma prática comum. Eu sempre escrevia para o orientador antes de me candidatar a vaga. A maneira como eles me respondiam contava muito na minha decisão de me inscrever ou não.

Os primeiros e-mails com o meu orientador de Edinburgh foram bem normais. Nessa troca de e-mails estávamos discutindo alguns requisitos para a vaga, dentre os quais estava o conhecimento prévio de modelagem econômica, algo que eu não tinha. Eu assumi de peito aberto o fato de não ter nunca mexido com modelagem econômica, destaquei outros pontos fortes que eu tenho e, em minha defesa, mencionei o nome de um colega/mentor de trabalho, que é economista, e que poderia me ajudar na aprendizagem de modelos econômicos.

Para a minha surpresa (e sorte!) o orientador da vaga conhecia muito bem esse meu colega e daí o tom da conversa mudou completamente! Senti uma abertura maior e talvez até um incentivo para que eu me inscrevesse na vaga, quase como se eu tivesse sido adotada. Veja você o poder do networking, tão mencionado pelo programa de bolsas Chevening.

Depois das conversas iniciais, fui toda feliz e segura fazer a minha inscrição. Imagina só a minha alegria quando recebi o convite para a entrevista! Sem demora confirmei a minha disponibilidade de horário e agradeci muito pela oportunidade. Para a entrevista, eu precisaria preparar uma apresentação de 10 minutos de algum trabalho que eu já tinha feito ou que pretendia fazer.

Na Universidade de Edimburgo, os orientadores não participam diretamente da avaliação do candidato. A banca entrevistadora é composta por outros profissionais. Dito isso, sinto que posso compartilhar que os meus orientadores (o orientador principal, brasileiro, e o co-orientador, britânico), me perguntaram se eu já sabia o que iria apresentar e me ofereceram ajuda! Sim, foi isso mesmo. Antes da entrevista oficial, fizemos uma "mock interview" (simulação de entrevista) e eles me deram dicas muito preciosas do que falar, não falar, perguntar e etc.

O grande dia chegou e eu me sentia bem animada e confiante! A entrevista foi bem legal, os membros da banca bem amigáveis e acolhedores. Mais ou menos 40 minutos depois da entrevista, eles me procuraram de novo, perguntando se podiam me ligar. Infelizmente eu estava a caminho do trabalho na hora e não pude atendê-los. Daí, eles acabaram me escrevendo por e-mail mesmo: a notícia era de que eles tinham gostado muito do meu perfil e gostariam de me oferecer a vaga! Sério, gente, quase infartei na hora. Nem consegui trabalhar naquele dia! Era uma sexta-feira, então o final de semana foi todo em torno disso.

Para comemorar junto com vocês, deixo aqui alguns registros da tradição escocesa, feitos em 2018, quando passei 3 dias passeando em Edimburgo.


Gaita de fole no centro de Edimburgo

  


Eu e minha amiga Tati, perto do Castelo de Edimburgo




Haggis, um prato típico da culinária Escocesa




Abraços e até o próximo dia 15.
Jacque.



segunda-feira, 12 de abril de 2021

Gentil

É possível nestes tempos ser gentil? Ou gentileza só existe na tranquilidade dos ventos, no sol da tarde e com um copo de vinho?

Não lembro quando comecei a usar a internet, mas desde 2010 assumi um compromisso com o meu blog e mergulhei neste mundo virtual. Já são onze anos e já passei por várias fases e governos.
Nos últimos tempos ando meio assustada, parece que a internet virou a única janela que temos ao mundo e as pessoas decidiram usá-la para gritar. É isso que se escuta o tempo inteiro, os berros. Pessoas são canceladas, textos criticados, atitudes julgadas e condenadas.

Parece fim de feira, com aqueles gritos de oferta. 
Estamos todos nervosos, sim, com razão. Lidar com uma pandemia já é o suficiente, mas nós estamos em um país à mercê de uma política negacionista.

É justo estar ansioso, histérico, triste e perdido. Estamos todos.
Mas para que transformar a internet em uma arena, onde só quem gosta de brigar se sente à vontade para entrar?

O que se pode resolver aos gritos e ofensas na rede?
Não sou fã da humanidade e jamais vou dizer que acredito no ser humano.

Um pouco de cinismo e o fato de ter nascido sob o signo de Virgem explicam a minha eterna desconfiança com o ser humano.
Sei que diante de tanto caos não se pode esperar abrir a internet e ver pessoas recitando poesias nem cantando. Mas até quando vamos ser rudes e brutos? Até onde vamos com essa falta de gentileza?

Ser gentil é atemporal, não precisa de local nem data. É simples, é fácil.

A nossa falta de gentileza é assustadora. 
Parecemos ou sempre fomos, desgovernados.
No limite não sabemos reagir com gentileza, vamos aos berros.

Ah, mas é fruto da nossa cultura, da nossa história, somos um país colonizado.

Pois é, desculpas sobram. O que falta sempre é gentileza.


Iara De Dupont

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Para um amor no Recife - Para caber numa narrativa

"Para um amor no Recife" é um experimento híbrido criado para pensar a cidade, o meio ambiente, a solidão, o medo, a morte e as novas formas de se relacionar nestes tempos pandêmicos. Exibição dias 8 e 9/4, às 20h.

Espero que você se emocione. As inscrições podem ser feitas gratuitamente pelo http://bit.ly/paraumamor


sexta-feira, 2 de abril de 2021

Neste ser/estar desconexo tempo/espaço.

Silêncio.

No Brasil, mais de 300.000 famílias enlutadas.

Um minuto de silêncio, por amor, respeito e solidariedade.

Ideal mesmo seria mais de  300.000 minutos de silêncio.

No mundo mais de 2.700.000 famílias enlutadas.

Pelo menos até hoje, dia 26.3.2021,

quando escrevo este post.

Mais de 2.700.000 minutos de silêncio seria o  ideal.

 

Os números só servem para contar, eu sei.

para tentar impressionar quem ainda 

não se importa com cada uma das vítimas

desse inimigo, que mata mais do que guerras,

furacões, maremotos, terremotos 

e ataques terroristas.

 

Silêncio.

O soluço da dor ecoa pelo mundo.

Não há nada que possamos dizer.

A não ser calar.

A não ser abraçar.

Mesmo que virtualmente.

Na intenção de apenas ouvi-las chorar.

Na intenção de mostrar que não estão sozinhas.

 

Ruas deveriam estar vazias,

em nome dos cemitérios cheios.

Vidas repensadas rapidamente,

diante do egoísmo governante global.

Certezas desconstruídas,

diante da construção de discursos alienantes. 

No silêncio, além de choros, podemos ouvir

as vozes dos narcisos.


Quanto a mim?

Continuo escrevendo...

Mais do que nunca... em silêncio.

Tempo reservado para os jornais. 

Apenas alguns... escolhidos cuidadosamente.

Tempo reservado para quem amo

e para quem ainda vou amar. 

Renovar.

Afinal, as pessoas que mais amei já 

não estão mais aqui/agora comigo

neste ser/estar desconexo tempo/espaço.

Elas deixaram de ser/estar, antes da pandemia.

Fontes de inspiração.

Por elas, continuo escrevendo.

Por quem chora, continuo escrevendo.

Mais do que nunca 

em silêncio.

Apenas ouvindo e escrevendo.

Por Elisabeth Guimarães