Um Bom Homem é Difícil de Encontrar
Um livro de contos é feito de altos e baixos. Dificilmente, sua diversidade agradará a um(a) leitor(a) de modo homogêneo e constante ao longo das páginas. Eu queria comparar a uma montanha-russa, mas, jamais andei em uma (e, provavelmente, nunca o farei), isso não será possível. Talvez, dê pra dizer que um livro de contos seja como a vida cotidiana ao longo de uma semana, um ano ou mesmo de um dia. Com momentos bons, ruins, outros melhores e alguns, ainda, piores.
Essa variação na duração de um ano, uma semana ou um dia, também toma forma na plasticidade temporal dos contos de um livro. A história, nos diz Paul Veyne, é lacunar: um século pode ser descrito em dez páginas e um ano, num livro inteiro. No caso de “um homem bom é difícil de encontrar e outras histórias”, há o que se passa durante a subida de uma escada por quatro andares de um prédio! Um deles dura alguns meses e se expande até o além-mar (se pudermos mensurar o espaço subjetivamente, como Agostinho nos ensinou a medir o tempo). E ainda outros que se passam em uma cidade; entre duas cidades num único dia; no intervalo de alguns dias, enfim. O conto parece um cobertor curto, quando cobrimos a cabeça, descobrimos o pé e vice-versa. Assim, ele pode não nos oferece a profundidade da experiência artística que assombrava Adam Gordon; porém, nos leva a vários sobressaltos - algumas batem mais forte, outros passam batidos - em um único livro. Bom, não se pode ter tudo ao mesmo tempo, como o juiz, seu primeiro esposo, dizia a Mrs. McIntyre
Assim, ler um livro de contos não chega a ser uma grande aposta, como ler um romance sem muitas referências sobre ele, mas é uma sequência de pequenas apostas, como jogos de loteria semanais ao longo de um ano. Ainda que, ao contrário da loto, nos contos, eu diria, ganhamos mais do que perdemos ao final. “Um homem bom é difícil de encontrar e outras histórias” não poderia fugir disso. Ao fim do livro, não diria que ganhei em todos os bilhetes que apostei, mas não tenho dúvidas, também, de que me dei bem na maior parte dos contos.
O livro de O’connor começa muito bem, a meu ver; passa pelo conto, bem divertido, que se se desenrola nos poucos lances de escada; e fecha com chave de ouro, com um conto que nos remete a um figura que sempre tira as cidades pequenas do seu marasmo; figura característica das cidades grandes: o estrangeiro! Uma figura sempre liminar, nem lá, nem cá… mas na qual não se pode confiar plenamente. Mr. Guizac poderia muito bem ser um exemplo literário usado por Georg Simmel em sua reflexão sobre “O Estrangeiro”, por toda a incerteza que leva ao cotidiano da fazenda de Mrs. McIntyre. Mas, “O refugiado de Guerra” foi escrito algumas décadas depois do texto do sociólogo alemão. Ops… Mas, O’Connor era formada em Ciências Sociais, nos Estados Unidos, cuja sociologia foi fortemente inspirada em… Simmel! Será que não se deu o inverso? Talvez Mr. Guizac não ilustre, mas tenha sido inspirado em outro “estrangeiro”, o de Simmel.