quinta-feira, 18 de maio de 2023
3 anos no blog: ressaca existencial
terça-feira, 18 de abril de 2023
doce de leite
sábado, 18 de fevereiro de 2023
guardar, memória, asa
sexta-feira, 20 de janeiro de 2023
O último a sair apague a luz
Costumo me apegar a algumas tarefas, sem perceber que a água está subindo e o público já fugiu para outros barcos. Me falta um Drummond, que alertou José, a festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou... e agora?
Agora chega. Esse é meu 120° post aqui, ou seja, comecei em janeiro de 2013. Duvido que um músico do Titanic tenha faltado a uma apresentação antes do naufrágio; eu também não conseguiria passar um, dos últimos 119, dia 20 de cada mês com a sensação de um texto em falta.
Em meio a todos esses textos alguma coisa deve ter prestado. Acredito ter melhorado a escrita, driblei os meses com a famosa falta de assunto e nos últimos quatro anos me esforcei para não ser monotemático e só falar do desgoverno.
Produzir texto é tarefa árdua. Já vi o escritor Marçal Aquino dizendo que a distância entre a ideia e o papel é muito longa e não pode ser percorrida a pé. Modestamente eu acrescentaria que, ao contrário do que possa parecer, a distância aumenta com a prática.
Conforme a técnica se desenvolve a expectativa também aumenta e ler o texto concluído costuma gerar mais frustração do que impressão de um bom trabalho. O produto final parece ficar cada vez mais distante da ideia. Ainda assim, para quem gosta de escrever, o desafio de um texto bem escrito segue instigante.
Sempre gostei da ideia de um blog coletivo. Já me empenhei mais em engajar escritores por aqui, até ser vencido pelo medo de despertar a famosa sensação de “lá vem ele”. Hoje o problema não é a falta de engajamento dos blogueiros, mas substituição da ideia de um blog por novos canais de comunicação.
Publicar em um blog me dá cada vez mais a sensação de fazer um post no Orkut ou mandar uma mensagem de ICQ (os mais novos podem dar um Google). Então é hora de parar, colocar a casa em ordem e depois, quem sabe, procurar novos canais.
Graças à falta de ideias, encerrar o texto está tão difícil quanto sair do blog. Como na vida, a escrita também parece dispensar palavras nas despedidas. São substituídas por um abraço aos que passaram aqui, em um desses tantos dias 20.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2023
coexistência
terça-feira, 20 de dezembro de 2022
Ciências humanas são as mais difíceis
Dá para discordar do resultado de um cálculo, do saldo da conta, até da quantidade de votos recebidos, mas são valores exatos. Um olhar mais atento mostra qual o número correto e o porquê.
Ciências humanas são equações com infinitas variáveis. É comum especialistas com opiniões contrárias entre si serem aclamados pela genialidade de suas teorias. Mas nem só de especialistas e mundo acadêmico vivem as ciências.
Se a mesma matemática que calcula o troco da padaria se desdobra para calcular como aterrissar uma sonda em um asteroide, as ciências humanas não se restringem às abstrações acadêmicas de grandes pensadores; estão em nosso cotidiano, tão naturalizadas que sequer nos damos conta.
Mesmo quando só queremos assistir à copa, gritar gol e torcer em paz, atletas da seleção aparecem comendo carne coberta de ouro. Que comece a treta.
“Desrespeito ostentar um banquete dourado jogando por um país onde milhões passam fome”. Concordo. “Eles ganham muito bem e não precisam dar satisfação de como gastam”. Concordo também. “Produção de carne e extração de ouro, um prato que sintetiza o desmatamento na Amazônia”. Concordo muito. “Recebem críticas por serem jogadores negros, se fossem empresários brancos seriam admirados”. Sem dúvida.
Como encontrar o valor de X em equações tão complexas? É o tipo de situação em que não há um X exato e inquestionável. Ciências humanas lidam com contradições internas, muitas vezes insuperáveis. Até quando nos apegamos ao centroavante Richarlison, que fez aquela pintura de gol contra a Servia e tem no currículo extracampo atitudes louváveis, esbarramos em uma tatuagem no Neymar nas costas. Avisaram ele que não sai?
Uma coisa é certa. Depois de comerem tanto ouro, o jogo contra a Croácia resultou em uma merda brilhante.
domingo, 20 de novembro de 2022
Ganhamos
Às vezes ganhamos, no plural, sem precisar mover um dedo para isso. Basta fazer parte da torcida para emendar um “ganhamos”, pouco engajado, depois do título inesperado. Se essa vitória distante nos agrada, que dirá quando fazemos pelo menos um pouquinho.
Depois de quatro anos sobrevivendo a um governo que fez de tudo para que não sobrevivêssemos, ir às urnas e digitar míseros dois números deu a sensação de marcar o gol do título, de bater o último pênalti, com cavadinha para superar as rachadinhas, e correr para o abraço.
Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu, em “Contrafogos 2: por um movimento social europeu”, as chances de parar essa máquina infernal repousam em todos aqueles e aquelas que podem jogar seu grão de areia na engrenagem bem lubrificada das cumplicidades resignadas. Nesse ano, somados cada grão de areia, chegamos a dois montes quase iguais, parecidíssimos, desempatados por milímetros.
Tanto equilíbrio depois de tanto descalabro, mostra um futuro difícil pela frente. Mesmo descontando as distorções causadas por uso indevido da máquina pública para campanha eleitoral, até com as mais mesquinhas tentativas de bloquear estradas em estados do nordeste, não dá para ignorar o tamanho e a força da torcida adversária.
Ainda é hora de curtir a ressaca da vitória. Valeu o choro, o canto, o grito, o riso e o meme do Junior Peixoto pendurado no para-brisa de um caminhão. De repente dá para esticar a comemoração até a Copa, quem sabe o futebol não nos ajuda a aliviar um pouco a tensão dos últimos anos. Já teve espaço até para contestar a convocação do Daniel Alves – o país não cria polêmicas com a convocação desde que mergulhamos no caos político de 2013.
Passada a euforia será hora de lembrar que muitas engrenagens ainda estão muito bem lubrificadas. Não será um grão nem um punhadinho de areia que irá travá-las. Cada detalhe será tão importante quanto foi na eleição, pois a disputa social por temas fundamentais ao nosso futuro seguirá acirrada.
Diante da mata em chamas, muitos seguem decididos a jogar um golinho de gasolina ao invés de um grão de areia; fazer sacrifícios humanos ao deus Mercado agrada a boa parte dos sacrificados; e sempre teremos a dona Ana Inês, que ajudava a fechar uma estrada em Bento Garibaldi, enrolada na bandeira do Rio Grande do Sul, dizendo enfaticamente que não existe segunda-feira no comunismo – será uma agente infiltrada, com a missão de angariar simpatizantes?
Contra tantos delírios serão necessárias batalhas diárias. A prova definitiva de que cada voto conta é que Lula, para desespero daqueles que têm o mais leve sintoma de TOC, recebeu 60.345.999 votos. Ficou a um mísero grãozinho de areia a mais para arredondar em 60.346.000. Bastava um único eleitor conseguir furar um dos bloqueios feitos pela polícia rodoviária.
sexta-feira, 18 de novembro de 2022
jogo poético incompleto 1
quinta-feira, 20 de outubro de 2022
empreendeDOR
Já tive esse diálogo algumas vezes, com pequenas variações. Hoje é um pouco mais compreensível. Com tantas opções de vídeo, dancinhas de Tik Tok, youtubers célebres e instagramers que cobram alto por posts, me sinto velho usando Twitter e escrevendo (escrevendo!) em blog.
O estranhamento diante da falta de lucro não se restringe à escrita. Em um curso recente de fotografia acompanhei a apresentação inicial dos participantes, dizendo o nome e o motivo de fazerem o curso. Sobraram empreendedores visando aprimorar o produto e reverter o resultado em um plus a mais para o engajamento desembocando em ganhar um trocado extra no fim do mês.
Eu decidi fazer o curso para aprender um pouco mais sobre fotografia. Porque eu gosto. "Mas você pensa em trabalhar com isso?" "Não." "Bom, quem sabe você não acaba encontrando um jeito de monetizar isso né?" "Eh... é..."
Lembrei desses exemplos durante um dos debates do primeiro turno, para governo de São Paulo. Ao ser questionado por Fernando Haddad sobre as propostas para a cultura, o candidato Vinicius Poit, do Partido Novo (novo!), usou todo o tempo de resposta e tréplica para discorrer sobre a importância da formação profissional, do curso técnico, do encaminhamento para uma profissão já na adolescência. Nem uma única menção às atividades culturais.
Claro que os boletos não esperam. Muitas vezes o que parece um pouco a mais pode fazer diferença nas contas. Mas com a multidão de ansiosos e deprimidos, o tal Burnout se popularizou e o stress já é de casa, virou estresse.
Não dá para combater o esgotamento físico e mental trabalhando. Parar um pouco e cultivar um hobby não é perda de tempo. Pelo contrário. Várias empresas que adotaram redução de jornada constataram aumento de produtividade, como aponta a economista Marilane Teixeira, da Unicamp, em entrevista ao PortalCUT.
Se a fonte pode parecer suspeita por se tratar de uma força sindical, cabe o exemplo da empresa Solpack Agronet, em Rio das Pedras. A notícia do portal G1, que não é grande simpatizante do comunismo, mostra que reduzir a jornada para seis horas aumentou a produtividade em 25%.
Mais eficiente que números, estudos, hipóteses e dados, cabe resgatar nossa capacidade de sonhar e viver experiências diversas. Diante de toda a diversidade de opções que temos na vida, vale a pena sonhar só em empreender e trabalhar?
quarta-feira, 12 de outubro de 2022
Como é ruim ser criança no Brasil
terça-feira, 20 de setembro de 2022
Um cheiro perdido na memória
Achei bonita a descrição, antes da obra analisar de fato a relação entre pessoas e objetos pessoais, a partir do casaco de Karl Marx – por vezes penhorado pelo proprietário, que tinha muito mais talento em analisar o capital do que em ganha-lo. Ainda assim tive minhas dúvidas.
Não tenho olfato dos mais apurados. Coleciono situações em que vendedores me apresentaram dezenas de produto distintos, que eu mal identificava. Incensos, para mim, tem cheiro bom, mas só um cheiro, que costumo rotular como cheiro de sabonete. Sabonetes, que para mim também só têm um cheiro.
Certa vez eu estava em uma loja de perfumes. Fui decidido, sabendo exatamente o que queria, mas me vi em meio a dezenas de papeizinhos monoaromáticos que a vendedora insistia em me apresentar após borrifar várias opções. Outra cliente chegou com uma pequena tira de papel, querendo saber qual perfume era aquele. Com uma cafungada a vendedora revirou os olhos, buscou na memória e pegou o frasco correspondente.
Considerei uma humilhação para meu pobre olfato indistinto. Para mim a tira de papel poderia corresponder a qualquer um dos perfumes da loja – ou a um incenso, que por sua vez poderia ser sabonete.
Resignado, nunca me dediquei a nada que dependesse de um bom olfato. Já me dou por satisfeito se identificar um vazamento de gás sem confundir com um escapamento desregulado de motores mais antigos. Não conseguiria me imaginar em uma situação como a Laura de Freitas, do canal “Nunca vi 1 cientista”, que afirma saber se falta sal na comida pelo cheiro.
Minha mais recente experiência com cheiros foi há poucas semanas. Comprei dois maracujás doces no mercado. Há muitos anos eu não comia maracujá doce e apesar de saber que o gosto é bom, não tinha uma lembrança tão precisa. Ao aproximar a fruta cortada do nariz tive um instante mágico.
Voltei trinta anos no tempo e me vi na casa dos meus tios, onde na infância comi maracujá doce até, sem fazer a menor ideia disso, fixar um aroma naquela lembrança afetiva. Aos poucos reconstruí todo o cenário do que vivi há tanto tempo, sem a menor certeza sobre o que aconteceu de fato e o que são retalhos de memórias ativadas e costuradas pelo aroma da fruta.
Já não duvido do sentimento de Peter Stallybrass. Entre tantos detalhes que podem despertar memórias, o olfato pode ser uma ferramenta poderosa. Ainda não aposto no meu talento para diferenciar cheiros, mas me sinto mais disposto a prestar atenção nos detalhes entre um aroma e outro. Quem sabe as associações afetivas não ajudam um pouco.
domingo, 18 de setembro de 2022
A Máquina do Mundo - Abeni e o mistério que veio do espaço
segunda-feira, 12 de setembro de 2022
Velhice
sábado, 20 de agosto de 2022
O fã que amadurece com a banda
Eu, que aos 16 anos mal saía de Valinhos, entrei em uma excursão para São Paulo, encarar o estacionamento do sambódromo do Anhembi lotado. Não era só o Sepultura, que já não seria pouco, mas toda a adrenalina de um evento grandioso para os meus padrões, uma mudança de quem começava a sair de casa, cheio de sonhos típicos da adolescência.
A banda, que também iniciava uma nova fase, trouxe convidados especiais para o show. Zé do Caixão fez a apresentação; o primeiro guitarrista da banda, Jairo Guedes, tocou alguns clássicos; Jason Newsted, baixista do Metallica na época, trouxe um pouco de punk para o palco; também teve uma apresentação de indígenas Xavantes e de Carlinhos Brown, que haviam participado do álbum Roots.
Na época torci o nariz para essas atrações tão distintas do som pesado que me atraía. Demorei para perceber que o Sepultura sem o sincretismo das referências brasileiras seria só mais uma banda de heavy metal entre tantas outras. Foi esse o diferencial que fez os brasileiros serem notados e respeitados no mundo todo.
Passados 24 anos, voltei a ver a banda ao vivo. Fiz o caminho inverso. Depois de alguns anos morando em São Paulo, vi o Sepultura no interior. Seguem como ícone para os fãs do som pesado, mesmo tendo se distanciado do auge, no fim dos anos 90.
Se há tantos anos eu estava em êxtase com um evento tão grande, dessa vez fiquei ainda mais satisfeito com a apresentação no Sesc. O espaço é menor, mas a importância cultural é unânime entre os artistas que se apresentam.
Com capacidade de público ainda reduzida devido à pandemia, pude ver a banda muito mais de perto, acompanhando detalhes, desde os riffs e solos de guitarra que me encantam desde a adolescência até o atual baterista, que tinha sete anos quando fui no meu primeiro show.
Quase trinta anos se passaram desde o lançamento do álbum Roots, com a participação dos Xavantes, e o Sepultura voltou a gravar uma música em defesa dos povos originários. O tema segue relevante, hoje ouço de outra forma as influências nacionais misturadas ao heavy metal estrangeiro. Claro que muita coisa aconteceu desde a adolescência, mas o Sepultura permeou e estimulou muitas dessas mudanças oferecendo outro ponto de vista por trás do aparente barulho das músicas.
O trabalho que ressalta os indígenas deu ainda mais sentido para o público, que no intervalo do bis começou a mandar o presidente para lugares nada nobres. Shows de heavy metal no Brasil costumam ter um público conservador, que vai contra toda a origem de revolta e insubordinação do estilo. Uma incoerência brasileira que felizmente não se confirmou.
Uma característica que chamou minha atenção foi como o público mudou entre um show e outro. Dos adolescentes desengonçados do fim do século passado para pessoas mais experientes, alguns acompanhados pelos filhos, um pouco de peso a mais, um pouco de cabelo a menos. Só assustei mesmo ao olhar no espelho depois do show. De onde vieram todos esses fios brancos no cabelo e na barba?
sexta-feira, 12 de agosto de 2022
Frio
quarta-feira, 20 de julho de 2022
São Paulo, por Caetano
Cheguei em São Paulo em 2006. As referências não eram das melhores. No interior a capital se resume a violência e caos. É aquela minoria que de tão barulhenta acaba dominando noticiários que se resumem a engarrafamentos, assaltos e perseguições policiais.
Aos poucos vi que a cidade tem tanto a oferecer que aqueles que se privam dos benefícios por medo da violência perdem muito mais do que um eventual celular roubado. Demorei para criar coragem e vagar pela cidade. Descobri que o centro, mesmo com o abandono e descuido, está repleto de lugares interessantes.
Outro Caetano, muito mais famoso e talentoso, já cantou as belezas de São Paulo. Quando eu cheguei por aqui, também nada entendi, mas confesso que nada acontece no meu coração quando passo pela Ipiranga com a avenida São João – já medi meus batimentos e tudo.
Fico muito mais balançado quando cruzo a praça Dom José Gaspar. O nome pode não ser muito sonoro para a rima do Caetano Veloso, mas o reduto verde, atrás da biblioteca Mário de Andrade, costuma ter a trilha sonora vinda dos barzinhos com rodas de samba no almoço de sábado. Os bancos recebem moradores de rua, casais, grupos de amigos e todas as discrepâncias que a cidade tem a oferecer.
E haja discrepância entre os 12,33 milhões de habitantes, distribuídos em alguns dos bairros mais pobres e mais ricos do país. Tamanha desigualdade gera uma panela de pressão e além do caos e violência que abastecem os programas policiais, a megalópole conta com atrações exclusivas, resultado da demanda da população gigantesca e diversificada.
Muitas exposições só acontecem em São Paulo, muitos filmes alternativos só são lançados em uma ou outra sala da capital, bandas vêm de longe para se apresentarem na cidade e escritores aproveitam os espaços culturais para lançarem seus livros. Peguei gosto por obras com dedicatórias e ainda me surpreendo ao pensar que o Luis Fernando Verissimo assinou um livro para mim.
Deixo São Paulo depois de 16 anos, por um ciclo que se encerra de forma tão natural quanto começou. Mesmo com a certeza de mudar para uma vida melhor, não falo mal da cidade pelas costas. Sei que agora posso voltar sempre que quiser aproveitar as atrações da capital sem temer os problemas pontuais, que são vendidos como generalizados.
Após devorados, nutrimos a grande esfinge. Contribuímos com o caos, mas também deixamos pequenas marcas que moldam a cidade tão peculiar.
segunda-feira, 18 de julho de 2022
onde se escondem os unicórnios?
segunda-feira, 4 de julho de 2022
Ando
segunda-feira, 20 de junho de 2022
A riqueza da floresta
No livro “A revolução chilena”, Peter Winn relata uma reação dos mapuches, liderados por Lautaro, contra o comandante espanhol Pedro de Valdivia: “Quando a crueldade dispensada por Valdivia aos mapuche provocou a rebelião destes, Lautaro retornou ao seu povo e os conduziu à vitória sobre o comandante espanhol, a quem executaram despejando-lhe ouro derretido garganta abaixo e dizendo: "Eis o ouro pelo qual você matou". Foi uma das raras reações à violência europeia.
A América Latina é tão rica que mesmo após cinco séculos de exploração, ainda é alvo da cobiça de quem segue com a mentalidade de extrair riquezas imediatas para enriquecimento individual. Na floresta amazônica o garimpo ilegal se aliou aos madeireiros, grileiros, pecuaristas e por fim aos traficantes; todos mantendo o legado de uma terra cheia de riquezas, concentradas nas mãos de poucos, lavadas com o sangue de muitos.
Os exemplos mais recentes são o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips. Se juntam ao seringueiro Chico Mendes e à missionária Dorothy Stang, todos assassinados por combaterem ações predatórias de criminosos. São a ponta do iceberg formado por milhões de indígenas anônimos aos brancos, assassinados ao longo dos séculos.
Conforme a ciência avança, fica cada vez mais claro que o ouro da Amazônia é verde. Sem a floresta o solo perde a fertilidade, não serve para a agricultura; o regime de chuvas de todo o continente seria prejudicado, comprometendo toda forma de vida, desde o abastecimento e regulação térmica das cidades até o próprio setor agrário, tradicionalmente ligado ao desmatamento.
A floresta intacta, protegida pelos povos originários, gera riqueza perene. Flora e fauna se renovam, enquanto bombeiam água, que cairá como chuva no continente. É uma reserva de conhecimento ainda pouco explorada, que pode oferecer ao mundo diversos medicamentos, alimentos e saberes ancestrais guardados por indígenas. O metal brilhante do subsolo, se extraído, só engordará ainda mais a conta bancária de milionários.
Preservar a floresta vai além de não cortar árvores. Inclui questionar a própria noção de riqueza e como deve ser feita a distribuição do que é, de fato, valioso. O trabalho de Bruno e Dom na Amazônia tinham esse objetivo. Por isso foram assassinados por quem não sabe dialogar e não aceita nada além de dinheiro.
Quase 500 anos se passaram desde a revolta mapuche que culminou no ouro derretido goela abaixo do comandante espanhol. Hoje uma revolta à moda mapuche é improvável, os verdadeiros assassinos têm mais armas, mais amparo legal e respaldo da presidência da república para cometer as barbaridades.
A vantagem de hoje está na conscientização, que ainda enfrenta resistência por parte de uma mentalidade do século 16, que vê o indígena como um empecilho a ser assassinado, a floresta como um empecilho a ser derrubado, os rios como um empecilho a ser canalizado e o dinheiro como a droga viciante, que turva a vista do dependente e impede a atuação do bom senso.
Encerro o texto frustrado. Além da insanidade de mais dois assassinatos na Amazônia, sinto não ter escrito nada além do óbvio. Parece que enchi uma folha afirmando que dois mais dois é igual a quatro, que a terra é redonda, que vacinas previnem doenças. É frustrante ter que dizer o óbvio, mas é indispensável enquanto o óbvio for desconsiderado.
sábado, 18 de junho de 2022
o dia em que o céu deixou de ser azul
domingo, 12 de junho de 2022
O luxo de ter gás
sexta-feira, 20 de maio de 2022
Torcida de futebol na política
O curioso é que pelos comentários de torcedores, parecia que ganhar uma copa era a coisa mais fácil do mundo e a única pessoa que não percebia as obviedades gritantes do campo era justamente o técnico. Nem mestres do futebol, como Telê Santana, escapavam de serem chamados de burros por aqueles que juravam que “era só por um atacante”.
Apenas oito países já foram campeões, sendo que o mais vitorioso é justamente o Brasil, com cinco títulos. Racionalmente é claro que ganhar uma copa é dificílimo para qualquer time, o que não impede que a cada quatro anos surja um novo gênio da técnica, jurando que é só por um atacante.
Mais recentemente, com a empolgação do futebol em queda e a polarização política esquentando, os anos de copa perderam espaço para o destaque das eleições. Todos aqueles milhões de técnicos viraram estrategistas políticos e parece que só uma pessoa não sabe como ganhar as eleições, justamente o líder das pesquisas.
Assim como conquistar a copa, ganhar uma eleição presidencial é dificílimo. Tão difícil que alguns preferem tentar levar no tapetão. Em decisões de segundo turno são necessários mais de 50 milhões de votos e em um país tão desigual, para conseguir tantos eleitores é preciso muito malabarismo para agradar a setores com interesses muito divergentes, costurando alianças políticas em 27 estados.
Ao ler algumas matérias que analisam a corrida eleitoral deste ano, é possível concluir que um dos candidatos não tem a menor chance. Os estrategistas não se entendem, o partido está dividido, as ideias são ultrapassadas, a pré-campanha é ineficiente, o candidato só fala para os próprios eleitores, não há comando, não há objetivos claros, sobram decisões equivocadas e o candidato está isolado dentro do partido.
O cenário trágico é referente ao líder das pesquisas, estável desde meados do ano passado, com possibilidade de ganhar no primeiro turno, enquanto nomes da fantasiosa “terceira via” patinam no lamaçal criado por eles mesmos ao longo dos últimos anos.
Com a mesma cara-de-pau do amador que aconselhava técnicos profissionais, há quem aponte caminhos supostamente fáceis, óbvios e certeiros para uma campanha presidencial, inevitavelmente tortuosa e sujeita a empecilhos e alianças para lá de questionáveis.
Assim como no futebol, eleições também possuem regras inegociáveis. Em ambos é inaceitável a presença de um juiz ladrão, por exemplo. Por outro lado, pode ser necessário aceitar mudanças inimagináveis, como receber aquele político, digo, jogador que até a temporada passada jogava no grande rival.
A torcida, seja a favor ou contra, é inflamada pelas paixões e emoções, mas na hora de tomar decisões, talvez seja melhor deixar para os profissionais experientes. Nem toda decisão é fácil, nem toda escolha é óbvia e dizer qual é o caminho sem ter que arcar com as consequências é bem diferente de viver as escolhas e responder por erros e acertos.
quarta-feira, 18 de maio de 2022
2 anos no blog: vamos recapitular e seguir
sexta-feira, 6 de maio de 2022
Marés
Silêncio nos dedos.
Os textos relidos em goles,
tragados esparsamente.
Eco que escorre a cada sílaba.
As pálpebras se contorcem
as lágrimas pingam sobre a pele.
O gosto de mar.
A língua introduzida no veio sonho acordado.
Quente.
Enquanto há luz reflexo.
Horizonte.
Tanto espaço, tanto seio pele.
Tanto peito abraço.
Tanto cheiro completo.
Se contorce e espreme.
Se renova e sente.

quarta-feira, 20 de abril de 2022
O negacionismo é sedutor
Apesar de absurdo e, no caso da pandemia, até nocivo, o negacionismo é uma constante em nossas vidas. Está disseminado em pequenos detalhes, tão cotidianos que passam despercebidos.
Cresci ouvindo minha avó dizer para tomar cuidado com o vento nas costas ou para não beber olhando para o Sol, pois entorta a boca. Fora de casa as teorias negacionistas sempre aparecem para marcar grandes eventos, como a copa de 1998, supostamente comprada; os atentados de 11 de setembro, escolha sua conspiração favorita; ou o formato do planeta – redondo, plano, trapezoidal?
Eu mesmo, diante de uma escolha, recorro ao horóscopo para dizer que sou indeciso por ser libriano. É mais prático do que tentar explicar, com base na psicanálise, as origens de minhas indecisões.
Quando tento ser assertivo e explicar que não há respaldo científico em tomar água morna com limão, em jejum, logo que acordar, costumo ter sérias desavenças com adeptos, que nunca conseguiram me explicar qual substância do cítrico reage com a água, morna, para que quando bebida, em jejum, faça maravilhas em nosso organismo.
Nosso apego ao negacionismo é compreensível. É uma tentativa, ainda que rudimentar, de explicar o que acontece ao nosso redor. Quando bem direcionadas nossas intuições podem servir de guia para pesquisas importantes, desde que estejamos dispostos a admitir que cloroquina, digo, que a homeopatia, ou melhor, que a hipótese inicial não surtiu o efeito esperado.
Além da tentativa de compreender o mundo, nem tudo o que fazemos é ciência. Muitas vezes a realidade é meio sem graça e por vezes o negacionismo pode trazer um universo lúdico ao cotidiano repetitivo.
Cortar o cabelo pode ser muito mais interessante se o mapa astral mostra que a Lua crescente está alinhada com Júpiter, que, somados ao Mercúrio retrógrado, fazem com que seja o dia ideal para o corte.
Então, qual o problema do negacionismo?
O problema é quando ele deixa de ser lúdico para ser nocivo, quando passa de um inocente vento nas costas para um tratamento ineficaz de doença ou, um pouquinho à frente do limite da loucura, quando discordar do negacionismo, na tentativa de trazer a discussão para a sensatez, vira motivo para ameaças ou agressões.
Às vezes é difícil admitir o erro. Nos apegamos tanto a uma ideia, defendemos um absurdo de forma tão efusiva, que voltar atrás significa, inevitavelmente, passar vergonha. É necessário engolir aquele “eu avisei”, carregado de rancor e soberba.
Por mais que seja difícil admitir que aquela água morna com limão, em jejum, logo ao acordar, tem os benefícios de uma simples limonada, é melhor aceitar logo e incorporar a verdade no cotidiano, que pode seguir sendo lúdico, criativo e cheio de hipóteses mirabolantes, desde que não tragam mais problemas a um cotidiano já bastante difícil.
segunda-feira, 18 de abril de 2022
sábado à tarde
terça-feira, 12 de abril de 2022
Proteção dos deuses
domingo, 20 de março de 2022
Uma guerra se faz com ódio
Para alimentar o ódio, a disputa de narrativas utiliza as mesmas táticas seja qual for o lado. Se o ódio for anterior ao conflito tudo fica mais fácil. Por isso as reações às guerras são variáveis.
A população da Ucrânia se encaixa em uma referência idealizada, que motiva um deputado a viajar até próximo ao conflito e tentar colher os frutos da suposta benevolência, até ser desmascarado pelos áudios de bastidores. Mais que ajudar, havia o interesse na beleza caucasiana. Diante do indefensável só foi possível alegar que “pelo menos ele não roubou”, mas a viagem foi paga com dinheiro público.
Conflitos na África ou Oriente Médio não contam com a simpatia ao padrão caucasiano. Não se trata de fiscalizar tristezas. É compreensível que nos sentimos tocados por alguns eventos mais que por outros. Ainda assim, não é por acaso que olhamos para questões internacionais como uma simples divisão de heróis e bandidos.
Em um sistema econômico que traz o capital no nome, a preocupação não está voltada para a sociedade. Se estivesse, as divergências seriam resolvidas com diplomacia. A milionária indústria bélica lucra rios de dinheiros com bombas e armas, comercializada com todos os envolvidos no conflito. A especulação financeira analisa a guerra para decidir de onde tirar e onde aplicar o capital que batiza o sistema econômico.
Alguns ingênuos apostam no capital para solucionar as guerras, com sanções econômicas que só prejudicam a população do país alvo. Hoje há quem boicote o strogonoff e os clássicos da literatura russa, em atitude comparável a tomar cloroquina contra Covid. Não notam que, assim como no livro 1984, de George Orwell, os inimigos a serem odiados são fluidos.
Se ontem a Venezuela deveria ser riscada do mapa, hoje a maior reserva de petróleo do mundo deve ser aliada, para suprir a carência provocada pelo boicote ao petróleo russo. Os direitos humanos, a serem respeitados incondicionalmente, são relativizados quando ao mesmo tempo em que são defendidos na Ucrânia, são desprezados na Arábia Saudita, que executou mais de 80 pessoas enquanto vendia petróleo para também suprir a carência gerada pelo boicote aos russos.
Mais uma vez o ódio entra em cena para relativizar e justificar as execuções sauditas. Eram todos terroristas. Não é de hoje que atividades ilícitas são utilizadas como suposto argumento para invalidar direitos humanos. Uma breve passada por programas policiais no Brasil deixa esse argumento bem claro.
Divergências entre seres humanos que possuem interesses conflitantes são inevitáveis. Existem em pequenos círculos familiares, que dirá entre grandes potências mundiais. Mais útil do que procurar por heróis e bandidos, é compreender que não há heróis em guerras. Há vítimas. Vítimas do ódio, vítimas de aproveitadores, vítimas de interesses econômicos.
sexta-feira, 18 de março de 2022
nascimentos
quarta-feira, 16 de março de 2022
A casca de nós
Duas imagens
acompanham minha infância, vindas sabe-se lá de que distância do tempo ou do
espaço, repetindo em ondas um anseio: quero um escritório e um laboratório.
Desejava, antes mesmo de saber efetivamente as primeiras letras, que me
formaria em duas profissões, ainda que não soubesse exatamente o que esses dois
faziam. Não eram vontades gêmeas: escrever nasceu primeiro e não gostava da
ideia de ser vontade única. Provavelmente do olhar de espanto diante da
existência, inventei de ser também cientista. Entrava em silêncio reverencioso
no apertado laboratório da escola pública, onde jaziam em potes de vidros
diversos exemplares de cobras e sapos (creio que todo viviam na lama do brejo
que servia de assento à escola).
Quando finalmente fomos morar em
uma casa com um quintal lateral, meu pai providenciou um laboratório feito de
madeiras velhas e papelão. Um resto de estante guardava maçarocas de folhas,
misturas de produtos de limpeza e anotações de observações aleatórias. Naquele
instante, escrever perdeu a força. O que interessava era descobrir do que era
feito o mundo, o que havia além da lua, pensar como alguém vivia em paz sabendo
de nossa pequeneza espacial, de nosso rodopiar do nada ao nada. Era disfarçada
de teologia a filosofia que ameaçava nascer em mim.
Foi quando cheguei ao Fundamental
II, aquele momento da escola em que uma única professora não era o suficiente
para caber todo conhecimento. Surgiram disciplinas que desconhecia: física,
química, biologia. Matemática. A existência dos números em meio ao X, ainda
hoje é, para mim, um absurdo da linguagem. O que tem um X que se meter com
números? A matemática jamais fez parada em mim, no máximo passava correndo,
deixava cair uma ou outra equação que eu teimava em guardar, mas logo acabava
no limbo do esquecimento. E a passagem dos anos só fez piorar minha relação com
o que almejava: embora fosse ainda atraído pela ciência, ela me desprezava, com
seus múltiplos braços numéricos, seus olhos de hipotenusa. A escritura ganhou
velocidade e me encheu de energia, gritando: faça isso.
Muito depois, já fazendo teatro,
estudando artes, rascunhando frases, descobri a poesia. E com ela (prima-irmã
da filosofia que também ganhava corpo), encontrei modos de dar forma aos meus
pasmos. Continuei um investigador, não mais lidando com frações, mas dançando
teorias, sons e figuras. Penso que se tivesse estudado em uma escola de melhor
qualidade; se tivesse mais paciência comigo e com os números; se tivesse outros
tantos Se’s, talvez tivesse me tornado um cientista de exatas, um geólogo,
neurocientista. Não me ocorriam as Ciências Humanas, pois nada que era humano
me parecia passível de se tornar científico. Entendia o ser humano
como meio, isso é, estava entre o absolutamente minúsculo - dos átomos e bactérias
– e o infinitamente gigantesco dos buracos negros e dimensões.
Nem por isso virei a cara para
quem eu queria. Continuei vendo documentários, lendo artigos, livros. Chegaram
a mim as falas afetivas de Carl Segan, Neil deGrasse Tyson e Stephen Hawking, físicos que beiravam a
poesia quando explicavam conceitos; ao lado deles, vieram Haroldo de Campos,
Ferreira Gullar, João Cabral de Melo Neto, poetas da matéria, que por vezes
sopram conceitos científicos. Nessa alquimia descobri que não estava tão longe,
havia uma ligação nessas relações: a escrita nasceu com a ciência, para mim,
dos mesmos assombros. E esse vínculo abarcava, sobretudo, a humana percepção de
saber-se travessia num mistério sem fim.
Talvez seja mesmo infinito o
universo, no entanto não o tempo da vida. Foi em um dia como hoje, 14 de março,
que morreu Stephen Hawking, depois de passar a maior parte da existência
assolado por uma doença que o fechou fisicamente, mas expandiu sua mente para
recônditos do cosmos. Morreu no mesmo dia em que, no Brasil, se comemora (ou já
se comemorou? há o que se comemorar?) o Dia Nacional da Poesia. E esse vínculo,
cogito, deve ser parte da teoria de tudo.
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ps: Hawkins morreu no mesmo dia em
que Marielle Franco foi assassinada em plena luta. Quatro anos em que ecoa a pergunta:
quem mandou matá-la?
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ps 2: para quem gosta de ler
minhas crônicas, tenho publicado semanalmente crônicas curtas lá no Instagram:
@tadeu_renato