terça-feira, 31 de outubro de 2017

quem tem medo dos anarquistas?

Era o último ato. Estava cansada. Esgotada. As pernas doíam e a cabeça parecia girar em 360 graus com aquelas imagens. Era bandeira verde e amarela para todo lado, era gente alegre balançando bandeira e eu sem saber por quê.

Alguns cantavam o hino com vontade e o meu olhar era de nervoso ao perceber que não faziam à menor ideia do que estavam fazendo ali. As cores no prédio da FIESP pareciam anunciar o fim de ano, mas sem tantas cores, pois a predominância era o verde e amarelo descendo e subindo no prédio.  

A impressão era de que estava num jogo de futebol da copa, na final e a qualquer momento alguém ia gritar gol. Era na verdade a visão do inferno.  

Só pude pensar nisso naquele momento, era como se tivéssemos sido tomados de assalto e por mais que tentasse acreditar no que via não conseguia.

A vontade era de sentar na calçada e chorar. Mas como aquilo aconteceu? De que forma manipularam tudo para o nacionalismo bestial?

Quando estava quase indo embora desconsolada e desolada, avistei um grupo  reunido e discutindo a possibilidade de sair como bloco e retomar o ato. No ato anterior e poucas horas antes alguns militantes tinham sido agredidos e avenida estava tomada pelo nacionalismo.

O grupo deliberou, votou e decidiu sair em marcha ali, fizeram uma frente com bandeira preta e seguiram com palavras de protesto. Ali fiquei e percebi de quem se tratava. Eram os anarquistas. Rostos cobertos, roupas pretas e algo que não falta jamais: resistência. Até o último suspiro resistência.

Marchamos com gritos de que a FIESP apoiou a ditadura, a polícia mata pobre e preto todo dia, voto não muda nada não e contra o nacionalismo emburrecedor e fascismo!

Dos atos do ano de 2013, aquele último se tornou o mais importante de todos pra mim. Naquela noite os anarquistas mostraram que a única luta que se perde é aquela que se abandona.

Quando voltei para casa, não me senti derrotada e aquela sensação unânime de desanimo entre os que participaram dos protestos e viram o fascismo tomar conta dos últimos atos não me engoliu.


Neste dia soube que os anarquistas eram ou estavam para além dos discursos incendiários pela TV na maioria das vezes os criminalizando.


De lá pra cá, não os vejo como vândalos ou agressivos. Jamais presenciei alguém apanhando da polícia sozinho que não fosse ajudado pelos anarquistas, ninguém fica para trás, dificilmente os vejo correndo nos atos que não seja para frente para resistência forma de prosseguir com ato.


Existem as ações diretas contra o capital simbólico, mas jamais contra as pessoas, para machucar ou agredir, desde que não representem o estado na forma de farda. O encontro de anarquistas e polícia é sempre tenso. Mas nunca presenciei violência gratuita contra as pessoas da parte dos anarquistas.


Os anarquistas são muitos e com várias vertentes. Os anarquistas  sobrevivem a toda miséria e sorte das nações e atravessam séculos resistindo. São os primeiros a serem perseguidos no eterno vai e vem da caça as bruxas.


O anarquismo é contra a concentração de poder e evidentemente contra o capitalismo, racismo, machismo, fascismo, homofobia, misogenia, xenofobia e toda desgraça construída pela sociedade de senhores. Por isso é odiado.

Anarquia é a incontrolável manifestação da liberdade: da mente, do corpo, da existência. É a insatisfação com toda desigualdade e constituição do estado opressor.

Ficar perto de anarquistas, ou escutar o que tem a dizer nos mobiliza a querer uma liberdade que talvez jamais seja alcançada.

E é também por isso que são perseguidos.


Essa matéria https://www.youtube.com/watch?v=r1ae7_Zw8U0 veiculada ontem pela Rede Globo sobre anarquismo é grave e requer o repúdio de todos que almejam e querem outra sociedade.

E pelo que notei foram pouquíssimos movimentos e partidos políticos mobilizados ou que prestaram solidariedade aos anarquistas.

Afinal quem se importa com anarquistas?

Ainda mais quando a matéria insinua que anarquia se trata de criminosos ou terroristas que querem desestabilizar as leis, a ordem e estado ao incendiar carros de polícia e sede de partidos políticos, igrejas e consulado na região sul do país.

Hoje o terrorismo está para os anarquistas. Amanhã, ou depois de amanhã após perder as eleições, estará para outros.

A disputa eleitoral começou desde o boicote (pela esquerda) na segunda greve geral em junho. Não tenho nenhum prazer em constatar isso, pelo contrário tenho muita tristeza e escárnio.

Os primeiros alvos desta disputa que será acirrada ano que vem são os anarquistas e os milhões de votos nulos das últimas eleições.

A quantidade de candidatos para as eleições e entre eles representantes da Rede Globo não disputam entre si, mas os milhares de “eleitores” que simplesmente estão boicotando as eleições.

Esse desajuste institucional ou liberdade excessiva tem que ser cerceada de alguma forma. Sobrou para quem? Para quem desobedece, para quem não aceita ser controlado, para quem enfrenta o estado.

Os anarquistas não são heróis, salvadores ou libertadores, eles são a liberdade em construção e em movimento o que incomoda a todos que querem controlar e ajustar mentes e corpos.

Tenho curiosidade, fascínio, encanto pelo e sobre o anarquismo, mas medo é algo que não tenho perdi há anos.

Invadir a sede de organização anarquista no sul com mandado de busca e apreensão para livros e induzir de que todos anarquistas são ou aderem táticas violentas é de um fascismo assustador.

Mais incômodo deve ser para os institucionalizados a junção de protestos da magnitude de 2013 e quantidade de votos nulos pela segunda eleição. Então parece que anarquia tem seu lugar, seja na periferia ou em classes médias.

A qualquer momento o espectro mais anarquista do que qualquer outra coisa pode explodir. E óbvio que para institucionalizados isso deve e precisa ser controlado.

A tática para desorganizar atos nas ruas ou simplesmente impedir manifestação nas redes sociais está cada vez mais moderno. 

O motivo para desmobilizar os atos todos sabem, servem para que não construam greves. Afinal ninguém vai ficar manifestando todos os dias pra sempre como bem disse o presidente interino. 

Greve derruba bolsas, valores e riquezas. Greve empodera trabalhadores explorados e oprimidos com aumento da exploração e condição social e econômica de vida. 

A manifestação com proposito definido e sucessivas tem valor. Para construir greves e mobilizar as pessoas para desejar uma vida melhor e mais humana apesar de todas opressões.


A desmobilização está também nos aumentos, nos preços e custo de vida isso serve para punir a população, inclusive a classe média que foi as ruas, reclamou de tudo sem objetivo e serviu de massa de manobra para partidos corruptos. 

Assim nenhum psicológico dará conta de ver nas redes sociais as articulações para desmobilizar manifestações no próximo ano com os absurdos que você não curtiu ou de conhecidos que não compactuam com o fascismo curtiram.

E visualizar que os comentários em vídeos e matérias meticulosamente absurdas (alimentação x ração) têm o triplo para comentários se comparado com as curtidas e aqueles que curtem e comentam não existe fora da rede.

Vamos ter o direito de nos relacionar com os inimigos, até aplicativo de relacionamento serve como meio para infiltrados se aproximarem de grupos especialmente mulheres anarquistas ou de esquerda. Willian Botelho é militar da área de inteligência e se apresentava no Tinder e no Facebook como Balta Nunes

O que demonstra o nível e escrúpulo do estado/de alguns para desmobilizar desfazer e desorganizar qualquer oposição, em especial dos anarquistas. Na ditadura tiveram êxito, será que ainda conseguem?



sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Ela partiu

Gabriela se apaixonou pela primeira vez aos 16 anos. Sentiu tudo aquilo de que falam os filmes românticos: pontada na barriga, mãos tremendo, suor, coração palpitando. Não demorou muito até que começaram a namorar e tiveram o primeiro filho. Foram morar juntos. Depois vieram o segundo filho e a primeira grande decepção na vida: o marido tinha uma amante. Sem aceitar desculpas ou explicações, Gabriela pegou os dois filhos, partiu e nunca mais voltou.

A pensão do pai não era o suficiente para atender todas as necessidades dos filhos pequenos, mas ela enfrentaria isso com toda a força que Deus dá. Difícil era aguentar as cobranças dos irmãos de congregação: “essas crianças precisam de um pai, Gabriela. Você precisa dar um jeito nisso”. Ela ouvia isso quase todos os dias.

Certo dia apareceu um homem novo na igreja, vindo do Rio de Janeiro. O carioca parecia ser homem bom, trabalhador e estava mesmo interessado em Gabriela. Ele dizia não se importar que ela já tivesse filhos; assim, logo casaram e tiveram mais dois filhos.
I am mine

A caçula estava com 5 anos, seria esse o sinal? Certo dia, Deus revelou durante o culto: “cuidado, há uma serpente debaixo da sua cama”. Ela já sentia, estava acontecendo. Não queria acreditar, Deus não podia estar deixando isso acontecer de novo, o que diriam as pessoas? No começo, ainda resistiu um pouco. Não tomaria nenhuma medida a menos que tivesse a prova do crime. “Me mostre, Deus. Me mostre a verdade”.

Deus a ouviu. Durante uma conversa com o irmão Jorge, soube que sua prima trabalhava no mesmo local que o marido. “Qual o nome dela?”, quis saber. “Roberta”, respondeu inocentemente o outro. Quando ouviu o nome da mulher, sentiu uma pontada instantânea na barriga. Era ela. Mas queria mais do que saber, queria ver com os próprios olhos. Aguardaria o momento certo.

Quando julgou ter chegado o dia, pediu para o irmão Jorge ligar para casa da prima para saber se ela estava em casa. Frente a resposta positiva, deixou as crianças com a vizinha e partiu em busca da verdade. Tocou a campainha. A mulher atendeu. Com a ira contida, Gabriela se apresentou como sendo esposa de Ricardo. Sem espaço para reação da outra, Gabriela a abraçou e lhe disse ao pé do ouvido: “Jesus te ama. Posso entrar e tomar uma água?”.

Tempestivamente, Gabriela adentrou na residência. O marido estava sentado no sofá. Gabriela o olhou com desprezo e sem lhe dirigir a palavra, lançou orações ao ar. Estava persuadida de que o mal estava presente naquele ambiente e precisava mostrar toda a força divina a que servia. Cansada, sentou-se, bebeu um copo de água e disse para o marido “vamos embora”.

A sós, ele tentou convencê-la de que seria bom pra todo mundo se as coisas ficassem iguais, ser divorciada de novo não seria bom pra Gabriela, o que os outros diriam, e ele não abriria mão da nova paixão, disse tudo isso sem ser interrompido. Gabriela o ouviu calmamente. Sem o olhar, disse que ele tinha um mês para sair de casa. “Acabou”, disse sem emoção. E quem vai contrariar uma mulher quando esta toma uma decisão?

Gabriela se viu sozinha com os quatro filhos. Os mais velhos estavam enlouquecendo-a. Não aguentava mais carregar tudo aquilo. Sabia que a decisão mais acertada seria mandá-los a responsabilidade dos pais. “Filhos são uma benção, você é a mãe”, os irmãos da igreja diziam; “e eles os pais”, Gabriela retrucava, “não estou jogando meus filhos na rua, eles estão indo morar com os pais”.

A vida continuou dura para Gabriela. Mas quando foi fácil? Agora era ela e a caçula apenas. O relacionamento com os filhos mais velhos melhorou muito desde que não moram mais juntos e assim, ela segue seu caminho, apesar de todos os dedos, apesar de...

domingo, 22 de outubro de 2017

Pílulas para esquecer

A viagem

Aquele momento único quando alguém resolve dizer "Foi bom enquanto durou. Agora é hora de voltarmos". Eis a melhor lembrança que tinha da praia.

A calma

Ele se enche de calma ao pensar que nada dura para sempre e que em uma duas gerações todos eles estarão mortos, sobretudo ele mesmo.

O esconderijo

Esconde-se tão bem de todos que acabou por se perder de si mesmo. Amanhã sem falta colará um cartaz de "procura-se" no poste. Só não decidiu ainda se lhe apetece encontrar-se vivo ou morto.

O automóvel

Dormiu no carro esperando a sorte voltar. Só acordou com o guarda de trânsito que o multava por parar em local proibido.

O método

Sempre prefere começar pelas coisas mais fáceis. Ainda não lhe ocorreu começar nada.

A morte

Era um suicida veterano. Tinha 85 anos e vinha se suicidando desde a infância. Agora costuma ser visto deitado, olhando as gotas de soro caindo e pensando em cada uma de suas lentas mortezinhas.

A dor

Só dói quando se lembra. Dói também quando se esquece, exceto quando não dói.








sábado, 21 de outubro de 2017

Uma singela homenagem aos blogueiros (e ex-blogueiros) dos 30 dias

Oi gente!

Tudo bem?

Antes de ouvir o programa mais abaixo, ouçam esse arquivo, por gentileza:



Pronto, agora podem ouvir!
Grande abraço à todos(as)!

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Nem toda nudez será castigada

Naquela grande cidade resolveram colocar um homem nu no museu. Não contentes ainda colocaram uma menina para tocá-lo. Era óbvio que não daria certo. Logo foi formada uma comissão para solucionar o impasse. Foram rápidos e objetivos. O primeiro passo foi esvaziar todo o espaço. Era necessário começar do zero.

La Bête”. La bêti? La béte? Precisa fazer biquinho para falar? Já começaram errado pelo nome. Não é de hoje que o francês é uma língua conhecida por ser meio fresca. A ideia não era ruim, só foi mal executada e a comissão para assuntos polêmicos contornou tudo rapidamente. Chamaram a Elisabeth. Pronto, a exibição estava rebatizada. “A Bete”.

A modelo chegou envolta em um roupão felpudo com um coelhinho bordado, do qual se livrou jogando os ombros para trás. Deitou, nua, no salão do museu e logo uma criança, um menininho de quatro anos, se aproximou engatinhando e tocou o corpo da mulher. Ao lado o pai abria um grande sorriso aprovando a atitude do filho. "É assim que se faz!". Tudo estava em seu lugar histórico. A nudez voltou a ser um produto a ser consumido e o silêncio voltou a reinar.

O sucesso da performance foi notado pela rápida repercussão. Em pouco tempo o museu registrava as maiores filas de sua história. Pais que nunca imaginaram entrar em um museu vinham de longe, trazendo os filhos. Logo visitas guiadas passaram a ser organizadas, com instrutores explicando tudo para os grupinhos de meninos atenciosos.

Estão vendo essa parte? É carne de primeira. O resto não importa tanto. Antigamente era coberta de pelos, agora não. Só se a mulher for relaxada. Conseguimos convencer que nelas o pelo é falta de higiene - em nós não.

Logo Bete dormiu. Não estava com sono, estava cansada. Um cansaço acumulado por séculos. Cansada das mãos que tocavam seu corpo a toda hora, em todos os lugares. Cansada dos beijinhos estalados e assovios. Cansada do gostosa, linda, tesão. Cansada das jorradas de porra no ônibus lotado. Cansada. E cansada, adormeceu.

Dormindo, Bete sequer viu o pré-candidato à presidência, que na tentativa de passar de segundo para primeiro nas intenções de voto, fez questão de marcar sua presença, com um sorrisão na cara e dizendo que isso é arte de verdade.

Bete gostaria de ver o prefeito da cidade, mas ele não foi. Postou um vídeo dizendo que respeitava, apoiava o sucesso, mas era um homem de pudor. Só iria se a modelo estivesse trabalhando. Tra-ba-lhan-do. Nada de passar o dia deitada.

A comissão responsável pela reformulação da performance pregava um Brasil livre e logo reivindicaram mais liberdade. MAM não era um bom nome para o museu. Decidiram mudar para MVA. “Museu Vanguarda do Atraso”.

Os membros da comissão ganharam notoriedade, popularidade, cargos, votos. O problema estava resolvido. Bastava manter a tradição. Como todo produto a ser consumido, a nudez também tinha modo de usar. O que seria daquela sociedade sem a regulação pelo consumo.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Paulo Freire: patrono, não patronal


“Quando a Educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”.

“Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitissem as classes dominadas perceberem as injustiças sociais de forma crítica”.

“Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”.

Aprenda, Brasil!   

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

O barco fantasma (pulem mulheres)


Quando era pequena li o livro ''O barco fantasma'', é uma história simples, uma lenda inglesa sobre um barco no século XVIII que foi encontrado navegando pelo mar sem seus tripulantes.
Até hoje o chamam de ''o barco fantasma'', porque estava vazio quando outro barco o viu, subiram uns marinheiros e se assustaram quando perceberam que na pequena cozinha do barco, na mesa, tinha uma xícara com café quente e um ovo morno, o que os levou a concluir que era um barco fantasma, já que não encontraram rastros de ninguém ali.

Naquela época os registros dos barcos e seus tripulantes não eram tão rígidos, era um barco pequeno, cabiam menos de dez pessoas ali, o que levou todos a pensar que alguma coisa aconteceu no meio do caminho e depois os fantasmas tomaram conta do lugar.

Fiquei fascina pela história, gostava do detalhe do café quente e o ovo morno, pensava sem parar porque fantasmas preparariam um café da manhã?

Meu pai sempre me dizia que esse livro era uma versão da mesma história, de barcos pequenos e grandes, que navegam sozinhos pela imensidão, guiados por fantasmas e acabam alimentando lendas.

Já meu avô me contava que não existe parte no mundo sem lendas do mar, dos rios e barcos fantasmas sempre aparecem.

Fiquei anos pensando sobre o café quente e o ovo morno, até que já adulta li um livro que ''desmontava'' algumas lendas do século XVIII, e estava essa história.

Alguém achou um registro de um casal, talvez os donos do barco, que com alguns tripulantes saíram da Inglaterra, no meio do caminho seu barco foi abordado por piratas, que os levaram como escravos, por isso não tinha rastros de lutas no barco, nem sangue, eles devem ter sido dominados rapidamente. E uma moça aparecia na história dizendo que era a dona do barco, que embarcou com seu marido e confirmou que o barco foi invadido, mas ela ao perceber se jogou na água e começou a nadar, se afastando, dias depois foi resgatada por outro barco.

Lembro que contei ao meu avô e meu tio essa nova versão, eles deram risada e disseram que ''mulher vadia e mau-caráter, abandonou o marido a própia sorte''. Meu pai também achou um absurdo a mulher pular do barco, na base de ''dane-se''.

A mensagem era clara, até porque eu já tinha escutado ela a vida inteira, nós, mulheres, não pulamos do barco.
Nós embarcamos em uma história de amor e ficamos ali, não nos jogamos na água nem quando os piratas invadem.

Em uma conversa recente minha mãe me disse:

-Parece que você não quer ver ninguém casando.

Na hora não soube me explicar, mas depois me veio a imagem do barco fantasma, sou a favor de embarcar e viver a experiência, mas se precisar pular fora, pule. Não sou contra o casamento, sou contra levar a experiência até o fim, se não deu certo.

E escrevendo aqui que simples parece! Ora, qual o problema, pule!

Mas é o contrário do que nos ensinam, se subir no barco, se mantenha firme, sem importar as tempestades, barcos passam por noites perigosas e dias sinistros, mas você, mulher, pode levar esse barco ao seu destino.

Quem pula fora do barco são as ordinárias, interesseiras, vadias, frias e inconstantes mulheres, muitas vezes promiscuas e loucas por novas aventuras, as mulheres decentes ficam no barco, nem que ele encalhe, vire ou pegue fogo.

E somos tão doutrinadas na ideia de não pular fora do barco que perdemos o momento, não temos margem de tempo para pular, é apenas um segundo, ali ou nada, e deixamos passar.

Uma amiga da minha mãe estava vivendo um inferno no casamento, naquela época minha mãe estava no México e vinha para o Brasil, sugeriu a amiga que largasse tudo e embarcassem juntas, depois pensariam o que fazer com esse marido violento.
Ela foi atrás de passaporte, fez tudo escondida, mas ele, era como uma fera, essa parte algumas mulheres desconhecem, mas homens ''sentem'' o cheiro dos nossos movimentos, ele se jogou ao chão e pediu perdão, ela sentou e escreveu uma longa carta a minha mãe, agradecendo o apoio, mas ele tinha entendido a situação e iria melhorar.

Ela não pulou do barco, se enrolou, ficou ali, teve filhos com ele e uma vida cheia de violência, recentemente começou a ter uns problemas sérios na cabeça, o diagnóstico foi ''constantes traumas na região'', resumindo ''apanhou pra caralho de um homem covarde''.

Já outra amiga da minha mãe fez o caminho contrário, conseguiu uma autorização para viajar com seu filho e se escondeu na nossa casa durante umas semanas, até que juntou o dinheiro e saiu correndo, também de um marido abusivo.

E não falo só dos homens que batem e são violentos verbalmente, falo daqueles que não cumprem seu papel na família e levam a mulher a um stress sem precedentes, sustentando a família, encarando a tripla jornada.

Falo de um medo muito comum nas mulheres ''o que meus filhos vão pensar de mim se abandono meu marido? Poxa, ele é ótimo pai''.

Pois é, o que as crianças vão pensar da mãe se a virem pulando do barco e abandonando o homem que juraram amar?

As mães esquecem que os filhos crescem e entendem a situação, eles percebem o massacre que a mãe sofre e se um dia tiverem a cara de pau de cobrar da mãe por ela ter pulado do barco, bom, a vida vai se encarregar de mostrar a esses mimados como as coisas funcionam.

E tenho tantas histórias sobre mulheres que não pularam do barco! Na minha família ninguém pulou, todas navegaram debaixo da tempestade e aguentaram firmes.

O problema é que navegar em águas turbulentas por um casamento ou um homem, não leva a lugar nenhum, não coloca coroa na cabeça de ninguém e nem tem o reconhecimento do Romeu, que acha a coisa mais normal do mundo uma mulher se arrebentar para manter o barco navegando por ele.

Tenho uma amiga que sofreu e sofre horrores no seu casamento, teve o azar de se casar com um ''doce de homem'', um poeta e ela trabalha em um banco, sustenta a casa, teve filhos e agora, apesar de cansada, não quer pedir o divórcio porque seria praticamente jogá-lo na rua, ele não tem família e minha amiga morre de medo dos filhos pensarem que ela é uma mulher fria, que jogou o pai deles no meio da rua, abandonando o rapaz na miséria.

Mas o lado dele ninguém vê nem julga, ele é meigo, eu entendo que seja pintor, poeta, o que for, mas tem filhos para sustentar e deveria se virar, se não faz isso não merece ter uma mulher que faça, mas quem fala alguma coisa, se ele é legal e jamais bateu na mulher ou filhos?

Qualquer movimento que ela fizer será considerado coisa de mulher calculista e vadia, que abandonou o homem que é ótimo pai e um marido fiel, mesmo que isso não coloque um centavo para o pão em cima da mesa.

O barco dela ficou preso, encalhou, qual a solução? O rapaz é uma boa pessoa, apenas não trabalha.

Falei que diante dessa situação existe uma possibilidade de milagre, que ele se encante com uma mulher mais nova, alguém que se deslumbre com suas poesias e vá embora com ela.

Ela teve chance de pular quando estava grávida, ele foi viajar para o Peru e se encantou com o lugar, ela não queria se mudar e resistiu, foi uma chance perfeita para pular, mas ele percebeu que não poderia viver no Peru sem o dinheiro dela e voltou ao Brasil.

E a história do barco fantasma me parece perfeita, se a moça não tivesse pulado, o que teria acontecido? Teria se tornado uma escrava dos piratas e com certeza teria sido estuprada por vários homens ou seja, não vale a pena ficar no barco, nadar sozinha é menos perigoso.

E ao pular escutamos os gritos de todos ''vadia, vagabunda, eu sabia que era piranha, quer dar para o vizinho, pedir uma pensão, ficar com apartamento, tem amante essa vaca, mulher que larga homem não presta!''.

Mas quem grita, quem ofende, não está no nosso barco, não sabe as ondas que enfrentamos e pior ainda, não a vale a pena o nosso esforço.

Queria tanto ter cinco anos de idade, com o conhecimento que tenho e me aproximar de cada uma das minhas tias e dizer ''tia, pula do barco, faça isso já''.

Todas minhas tias que não pularam do barco morreram na praia, abusadas por homens irresponsáveis, aqueles que as teriam condenado se elas tivessem pulado, as pessoas que as convenceram de ficar no barco, nunca ajudaram e já morreram, e algumas ainda enfrentam a recriminação dos filhos que dizem ''se meu pai era um merda, por que você ficou ali?''.

Barcos naufragam, apesar dos nosso empenho e não vale a pena se arrebentar navegando enquanto Romeu pega um sol.

É socialmente condenável uma mulher pular do barco, mas é aceitável o homem que acaba com a vida dela. Não adianta pensar que vamos mudar essa realidade discursando no barco, o jeito é pular.

Pular do barco nada mais é do que salvar a vida a tempo ou o que resta dela.

Iara De Dupont


segunda-feira, 9 de outubro de 2017

A farsa do escritor

O que acontece quando o escritor se convence de que suas escritas não interessam a mais ninguém?
E quando ele escreve para ninguém ler?
E que ego inflado é esse de quem acha dignas de serem lidas as palavras organiza em um texto?
A quem interessa o que o escritor escreve?
Esqueça, é tudo mentira!
Não se importe, é irrelevante!
Não perca seu tempo, é inútil!
Não procure sentido, é nada.
A vida em forma de letras, e nada mais que isso. 
Angústias frívolas.

Cada vez mais me convenço que a beleza não é do escritor, mas do leitor.
O escritor vem aqui e escreve qualquer coisa.
O leitor interpreta em beleza... a beleza do sofrimento, a beleza de encontrar algo significante em seu interior, mas que seria encontrada de qualquer forma. Foi através das palavras do escritor, mas poderia ter sido do balançar da cortina, ou dos cabelos grisalhos de um transeunte, ou de um sorriso de criança, ou de uma sombra que a árvore faz chão, ou mesmo de um simples ato de inspirar mais profundamente. O que existe, o que é belo e puro e doído, o que importa verdadeiramente está em quem lê (e em quem não lê).
O escritor é uma farsa.

domingo, 8 de outubro de 2017

Falar do que já foi falado (e refalado).

De uns anos pra cá todo mundo ficou entendido de política.
Direta versus Esquerda, virou fla flu. (E ai de quem for vasco.)
e entre tanta coisa errada, ficou muito mais divertido e perverso aos "quaisquer um" focar num só, ansiar justiça pelo passado, e não gastar nem uma gotinha de energia no próximos escolhidos.

Mês passado todo mundo virou crítico de arte, novo fla-flu.
Energia desacerbada gasta novamente em discussão que deveria ser morna.
Todos gritam a plenos pulmões seus discursos, tapando os próprios ouvidos, alguns concordam e aplaudem, não porque gostaram do que você disse, mas por que você disse exatamente o que eu penso. se mudar uma virgula não serve.

Todos se sentem importantes, formadores de opinião, escritores de matérias, colunas, cartas abertas na volúvel internet.

Crianças sem doces esperneiam, exageram.

Eu fiz faculdade de arte, foram alguns anos gastos, e não me foram suficientes, ainda não sei definir arte, e nem quero, é a graça, ela é assim, tema aberto, abertíssimo, não é ciência exata.
Sabe-se que pode ser bela ou horrorosa, complexa ou simples, profunda ou banal.

Mas esse mundo anda me dando uma gastura...
Euclides, avisa que nem especialista consegue ditar regra, que então o qualquer um pare de cagá-las.
Que aquele ditado de duas orelhas e uma boca pra ouvir mais e falar menos, ainda faz sentido.

Que leio tanta asneira, que estou começando a ficar com vergonha de escrever, porque me sinto cada vez mais distante de Drummond e mais perto do zé mané do face.

Avisa lá, que essas retrucadas decoradas, tipo "você levaria seu filho para ver a exposição?" são tão furadas, primeiro que se falar que não, dirão então! e se acharam certos, se disser sim, dirão que é mentira ou sou péssima mãe. é cilada Bino.
A discussão não seria então, que talvez a exposição devesse avisar o conteúdo e colocar classificação ou sugestão etária? 

A discussão não seria a indicação e não o que é ou não é arte?

A criança viada por exemplo, tem sim, tem muita, e eu só vi dois tipos: o que fica meio de escanteio escondido, desviando do holofote, porque senão apanha ou sofre.
E o valentão, que tem que se impor, e forçar a barra, acaba judiando, por que senão é judiado. só.
A terceira opção, a criança saudável gay, nunca vi. Por que a menina cor de rosa, delicada, meiga, bailarina é incentivada, o menino machãozinho, lutador, rustico é incentivado, o resto a gente esconde.

Ninguém aprende a ser pai de gay antes de ser, o que ninguém te conta é que na maior parte do tempo isso não deveria ser importante. Por que a sexualidade da criança não é o foco 100% do tempo, não é só isso que define aquela criança, é tão gay, quanto é baixinho, magrelo, comilão, ágil, chorão, míope, é só mais uma característica entre suas outras mil. Pra que esse foco todo?

Você vai alimentá-lo levá-lo pra escola, ensinar, rir, dar banho, ver TV, levar pro cinema, por pra dormir, levar pra comer um doce, tudo igual. Muda só a cor da bexiga da festa, o personagem que vai ter estampado na mochila. Que diferença, o amor platônico do colégio ser ele ou ela. Que diferença te faz?

*Vale avisar que escrevi esse texto entre o caso do Santander e do MAM, por isso está um pouco "desatualizado".



"não é arte, é canibalismo!"
"não é arte, é um prédio torto!"
"não é arte, é um retrato!"
"não é arte, é um mictório!"
"não é arte, é uma foto!"
"não é arte, é nojento!"

"não é arte, é crime!"


"não é arte, é um cemitério!"
"não é arte, é um quadriculado!"
"não é arte, é uma estátua!"







quinta-feira, 5 de outubro de 2017

INTOLERÂNCIA


Sou religioso
Sou teimoso
Sou rigoroso
Sou imbecil

Não te aceito
Seu conceito
Seu desfeito
Sou infantil

Sua diferença
Não me compensa
Sua desavença
Sou senil

Sua felicidade
Sua proximidade
Sua solidariedade
Eu sou viril

Tenho que me provar
Tenho que te odiar
Não sei o que pensar
Sou imbecil

Suas Cores
Seus amores
Seus temores
Seu feitio

Sua diversidade
Sua felicidade
Felicidade
Imbecil

Sou mesmo imbecil...

Fábio Fonseca