quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Como aumentar suas estrelas no Uber (5 dicas infalíveis ao passageiro)

Passei muito tempo de minha vida ubérica vivendo a confortável ilusão de que era apenas eu quem tinha o poder de avaliar o motorista. Até que descobri, fuçando despreocupadamente no aplicativo, que eu também, na função de passageiro, era avaliado com estrelinhas. E, para minha grande estupefação, sujeito cordato que sempre pensei que fosse, reparei que minha média estrelar não era a máxima possível, a constelação de 5 estrelas não estava completa, não superando a marca vexatória de 4.7. Fiquei por muito tempo cabisbaixo, preocupado pensando no que cargas d'água eu tinha feito para algum (algusn?!) uberistas não terem me dado a nota máxima. Numa tentativa de auto-engano, prática não qual tenho Phd, julguei que minha baixa popularidade com alguns motoristas (com os piores, é claro) está no fato de eu viajar muitas vezes acompanhado de uma menina de 5 anos, minha filha, pequena pessoa que tem o polêmico costume de massagear as costas dos motoristas com os pés, prática esta jamais solicitada pelo suposto beneficiário (e nem sempre contida com o rigor necessário pelo seu nem sempre atento pai). Assim, passei a formular algumas práticas simples, que com o tempo revelaram-se decisivas para o aumento de minha avaliação junto aos cada vez mais exigentes motoristas.

1. Previna-se

Ao andar com uma criança com incontinência nos pés, prefira calçá-la com sapatos mais confortáveis (confortáveis às costas, no caso) como sapatilhas de algodão ou pantufas. Jamais galochas. Se preciso for, deixe-a apenas com meias ou mesmo descalça durante a viagem. Considere ainda pedir o uber na conta de outra pessoa nestes casos, de preferência na de alguma que não dê a mesma importância que você para avaliações (não se esqueça de pagar a pessoa em momento oportuno).

2. Use a tática do adversário

Tenha sempre um saco de balas em mãos e ofereça ao motorista logo após entrar no veículo. Em caso de recusa, deixe algumas estocadas no compartimento ao lado do câmbio, para o caso dele querer mais tarde. Copos de água mineral, preferencialmente gelada, costumam agradar também.

3. O protagonismo não é seu: deixe o motorista brilhar!

Antes do motorista iniciar a corrida, pergunte se ele possui algum caminho de preferência (lembre-se sempre, o motorista sempre tem razão. É ele quem vai dar ou não suas tão sonhadas 5 estrelas. Jamais questione a opção escolhida por seu motorista). Caso não tenha, sugira que utilize algum aplicativo de navegação no trânsito (o Waze, por exemplo). Ofereça o seu, como garantia. 

4. Tome a iniciativa

A busca por uma nota maior também pode servir para atender a outras demandas suas, como a de conter a inevitável indiscrição dos motoristas. Como estratégia para os uberistas não perguntarem nada sobre minha vida pessoal (coisa que verdadeiramente detesto e faz com que eu me torne bastante antipático), eu tomo a iniciativa e pergunto eu sobre a deles. E o faço de forma frenética, contundente. É quase uma entrevista do William Bonner com o Fernando Haddad, simplesmente não deixo espaço pra eles falarem de outra coisa. E isso faz com que a gente ganhe intimidade (alguns se emocionam quando falam de si) e eu inevitavelmente termino com um abraço desejando boa sorte naquilo que eles estavam me contando (uma viagem, um novo emprego, uma reconciliação com o filho gay, essas coisas). São cinco estrelas garantidas.

5. Dê o exemplo

Termine a corrida sempre com a frase mágica antes de sair do carro: "Tenha um dia dia (tarde ou noite), Fulano. Estou dando 5 estrelinhas aqui pra você"). Daí não tem erro. É sucesso na certa!




terça-feira, 20 de novembro de 2018

Nós temos que mudar isso daí

Ao chegar na reunião de condomínio eu me sentia como o seu Madruga entrando na casa da dona Florinda. Apesar de morar no mesmo local, sofria preconceito de classe. Vai entender!

Eu só precisava de autorização para uma pequena reforma, por isso não poderia evitar a reunião. Havia também o problema dos ratos no subsolo. Começou com um pequeno camundongo aqui, outro ali, e agora já tinha morador deixando o carro na rua para não ter que enfrentar os ratos do estacionamento subsolo.

Fui recepcionado por uma discussão acalorada. Discussão é modo de dizer, na verdade as acusações eram feitas à esmo, sem nenhuma coerência. “A culpa é do 502, que deixa lixo espalhado!”, “Esses bichos só podem ter vindo do 308, aqueles imundos!”, “Antigamente é que era bom, não tinha esse tipo de coisa!”, “Rato bom é rato morto”.

“Gente”, tentei intervir, “eu preciso fazer uma reforminha no banheiro, coisa rápida, o pedreiro falou que em dois dias…” 

“Então ele é o responsável pelos ratos!”, alguém gritou no fundo da sala. “Certeza que estão vindo do esgoto dele!”, e eu nem tive tempo de argumentar o óbvio, o esgoto do meu apartamento era parte do total do prédio. O que será que aquele pessoal tinha bebido, minha nossa?

Pensei que gostaria de ser um pequeno camundongo, para fugir depressa daquela insanidade, ziguezagueando pelos condôminos raivosos. Quando achei que as acusações de ser o responsável pelos ratos eram o fundo do poço, alguém sugeriu que demolissem meu banheiro.

Como assim? Eu só queria uma pequena reforma e algum lunático vem falar em demolir o banheiro? Só podia ser piada. Segurei o riso para explicar que meu apartamento ficava bem no meio do prédio, aquela ideia insana era simplesmente impossível.

Finalmente o síndico colocou ordem na reunião. Aquele senhor que exercia a função de síndico há quase trinta anos e não tinha no currículo mais do que redigir atas das reuniões impôs silêncio e quando todos estavam atentos, extravasou sua raiva em um grito: “VAMOS DERRUBAR O PRÉDIO!”

Meu horror não teve tempo de se expressar, a massa de condôminos explodiu em gritos de apoio, com todos concordando que a medida amarga era necessária para acabar definitivamente com os ratos.

Juro que tentei intervir. Propus uma dezena de formas mais inteligentes de eliminar os roedores. Fui taxado de ditador por contrariar a vontade da maioria e de corrupto por supostamente ser o responsável pelos ratos. Neste ponto o que menos me interessava era a curiosa relação da falsa responsabilidade com a corrupção.

É isso. Minha história termina aqui. O que se seguiu a tudo isso já não pertence a mim. Ainda lembro de observar a implosão bem de perto. Eu havia buscado refúgio no apartamento de um amigo, no prédio ao lado. Da janela vi o enorme prédio ruindo em segundos, sob aplausos dos moradores, que vibravam orgulhosos da escolha que fizeram.

Mal a poeira baixou e pude ver uma horda de camundongos emergindo dos escombros e se espalhando pelo quarteirão.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O tempo

O tempo é a coisa mais estranha. Parece lento quando somos pequenos, sufoca quando somos adultos. Se desenha de maneira independente, e começa a dar impressão de que manda em nossa vida, decide nossos caminhos.

Fazemos as coisas por que é o momento certo ou por que o tempo vem para cima? Nos casamos porque estamos apaixonados ou é o tempo que aperta a nossa mão?

Somos guiados pelo tempo, ou pela falsa sensação que noz traz, controlando nosso calendário, medindo nossos anos.

E o tempo só passa e demoramos para perceber que nossas decisões, parte delas, não foi sincera, foi o medo do tempo que nos levou a fazer algumas coisas.

E se tivéssemos todo o tempo do mundo? Pensaríamos com mais calma? Poderíamos aprender a viver de outra maneira?

Não sei. Agora somos escravos de um relógio, que corre sem nos dizer para onde vai. E vamos atrás, sem saber para onde vamos.


Iara De Dupont