terça-feira, 30 de abril de 2019

a velha está a todo vapor

Alguém fez um comentário um tempo atrás sobre o governo miliciano e sobre a forma política como o presidente e os filhos milicianos conduzem a g-jestão governamental. Segundo o comentário do político com muita experiência em São Paulo e candidato à presidência algumas vezes, a política (das milícias) do atual governo não tinha nada de parecido com  a “ velha política “.

A justificativa dada foi de que não se tratava de  "velha política" porque simplesmente não havia troca e, portanto, não tinha característica de "velha política".

A partir deste comentário foi possível deduzir o quanto os políticos carreiristas mantem o hábito de subestimar a análise e/ou leitura popular da realidade na qual estão inseridos.

A velha política e/ou balcão de negócios destina-se a negociar as emendas, orçamento público, estatais e recursos naturais em troca de financiamento de seus partidos políticos e aliados, empresas privadas normalmente familiares e apoio para aprovar projetos de leis dos quais o mantenham no poder.

A leitura de todos os projetos de lei e ações do governo miliciano nestes quatro meses que se passaram foram basicamente ações de cunho alicerçados na velha política.

A ida do presidente aos states demonstra perfeitamente a forma miliciana com viés ultraconservador, militar e de velha política baseada no balcão de negócios em nível internacional.

A intenção de privatizar a principal empresa estatal e referência mundial de extração de petróleo com anúncios constantes de que o país está aberto ao capital de investidores estrangeiros demonstra não só a velha política, mas uma disposição enorme de manutenção de velhos acordos.   

A privatização de aeroportos e pouco que resta de empresas estatais e recursos naturais demonstram a indisposição para não citar a incapacidade de gerir algo que não se pode controlar ao assumir cargos políticos seja como presidente, governador e/ou prefeito.

A proposta de reforma trabalhista já aprovada e das quais já sentimos os efeitos e  atual reforma da previdenciária com mais de 100 milhões de pessoas inseridas sendo contribuintes e/ou beneficiárias demonstram a vazão de velhos conceitos políticos e ações baseadas em trocas. Daí cabe aos experientes no exercício do ato explicar a população o que é de fato a política  e de como ela serve mais aos ricos do que aos pobres (aqui nos pobres está inserida a classe média em todos os níveis).

A menor manifestação e reivindicação de direitos é justificada por todos os níveis da esfera governamental naquela frase – depende do orçamento/da verba pública – o que talvez seja a premissa mais do que constatada de que quem controla o estado e as decisões econômicas são de fato aqueles poucos que detém o dinheiro.

Assim, então para que serve-nos o estado? Não é através do estado que as relações de poder e relações econômicas são mediadas?

A quem diga com registro de historiadores, filósofos, sociólogos de que se não fossem as parcas mediações com advento democrático através de políticas sociais e públicas que caem em gotas para a redução das desigualdades de que os pobres travariam constantes guerras civis em praça pública a ponto de aniquilar governadores e quaisquer “ senhores” com poder e dinheiro.  A guerra nos serve? Não, mas se o povo for duramente açoitado com a pobreza se está suscetível ao enfrentamento.

A perguntar que não cala é o que impede nós os pobres de rebelar-se contra decisões arbitrarias, injustas, desiguais e impopulares?

A formação do estado moderno e/ou democrático está estritamente alinhado a mediação das políticas econômicas e segurança pública em caso de falha está o exército para manutenção da ordem ainda que provenha a época colonial. Tanto na segurança e exército diga-se é de conhecimento desde a função, articulação e tramitação em muitas esferas do atual presidente.

A educação militar nas instituições e quarteis quiçá fora dela serve de manutenção da ordem inclusive em locais dos quais a violência ocorre por variações complexas, motivações econômicas e fatores sociais, sendo uma justificativa maior a presença militar em escolas, universidades e instituições de serviços básicos para disciplina de questionamentos e mobilizações. Militarizar a vida não é uma reivindicação recente, mas usual da velha política.

As políticas sociais e públicas baseadas no conta gotas, que funciona perfeitamente no balcão de negócios até os dias atuais e neste governo está na formula de retirar o que tínhamos para indicar como éramos felizes e não sabíamos ao retirar direitos básicos e participação social são ações genuinamente da velha política.

A outra forma da velha política em nível internacional é fazer declarações ofensivas de cunho moral, religioso, preconceituoso e escandaloso ao mesmo instante em que promove o erámos felizes e não sabíamos com redução gradativa de direitos enquanto negocia emendas, estatais e recursos naturais com promessa de países desenvolvidos acima de todos, afinal quem é muito rico precisa sobreviver as consequências de reestruturação do capital e mudanças climáticas em níveis estratosféricos dos quais estamos à mercê. 

segunda-feira, 22 de abril de 2019

41. Quais são os seus hobbies? (*)

Cronometrar o tempo que gasto pra completar as palavras cruzadas e decorar as capitais dos países da América Central não são nem a ponta do iceberg das coisas que me dão prazer nesta vida. Até agora eu só te disse os meus passatempos mais inocentes, os que a gente pode contar pra qualquer um, mas acho que agora, na altura da conversa em que estamos, já é hora de te contar sobre aquilo que me dá prazer de verdade, um prazer físico, sobre aquilo que me faz esticar o corpo todo de tanto deleite, que me faz querer parar o tempo naquele momento único, que faz meu coração querer bater fora do corpo… Sim, sim, senhora… não existe nada mais prazeroso nesta vida do que enfiar um cotonete fresquinho, recém-tirado da embalagem, bem lá no fundo do buraquinho do ouvido! Ah, que delicia… quando aquela pontinha branca entra bem devagarinho e a gente vai fazendo umas voltinhas com ela bem devagar e vai enfiando cada vez mais, sempre aos pouquinhos, até ficar bem lá no fundo e a gente sentir uma coceirinha gostosa lá dentro, que às vezes até dói um pouco, é verdade, mas é uma dorzinha gostosa, uma dorzinha na medida certa, que a gente reluta até o final pra parar de ter. Isso é realmente muito bom, bastante deleitoso, e dá vontade de fazer todo dia, toda hora… O melhor é com cotonete mesmo, que tem aquela rigidez natural na haste, sabe, e também aquela maciez que afaga na ponta. Mas na hora do desespero, quando o cotonete acaba e a gente não tem outra coisa, ou quando a gente está num lugar como esse daqui, longe de um cotonete, daí pode ser qualquer coisa pontiaguda mesmo, de preferência uma boa tampa de Bic como aquela. As de Bic são as melhores porque têm esse formatinho arredondado na ponta, perfeitamente anatômico, parece que fizeram pensando nisso, pensando na coceirinha gostosa que isso é capaz de fazer no ouvido de alguém. Não faz a massagenzinha que os cotonetes são capazes de fazer, ah, isso nada consegue igualar, mas cumprem bem o seu papel e não machucam tanto quanto as pontas de lápis, os grampos de cabelo ou os clipes desmontados… que cara é essa, senhora?

(…)

E tem hora, minha amiga, que pra coisa ficar ainda mais gostosa, eu fico alguns dias sem cutucar. Sim, uns quatro ou cinco já está ótimo, pra coceirinha ir só aumentando e a cera ir acumulando. Daí quando enfim a gente enfia o cotonete de novo lá dentro, a pontinha entra deslizando porque está tudo mais lubrificado pelo tempo sem mexer. Isso é prazer que não tem igual, é mais prazer do que prometem os anúncios de acompanhantes no jornal, tenho certeza disso. O problema é quando dá errado ou quando a gente exagera um pouco, sabe… porque daí é sofrido.

(…)

Sim, eu já sofri um bocado com esse meu hobby e posso te contar em detalhes…


(…)

Como não precisa de detalhes? Isso aqui é uma entrevista de emprego ou o quê?! Sim, tive muitos sofrimentos com esses azuizinhos e o mais leve deles aconteceu logo que descobri esse prazer maravilhoso no banheiro da farmácia. Isso mesmo, naquela época, eu ia escondido no banheiro muitas, muitas vezes por dia mesmo – tudo por causa dessa brincadeirinha gostosa – e minha chefe devia achar que eu sofria de uma disenteria violenta, mas o caso é que eu ainda era bastante inexperiente nisso e girei tantas vezes e com tanta vontade o cotonete dentro lá do canalzinho, que quando fui tirar, só veio o palito. Sim, eu estava lá escondido no banheiro, completamente surdo de um ouvido e com um algodão xuxado lá dentro. E nada que eu fizesse conseguia tirar aquele algodão dali. Eu tive que passar o dia todo sem entender o que os clientes falavam, pedindo pra que repetissem tudo e, claro, andando meio de lado pra ninguém reparar que eu tinha um algodão no ouvido e que devia parecer muito com um cadáver recém-promovido ao mundo dos mortos.

(…)

Ai, ai, senhora… aquilo só foi sair em minha casa, mas pra isso tive que contar pra minha avó, que já estava achando muito estranho eu estar mais surdo do que ela. Daí ela me ajudou com uma pinça e me fez prometer que nunca mais eu ia usar cotonetes e que ia limpar os ouvidos apenas com a ponta úmida das toalhas, que estava mais do que suficiente e blá, blá, blá, que um dia eu ainda ia furar o tímpano e pegar uma infecção lascada e be be bé e essas coisas todas que falam todas as avós que querem nos privar dos verdadeiros prazeres da vida. Mas o pior é que a velhinha estava certa, desgraçadamente certa. É incrível isso, mas tudo o que eu gosto nesta vida é ilegal, é imoral ou me dá infecção no ouvido.

(…)

Daí que ter infecção no ouvido virou uma rotina em minha vida, já foram três nos últimos cinco, seis anos. E não queira a senhora ter uma infecção de ouvido, ainda mais depois de perder a linha e machucar tanto o buraquinho com as coisas pontudas e não necessariamente limpas que há nesta vida. É uma dor de outro mundo, uma dor que faz a gente repensar se tanto prazer vale a pena. É uma dor que faz a gente prometer sempre que nunca mais vai usar cotonete e que vai seguir todas as recomendações higiênicas que sua prudente avó já lhe ensinou. Até que um dia a dor passa, até que um dia depois de tomar uma cartela inteira de antibióticos e todos os analgésicos diferentes que encontra pela frente, a dor passa. Sim, e também você para de vazar pelo ouvido e de sujar todas as fronhas da casa com aquele líquido amarelo avermelhado que nunca imaginou que seu corpo produzia. E quando até mesmo essa sensação de mijar pelo ouvido passa, quando tudo volta ao normal, a gente imediatamente esquece tudo e começa a desejar por aquelas hastezinhas novamente. E mesmo que você resolva se boicotar e não comprar mais cotonetes, pra não ter que ter isso tão à disposição, seus olhos te traem e começam a detectar todos os objetos minimante pontiagudos e finos o suficiente pra que caibam em seu ouvido. Sim, todo objeto pontiagudo começa a ficar bem interessante e daí começa tudo de novo, até a próxima infecção dos infernos. Porque sim, senhora, ela certamente virá…

*Trecho de "Curriculum Vitae", meu próximo livro, a ser lançado em breve pela Editora Patuá.

sábado, 20 de abril de 2019

Deformas

Precisava tirar a Dilma. Só assim o país cresceria, voltaríamos a ter emprego e a economia iria deslanchar. Não importava que não houvesse um motivo juridicamente viável. Era necessário pelo bem do país e isso bastava.

Mas daí também precisava da reforma trabalhista. É que o empregado tinha muita mordomia, muito benefício, vivia na vida mansa, ganhando muito sem trabalhar. O jeito era uma reforma trabalhista que seria boa para todo mundo. Empregadores e empregados seriam praticamente da família, podendo negociar diretamente entre si, sem essas frescuras de leis atrapalhando tudo.

Nada disso deu resultado, mas é porque precisava congelar os gastos públicos pelos próximos 20 anos. Sem isso não tinha como a economia crescer. Se o Estado gasta dinheiro com coisas inúteis como saúde, educação e segurança, não sobra nada para investir no que realmente importa.

Também não funcionou, mas era por causa do medo da volta do petê. Nada desse esforço daria resultado com a volta do petê, portanto o que importava mesmo era garantir outro presidente. Qualquer um. Poderia por um boneco de massa de modelar, desde que não fosse do petê.

Agora chegamos ao ponto chave. A reforma da previdência! Todo o resto não importava. É a reforma da previdência a única saída para a economia voltar a crescer e o desemprego diminuir. As empresas se esforçam, muitas recolhem a contribuição do trabalhador e não depositam, mas ainda assim não dá para a economia crescer com aposentados ganhando um salário mínimo. O esforço é contínuo, já suspenderam o aumento real do salário mínimo, mas sem a reforma a coisa não anda.

Bem provável que depois da tal reforma da previdência, seja a hora da reforma tributária. Quem nunca ouviu que é difícil ser empregador no Brasil, que empresário paga muito imposto, que a carga tributária das empresas é muito alta? Não demora para algum gênio chegar à conclusão de que é necessário jogar a carga tributária um pouco mais para o lado do trabalhador. Quem já ganha um salário mínimo tem todas as condições de pagar mais impostos. Daí sim! Cresceremos! O emprego vai aumentar!

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Não vai virar

Alguém me disse ''É o caos''.

Me pergunto o que seria o caos. Desde que nasci o Brasil tem esse movimento interno, é como um Titanic, sempre a um passo de afundar. Parece que o barco vai virar, mas não vira, apenas as cordas apertam.

Vivi tantas vezes essa situação de gritos e desesperos, de videntes garantindo, sim, agora afunda, que me cansei. Me cansei. Estou exausta. Tudo isso que vejo, a falta de empatia, a indiferença, a loucura, já vi antes, e não apenas em filmes, mas em novelas e séries.

A vitória do brasileiro é essa, aguentar viver debaixo dos berros e avisos de perigo. Estamos acostumados. Ou talvez não, talvez seja a primeira vez na história em que estamos vendo de perto a loucura coletiva, uma maioria que perdeu a noção da realidade, talvez sejamos no momento o país com o maior número de doentes mentais. Mas tudo isso cansa demais, ou talvez sou eu que não aguento tanto barulho. Preciso desligar a televisão e me afastar de conversas diária. Você viu tal coisa? Não, não vi.
A pessoa me conta. Outro vício do brasileiro, espalhar as notícias ruins com uma fome desesperada.

Cansei de tanto barulho e já sei por experiência que este barco não vira. Mesmo que a batida com o iceberg seja forte, não vira. Não precisamos nos preocupar, os músicos vão seguir tocando os violinos, mesmo que esse som nunca chegue a nós, abafado pelos gritos. 

Não vamos afundar.

Iara De Dupont

quinta-feira, 4 de abril de 2019

Infravermelho

Agora, só. Encaro a luz vermelha do mouse.
Ela reflete na parede do meu quarto. 

Lembro vinho do mais simples
Com ideia abstrata.
Boca cheia de intenções 
Mulher de ouro, eu prata.

O meu suave com gelo
Exala o cheiro da uva.
Me acompanha no pelo
Esquece o medo da chuva.

Largo essa taça no chão 
Enquanto escuto partindo.
Vejo o perigo nos cacos
Sinto meu sangue fluindo.

Fumaca nos denuncia 
Corpos se pegam no fogo.
Ebulição de prazeres 
Térmica, mente o dobro.

Magicamente me cura
Enquanto leva minha dor.
Tinta que vai embora
Quadro perdendo cor. 

Um cumprimento de onda
Muda meu curso, o plano. 
Passagem das estações
Destino, deus, desengano.

Agora só encaro a luz vermelha do mouse.
Ela reflete na parede do meu quarto.