sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Talebozo



Depois de algumas décadas o mesmo grupo volta ao poder, seguindo o mesmo terror do passado. Com uma interpretação radical e insana da religião como justificativa, ameaçam opositores de morte, desprezam a ciência, sufocam a cultura e menosprezam as mulheres, com o líder se referindo à própria filha como resultado de ‘uma fraquejada’.

Agora o Afeganistão segue o mesmo roteiro, com instituições ainda mais frágeis e ações mais radicais do grupo paramilitar que ocupou o poder, o que leva a população ao pânico, exceto aqueles que concordam com a interpretação fundamentalista do islamismo e ainda acreditam que levam alguma vantagem com o governo Taleban.

Lá e cá um governo de lunáticos, ainda que armados, não se sustentaria sem o apoio de parte da população, para a qual não importa o caos em que o país agonize, desde que sejam mantidos privilégios, que vão desde a isenção de impostos milionários e o tráfico internacional de ópio, até ações mesquinhas, como não dividir o aeroporto com os pobres e obrigar as mulheres a usarem burca.

Além da ausência de um poder moderador, que lance ao menos uma nota de repúdio às arbitrariedades do governo, os afegãos têm uma diferença marcante. Querem, ao menos no discurso, romper definitivamente com qualquer vestígio do ocidente. Ainda que líderes do Taleban tenham acesso ao luxo que vetam à população, a ideia é manter o país sob o rigor da sharia, a lei islâmica. Aqui os patriotas batem continência para a bandeira norte-americana e vendem o patrimônio nacional a preço de banana.

Desde o fim teórico da escravidão a elite brasileira tem uma obsessão: transformar o país em um território europeu ou norte-americano. Voltam de viagens ao exterior maravilhados com a organização, segurança, limpeza e como a sociedade funciona de forma harmônica.

Apesar da estupefação, qualquer tentativa de reformas sociais que sigam o padrão europeu coloca a mesma elite em pânico. Taxar grandes fortunas, regulamentar a mídia, prestar assistência aos necessitados, fazer reforma agrária ou manter empresas estratégicas sob a tutela do Estado são medidas apocalípticas para a classe média verde e amarela.

Diante da mera sugestão de um país um pouco menos desigual, a elite brasileira não hesitará em derrubar um governo e apoiar um genocida. Para isso tem apoio da classe média, que prefere achar que é rica do que se assumir muito mais próxima dos pobres.

Assim imitamos o Afeganistão e esperamos que com isso tenhamos um resultado europeu. Naturalizamos as armas, as ameaças, a tortura – que após a ditadura militar segue praticada na periferia –, com milicianos aliados a líderes religiosos. Diante dos olhares incrédulos do mundo com a política medieval, bolsonaristas, ao melhor estilo Taleban, afirmam libertar o país.

Temos uma pequena vantagem. Ao menos em teoria as eleições ocorrerão no ano que vem. Uma derrota maciça dificultará os delírios golpistas do atual governo. Resta saber até que ponto os brasileiros estarão dispostos a imitar o Afeganistão visando a Europa.

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

hortelã extra forte

São Paulo, quarta-feira, 18 de agosto de 2021.

- hortelã extra forte - Cristina Santos - post 16 - Blog das 30 pessoas - 

título: hortelã extra forte

   Ele estava pronto para pular quando desconfiou que o videogame já não era mais importante; quando percebeu que não dava mais para prestar atenção nas aulas; e quando confirmou que não poderia mais guardar o que sentia por ela, ele estava pronto para pular.
   E foi assim, decidido, que colocou a mochila nas costas, pegou no bolso da calça a bala hortelã extra forte e caminhou em sua direção.
   Ela, ela já tinha pulado. E ao notar o olhar dele, Ela, ela sabia que Ele, ele estava pronto para pular.
   Pularam romanticamente em câmera lenta, como naqueles filmes dos anos oitenta que não fazem mais. E quando pararam de pular, sorriram ... ao notar que ele/ela seria a pessoa com quem pulariam para sempre, experimentando todos os gostos do universo.


Oiê! Espero que dentro do possível, vocês estejam bem. 💜
Até o próximo post.
Beijos,
Cristina Santos 

P.S.: escrevi esse conto em julho de 2015. 


   

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

O Caso do Circo





Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?

Minhas filhas, é o vestido
de uma época que passou.

Passou quando, nossa mãe?
Éramos não-nascidas?

Minhas filhas, boca presa,
que memória  é chicote:

se recua, toma força,
se retorna, bate forte.

Nossa mãe, dizei depressa,
que história é este vestido?

Minhas filhas, já me esqueço,
esqueçam disso também.

O vestido, nesse prego,
é fogo morto, passado.

Nossa mãe, esse vestido,
tanta renda esse segredo!

Minhas filhas, escutai
palavras de minha boca.

O circo vinha de longe,
andante de déu-em-déu,

trazia no ventre de lona
artistas de línguas outras.

Do meu ventre, já paridas,
as filhas que Deus me deu

sem saber se eu queria
ser esposa, mãe ou o quê.

Fui vivendo sem vontade
de me haver nessa viagem,

existindo assim, sem brilho,
sem viço, sem assombro.

Quando o circo cá esteve
com todo seu explendor,

me atravessou por dentro
um medo de permanência

e o ardor de uma paixão
de pele se iluminar.

Quis não ser espectadora,
quis a lona por meu lar.

Deixei vocês com a avó
e com o circo me casei.

Nossa mãe, porque nos faz
confissão de abandono?

Minhas filhas, escutai
o que conto e não escondo,

insistiram que eu lembrasse,
pois partilho tudo, agora.

Secai vossas lágrimas,
já que aqui estou de volta.

Mil cidades adicionei,
fiz cartaz, bilheteria…

mas foi como equilibrista,
sapatilha de cetim,

que meu brilho se fez sol
e existir ganhou sentido.

O vestido era a glória
dos meus dias bailarinos;

meu funâmbulo viver
foi feito de fantasia;

tive amores de plateia,
semeei risos suspensos;

me atirei em rede baixa,
fiz da queda meu descanço;

plantei vogal de surpresa,
tantos aplausos eu colhi.

 Passei terras, passei pastos,
passei ponte, passei rio,

conheci diverso povo,
mandei cartas e retratos

perguntando à vossa avó
como estavam minhas filhas.

Poucas palavras voltavam,
pontuando os meus dias,

os meus dias que voavam
nas alturas do equilíbrio.

Por um fio ia a vida
variando experiências,

mais enchendo de vontades,
vontades que, enfim, eu tinha.

Sonhei em sumir no mundo.
O mundo é grande e pequeno.

Um dia, porém, sem jeito,
em meu peito fez-se susto.

Pequeno, inocente, mudo,
no princípio nem me dei.

Era um aperto, um entrave
de fazer perna tremer

quando deveria andar.
A cabeça me pesava

pensamento sem ideia,
só um nó no raciocínio

de ver tanta gente embaixo
que babava por meu tombo:

mesmo que nem percebessem,
desejavam a vertigem

de presenciar, de frente,
próximo passo em falso

seguido de um corpo em queda
rumo ao chão sem proteção.

Olha, eu mesma me disse,
olha como são pequenos

e te enxergam pequenina
qual formiga caminhando,

a qual basta uma brisa
para ser arrancada

de tudo o que conhece,
de tudo aquilo que se é.

Eu não tinha mais impulso
de andar quase miudo

naquele arame fino
de bamboleio certeiro.

Quede o brilho que eu tinha,
quede força ovacionando?

Quede anseio de aventura
que deixava a assitência,

inquieta, em silêncio?
Quede a vida me chamando?

Tudo isso se passava
em meu medo indomado,

em meus olhos fez morada
a indesejada Morte.

Me senti feita de vidro,
frágil, atarantada, humana.

Despertava em madrugadas,
suada, sobressaltada,

arrancava os cabelos,
gemia, encolhia pernas.

Não sabia pesadelo
ou se estava acordada.

Antes o pavor não vinha,
ao depois pavor pesou.

No rodar de mundo, o circo
retornou à esta cidade

Da lona, fui partejada,
pesando quilos de casos,

com a pele amarrotada
e marcada pelo tempo.

Saí do picadeiro
sem voltar minha visão,

para ignorar a morte
que o risco me gritava.

Parei no portão de casa,
sua avó me recebeu,

disse: eis aqui vossas filhas,
te esperam cochilando.

O vestido que eu usava
ficou pregado à parede,

confundindo aqui dentro
um sentimento esquisito

de que tudo foi um sonho, 
vestido não há, nem circo.

Minhas filhas, guardem bem,
que este conto não repito.

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Esse texto, junto com mais outra versão, foi escrito em 2017 para uma intervenção poética. É uma variação do famoso poema de Carlos Drummond de Andrade 'O CASO DO VESTIDO'. 
Como experiência, parti do poema original (me valendo da mesma métrica e quantidade de versos do poeta mineiro, bem como de uma ou outra frase), mas propondo uma origem completamente diferente para o objeto Vestido. 
Talvez publique, em outra oportunidade, a segunda experiência que escrevi para esse narrativa-poema-dramaturgia. 



domingo, 15 de agosto de 2021

Entrevista para o visto de estudante no UK

Oi pessoal,

Nos últimos dois posts, comentei um pouco sobre o processo de pedido do visto para o estudante e seus dependentes no UK. Hoje finaliza a sequência de posts sobre o visto de estudante no UK, contando um pouco sobre a entrevista.

Bem, para dar a entrada no visto, você precisa preencher formulários online, anexar documentos, pagar as taxas (detalhes nos posts anteriores). Depois de ter feito tudo isso, você deverá agendar a uma entrevista, que na verdade não chega a ser uma entrevista. É mais para entregar o seu passaporte físico, que ficará retido no consulado britânico, e também para fornecer a sua foto (tirada na hora) e impressões digitais. Tudo isso dura cerca de 15-20 minutos.

Por conta da pandemia e do grande volume de pedidos de visto, pode ser que só seja possível agendar a entrevista para uma data distante (um mês após pagamento das taxas). O grande pulo do gato, é agendar o horário mais próximo possível, mas ficar de olho na agenda frequentemente em busca de horários que possam ficar disponíveis de última hora por conta de desistência. Fazendo essa estratégia, conseguimos adiantar a nossa entrevista em uns 10 dias. 

Outro dica importante: agende a entrevista do estudante e seus dependentes em horários consecutivos. Por exemplo: a minha entrevista era às 10h, e do meu dependente às 10h20. No nosso caso, chegamos juntos e fomos atendidos juntos (entramos na sala juntos e tudo!). Já ouvimos falar de casos em que isso não foi permitido, mas em São Paulo foram legais demais com a gente!

Mais uma dica: o ano letivo no UK começa em setembro. Isso quer dizer que tem muita gente indo em busca do visto nas semanas anteriores, em agosto, incluindo os cerca de 60 bolsistas Chevening. Então, se for possível, tente se antecipar e fazer todo o processo ainda em julho.

Depois de ir pessoalmente no consulado, você deve esperar cerca de 20 dias até um resultado. Você receberá um e-mail informando que o resultado já saiu.  Daí, fica um grande mistério, pois, o resultado em si não vem no e-mail. É necessário ir pessoalmente buscar a carta com o resultado + o seu passaporte no consulado. Outra alternativa, é contratar a entrega dos documentos em casa, o que custa mais de 100 reais por pessoa, então essa opção só vale a pena para quem mora fora da cidade onde o consulado está.

Nós fizemos a nossa entrevista no dia 12/07, o resultado chegou em 27/07, uma terça-feira. Em São Paulo, só é possível retirar os documentos nas quartas-feiras de manhã. Então, no dia seguinte fomos muito ansiosos ao consulado buscar a carta. Dessa vez, não nos deixaram subir juntos. Eu fui sozinha e o Lucas ficou me esperando na portaria. Também não podemos ficar na portaria e abrir a carta lá. Tivemos que sair do prédio. Mesmo com frio e chuva, não aguentamos ir até um lugar quentinho. Abrimos os envelopes ali no frio mesmo e ficamos aliviados com o resultado positivo! Uhuuuuul.

Mês que vem embarcamos para a Escócia!!! Então, no próximo post contarei um pouco sobre os preparos para a viagem.

Abraços e até breve!
Jacque.


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quinta-feira, 12 de agosto de 2021

É coisa de costume.....

O mês de julho foi invadido por uma onda polar, deixando os dias gelados e as noites escuras.
Não tenho agasalho para o frio, agasalho que digo são aquelas jaquetas que cortam o vento.

Pensei em comprar pela internet, mas logo duvidei. É preciso ver esses casacos de perto, para saber se vem forrados ou não, caso contrário estamos comprando apenas um pedaço de plástico que é vendido como se fosse de ouro.

Aproveitei uma manhã fria para procurar meu casado. Andei por lojas no centro de São Paulo, inclusive as que vendem roupas para motoboys. A primeira surpresa foram os preços, muito altos, levando em conta que as jaquetas não traziam o forro necessário, assim não esquentariam.

O que eu escutei dos vendedores foi ''moça, jaquetas como essa que você procura, não vendemos no Brasil, não estamos acostumados com um frio polar''.

É fato. Procurei em várias lojas online e percebi que o casaco que procuro só é vendido em lojas de roupa importada, a preços proibitivos e ainda assim não são tão quentes.
Uma moça me sugeriu que eu fosse a Argentina, lá encontraria.

Bom, eu pensava em comprar um casaco, não em viajar para o exterior. Descartei a ideia.

Muitas pessoas me disseram ''é coisa de costume, no Brasil não estamos acostumados a um frio assim''.

Pensei como são as coisas. É verdade, não estamos acostumados a um frio desses. Mas de resto já nos acostumamos a corrupção, a alta dos preços, aos juros abusivos, a um governo enlouquecido. Estamos acostumados com tantas coisas ruins que já não reagimos a elas! Daqui a pouco vamos nos acostumar com o frio!

Um vendedor me disse ''com um pouco de sorte, você pode achar algum casaco quente por um bom preço''.

Tive sorte mesmo. No dia seguinte fez calor e aposentei a ideia de comprar um casado pesado para os dias de frio polar.

Agora meteorologistas dizem que o frio vai ser uma constante na vida dos brasileiros, coisas que chegaram com a mudança climática.
Já estamos acostumados com  tantas coisas ruins, que diferença faria mais uma?
Frio polar não é brincadeira. Mata moradores de rua e congela plantações. Mas dentro de todo o caos que vivemos, é apenas outra coisa para lidar. Apenas outra.

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Incoerências pandêmicas

Desde o encerramento das olimpíadas, no último domingo, tenho sentido um vazio interior... Quem me viu revoltada pela realização de um evento dessa magnitude com uma pandemia ainda em curso, não acreditou quando me flagrou em altas madrugadas na frente da TV torcendo em todo e qualquer esporte, comemorando as conquistas dos atletas brasileiros, me irritando com a enxurrada de clichês narrativos olímpicos dos jornalistas, azarando os EUA, me emocionando com vitórias, derrotas e histórias.

A verdade é que a vida de quem se mantém em casa 99% do tempo não é lá muito movimentada ou emocionante, e acompanhar as olimpíadas acabou preenchendo um pouco essa lacuna. 
Trabalho atrasado concorrendo com as competições esportivas, madrugadas dormindo no sofá durante os jogos de vôlei, bafões que deixam qualquer BBB no chinelo.
O slogan da "Despertando o melhor de nós" e os desejos de ferrar os atletas concorrentes.
Os discursos inspiradores, e a falta de consciência social assustadora.

Daqui duas semanas tem mais, com as paralimpíadas.




quarta-feira, 4 de agosto de 2021

É isso

Poetas morrem cedo

Já é tarde ainda vivo

Sábios nunca morrem 

É verdade eu vi num livro


Estava na capa 

Prazer é o que compensa os riscos

Venda seu peixe no mercado

Deixe nas mãos dos homens ricos


Buscava deuses recebi moedas

Queria flores recebendo pedras


Incompreendido

Paguei o preço 

Saiu barato 

Fazer ateu rezar um terço


Nas mãos dos mesmos dólar

Ganhando peso em peso

Beirando o teto negro 

Culpados saindo ileso 


Eu vi afeto e fuego 

Via branco e preto 

Eu só não via eu mesmo 

Mas ganhei espelhos 


Fluindo no erro 

subi no acerto 

Deixei o certo 

Carreguei em cotas 


Construí em morros 

Duvidei de todos

Caminhei de costas

Afundei na neve 


Caí na encosta 

Matei um bicho

Virei, fui embora 


Partindo as toras

Marchei no frio 

Ignorado por plurais

Fui singular mais de oito hora


Larguei as armas

Deixei minhas botas fora

Soltei um fio no toca disco pra ouvir 

a vida inteira é isso?


Respostas dormindo em notas

Sonhos prevendo o futuro

Só acordei agora