segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

As promessas do ano que vem


Não precisamos de muita argumentação para falar o quanto este ano foi intenso. Todo um ritmo foi quebrado e estamos a nos reeducar para viver de outra maneira. Há quem diga que sairemos melhores disso tudo, há também quem diga que vamos descobrir que 2020 tem mais de 12 meses. Rimos de nervoso e batemos três vezes na madeira, pensando que a segunda possibilidade tem mais chances de ser real.


Não é possível sair deste ano isento de arranhões. Mergulhamos de cabeça no mundo online, há quem tenha feito jornais de gratidão e também quem tenha se esforçado para conseguir fazer todos os cursos ao alcance: em tempo “livre”, produtividade é lei. Trancados dentro de casa, o home office para alguns virou pesadelo, para outros foi a confirmação de que aquela reunião realmente poderia ser um e-mail. 


E agora, com a vacina sendo distribuída enquanto a segunda onda e a segunda cepa vão atingindo mais países, nos encontramos no final do ano se perguntando se no final do arco-íris vai ter algum pote de ouro. 


Vale a pena fazer planos?


Planos são para pessoas que têm perspectivas. E onde ficam estas esperanças, quando tudo ao lado desaba? Gostaria de dizer que vai ficar tudo bem, mas situações complexas não se acertam com respostas simples. Tem muito entulho dentro e fora da gente, pra deixar a casa toda em ordem, se é que um dia ela será ajeitada.


No meu caso, enquanto ainda estou a demolir meu sapário interno (e outras construções emocionais em situação de risco que já passaram da hora de saírem dali), no meio deste ano decidi ser mais gentil comigo. Ao alcance de minhas capacidades, foquei em cuidar do emocional - e isso não me impediu de dar apoio para as pessoas ao meu lado, carinho é sempre bem vindo. Enquanto eu, minha saúde mental priorizada e bem cuidada gera perspectivas. Com perspectivas consigo olhar pro amanhã e ainda ter uma pontinha de esperança de que as coisas irão melhorar. 


Nessa, de coisas pra fazer no ano que vem, gostaria de passear e viajar mais, entretanto não acho que isso acontecerá tão cedo e nem tão barato. Logo, coloquei uma meta acessível (acho / espero / tenho fé) para cumprir no ano que vem: consumir mais arte. 


Consumir mais arte não por desespero na pandemia, mas porque arte faz de mim alguém melhor. Até o começo do ano, estava cansada e desesperada demais para poder apreciar o tempo livre sem ser me julgando por não estar fazendo algo voltado para melhorar comercialmente enquanto pessoa. Nesses meses em isolamento tive o privilégio de poder me dedicar a outras coisas, e, principalmente, me dedicar em prazeres que não tinham nenhum retorno financeiro. 


Se antes eu tinha consciência pesada por não estar me aperfeiçoando até nas horas de folga, hoje fico mais tranquila se percebo que passei o domingo lendo uma história boba com o celular no modo não perturbe. Porque consumir arte me faz ver o mundo com outros olhos, e conseguindo pegar visões e sentimentos que são alheios à minha realidade, acredito que eu possa ser alguém melhor. Melhor não porque vou ser valorizada no trabalho, mas melhor enquanto ser humano e, acima de tudo, melhor comigo também.


Espero que para o ano que vem você também encontre as coisas que te façam ter perspectivas.



domingo, 27 de dezembro de 2020

Não pode dançar?

Esses dias revi o remake de Footloose. Tenho uma queda por filmes em que as pessoas dançam. É uma pena, porém, que muitos deles tenham roteiro tão batido e previsível porque dançar não deveria estar limitado a competições. Footloose não é sobre concurso, embora seja um típico filme de comédia romântica adolescente com roteiro pouco original.

A trama se passa numa cidadezinha do interior americano que decidiu proibir festas e danças. A morte de um grupo de adolescentes depois do baile foi o estopim para acirrar ainda mais a moral religiosa dos habitantes da cidade que culminou na curiosa lei. Mas tudo muda quando um rapaz forasteiro chega e se rebela.

Fora o asco que tenho dessa relação promíscua entre Estado e religião, me chamou a atenção o discurso que o moço revoltoso fez ao tentar persuadir o conselho a revogar a tal lei. Ele dizia apaixonado que os jovens tinham o direito de se divertir, de fazer besteira, de ser irresponsáveis porque era esse o momento da vida em que estavam. Usando a própria linguagem dos seus interlocutores, cita a passagem da bíblia cristã em que diz “Para tudo há uma ocasião, e um tempo para cada propósito debaixo do céu: (...) tempo de chorar e tempo de rir, tempo de prantear e tempo de dançar”. Completa afirmando que ele compreendia a preocupação dos pais porque é isso o que fazem os adultos: se preocupam. Se em breve seriam eles a ocupar esse lugar da preocupação, então não seria justo dar a eles o direito de curtir antes de tudo isso?

Fiquei refletindo sobre o quão triste e cruel é esse pensamento que permeia não apenas a sociedade americana, mas a brasileira também (felizmente em menor grau), mas ainda assim presente. É como se tudo de divertido, interessante, novo só pudesse ser vivido durante a juventude. Quem viveu, viveu, quem não aproveitou, perdeu. Vida adulta feliz e realizada só se tiver casado com filhos e ter dinheiro o suficiente para ostentar.

Por mais que se reflita sobre a arbitrariedade de tudo isso é difícil se livrar desse conceito. Não é por acaso que não se vê muitos adultos aprendendo novas habilidades ou mesmo vivendo experiências novas que não tenham uma finalidade utilitária. Pra quê aprender caligrafia? Pra quê você vai aprender a andar de patins agora? Pra quê você vai ler um livro sobre astronomia? Aulas de canto, rapel, balada? Nessa idade?!

Curioso que ao mesmo tempo que reina uma ideia de que não devemos ser pessoas entediantes também existe uma ridicularização de adultos e idosos aprendendo coisas novas. Não tenho muita esperança de que o mundo saia melhor dessa pandemia, mas desejo sinceramente que as pessoas, incluindo eu mesma, se libertem das amarras mentais que colocam um prazo de validade na diversão, na aventura, no sonho. Não precisamos ser gênios para poder realizar qualquer atividade. Não precisamos ganhar concursos de dança para poder dançar.


quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Crítica de um filme que eu queria ter escrito

Há pouco mais de dois meses decidi levar a sério minha paixão por roteiro de documentário. Em um texto anterior aqui do blog falei sobre as linhas da vida, e neste caso em particular, mais uma vez sou obrigada a reconhecer esse emaranhado que vai tecendo a gente, e explico a razão. Sem querer, recuperei meu TCC no site da Universidade e pra muito além do que eu lembrava sobre ele, dediquei, se não me engano, dois capítulos ao gênero documentário, sendo que minha única lembrança era tratar do Regime Militar. Claro, que essas construções não se dão ao acaso, sempre gostei muito de documentários, mas nunca pensei em realmente levar isso a sério.

Muito honestamente não consigo ver beleza na quarentena diante da razão pela qual ela foi imposta, mas não posso deixar de reconhecer que ela tem possibilitado um profundo encontro comigo mesma, mergulhada muitas vezes na dor, no medo, ou na pura tristeza de sentir o estado das coisas atuais. Recuperei muitas coisas neste (re)encontro, e uma delas, além do meu TCC, trata-se de um pequeno texto que criei, creio que em 2013/2014, para ser a crítica de um filme que eu mesma queria fazer. Meu real interesse atual não é no roteiro de ficção, mas encontrar este texto fez com que eu percebesse o quanto sempre reconheci (inconscientemente) minhas escolhas e, principalmente, o quanto a força do feminino sempre esteve em meu horizonte criativo.

Dia 24 de dezembro, sete dias para 2021, 1 mês do meu aniversário. Muitas simbologias para a retomada de tantas paixões adormecidas, na promessa deste novo ano que aguardamos com tamanha expectativa como nunca antes. Partilho, portanto, a “Crítica de um filme que eu queria ter escrito”, na esperança de novos recomeços para todos/as nós.

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Filme: Entre Sombras

Um drama existencialista francês que nos convida a observar a passagem do tempo e a revelação das sombras escondidas na alma a partir das cartas escritas por Georgine (Isabelle Lebrun) para sua neta Alaine (Lilou Garlen), entregues à família após a sua morte no hospital psiquiátrico. Nelas, mais do que a visita ao passado, a neta revive os principais acontecimentos da vida da avó, que a levam a perceber através do diálogo com o tempo, um espelho para entender a sua própria história.

 

Gerações de mulheres

A cineasta argelina radicada na França, Amina Mas’oudapresenteia o público com mais um longa sensível e enigmático que exalta “la douceur féminine”, a partir do legado de vida que percorre as diferentes gerações de mulheres da família Sorell. Entretanto, para Amina, essa doçura “não é e nunca poderá ser esvaziada da força que essas mulheres carregam ao questionarem os padrões sociais, culturais e políticos de suas épocas. É um filme atemporal, porque ainda hoje vivemos muitas das angústias que nossas bisavós viveram”.

Além de uma fotografia formidável que traz um constante contraste entre a França dos anos 1960 e a dos tempos atuais, o que é por si só é um dos elementos mais fascinantes do longa, o roteiro merece destaque, pois exigiu 7 anos de pesquisa para ser concluído. Ele foi escrito a partir de uma série de entrevistas realizadas pela equipe, em que diferentes gerações de mulheres francesas foram convidadas a dividir suas dores e conquistas ao longo de suas trajetórias, inclusive a própria Amina. “Georgine e Alaine não são mulheres desconhecidas, ou criadas aleatoriamente, não, somos minha avó e eu, de quem sempre ouvi histórias e com quem aprendi a ser quem eu sou hoje”, disse a cineasta durante o lançamento do filme.

Para fãs e críticos, esse é o resultado do trabalho que Amina tem realizado ao longo de 20 anos com mulheres imigrantes na França através de seu projeto “Qui nous sommes?”, que busca inserir estas mulheres na sociedade francesa ao mesmo tempo em que resgatar e preservar suas próprias culturas e individualidades, “muitas das entrevistadas estão do QNS? e ficaram muito felizes em saber que suas próprias histórias virariam o roteiro de um filme”.

Trata-se de uma verdadeira obra de arte que vale a pena ser assistida, a história das histórias, com o poder de fazer com que questionemos a nós mesmas.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Livros lidos em 2020

Livros lidos:

Janeiro:

04. Formas de Voltar para casa - Alejandro Zambra - Chile
04. Incabível - Dani Rosolen - Brasil
10. Na casamata de si - Pedro Tostes - Brasil
12. Quintais - Geruza Zelnys - Brasil
14. O peso do coração de um homem - Micheliny Verunschk - Brasil
16. Os sete gatinhos - Nelson Rodrigues - Brasil
27. Bom dia, camaradas - Ondjaki - Angola

Fevereiro

11. Una novelita lumpen - Roberto Bolaño - Chile
11. Os anões - Verônica Stigger - Brasil

Março

14. A casa dos espíritos - Isabel Allende - Chile *
16. Felicidade Clandestina - Clarice Lispector - Brasil
17. A via crucis do corpo - Clarice Lispector - Brasil

Abril

01. Ideias para adiar o fim do mundo - Ailton Krenak - Brasil
02. Esaú e Jacó - Machado de Assis - Brasil

02. A identidade - Milan Kundera - República Tcheca
10. Memorial de Aires - Machado de Assis - Brasil
19. O amanhã não está à venda - Ailton Krenak - Brasil

Maio

01. Noticia de um sequestro - Gabriel Garcia Marquez - Colômbia
03. O estrangeiro - Camus - França/ Argélia

11. O carteiro e o poeta - Antônio Skármeta - Chile *
21. A peste - Camus - França/Argélia
30. Cantiga de findar - Julián Herbert - México *

Junho

15. A náusea - Jean-Paul Sartre - França
24. Nocilla Experiene - Agustin Fernández Mallo - Espanha (releitura)
26. Literatura Expandida: arquivo e citação na obra de Gonzales-Foerster - Ana Pato - Brasil

Julho

11. Por cima do mar - Débora Dornellas - Brasil *
24. Perifobia - Lilia Guerra - Brasil *
28. Livro dos homens - Ronaldo Corrêa de Brito - Brasil *
29. Seis passeios pelo bosque da ficção - Umberto Eco - Itália

Agosto

01. Invisíveis - Adriano Moura - Brasil
08. As coisas que perdemos no fogo - Mariana Enriquez - Argentina
09. O corno de si mesmo e outras historietas - Marquês de Sade - França
15. O sêmen do rinoceronte branco - Cinthia Kriemler - Brasil
15. Depois do futuro - Franco Berardi (Bifo) - Itália
20. Coletânea Afrofuturismo - Vários autores - Brasil

Setembro

01. O cemitério de pianos - José Luis Peixoto - Portugal *

Outubro

11. O Ateneu - Raul Pompéia - Brasil

Novembro

03. Nove Noites - Bernardo Carvalho - Brasil
05. José e Pilar (Conversas inéditas) - Miguel Gonçalves Mendes - Portugal
20. Passatempoemas - Carolina Zuppo Abed - Brasil
21. Rio Noir - Vários Autores - Brasil *
22. O beijo da mulher aranha - Manuel Puig - Argentina

Dezembro

05. Luto - Eduardo Halfon - Guatemala
07. Querida Konbini - Sayaka Murata - Japão
14. Não aceite caramelos de estranhos - Andrea Jeftanovic - Chile
18. Televisão (Tecnologia e Forma Cultural) - Raymond Williams - País de Gales
23. Montevideanos - Mário Benedetti - Uruguai *
23. 24/7: Capitalismo tardio e os fins do sono - Jonathan Crary - EUA
24. Karen - Ana Tereza Pereira - Portugal
29. Morra, amor - Ariana Harwicz - Argentina
30. Andaimes - Mário Benedetti - Uruguai








domingo, 20 de dezembro de 2020

O gênio

Era o primeiro Natal em muitos anos que ele sentia fazer a coisa certa. Já havia perdido as contas de quantos natais passou sozinho, sentindo que deveria estar cercado de pessoas ainda que sem vontade. Pelo menos dessa vez essa era justamente a recomendação para a população. Nada de festas com aglomerações.

Ultimamente estava mais fácil passar as festas sozinho. Nada diferente de vários fins de semana ao longo do ano, que passava maratonando séries aleatórias. Bem melhor que aguentar a programação da tevê. Sentia como se há séculos a internet oferecesse entretenimento, mas também lembrava dos últimos anos desconectados.

Não lembrava quase nada de xadrez, mas ouviu tanta gente falando sobre o Gambito da Rainha, que resolveu arriscar. Pelo menos aprendeu de cara que sempre esteve errado. A vida toda se referindo às próprias canelas como gambito, ao invés de cambito.

E assim se passaram quase sete horas natalinas. Não achou ruim, só achou previsível. Desde criança, perdeu as contas de quantos super gênios, com um dom natural manifestado desde a infância, acompanhou nas telas.

Na verdade, passou toda a juventude esperando por seu próprio dom. Sonhava com a grande descoberta, que o faria ser o melhor em alguma coisa. Seria respeitado. Daria a volta por cima. Seria grande e todos lhe dariam o devido valor. Acabou jogado na poltrona, vendo o que apelidou de Rock IV de saias, pela eterna disputa entre EUA e URSS nas telas.

Provavelmente o primeiro sonho foi ser jogador de futebol. Talvez o maior artilheiro ou o goleiro que não levava gol nem de pênalti. As primeiras peladas na escola deram conta de descontruir a ideia de um novo Pelé. Depois pensou em ser um grande músico. Quem sabe um baterista, ou um frontman guitarrista, de repente um violonista. Nada que passasse dos primeiros acordes.

Assim foram os pretendidos dons de ser um desenhista que revolucionasse os quadrinhos, um escritor de best sellers, um comediante que arrancaria risos com facilidade, um gênio da informática, um cientista renomado, ao menos um funcionário exemplar, sem o qual a empresa parasse.

Aos poucos os sonhos grandiosos deram espaço a mediocridade mais comum. Com empregos comuns, com dias comuns, com a vida mais cansativamente comum que jamais poderia sonhar. O dom especial que tanto almejava assistindo aos filmes nunca apareceu

Depois de tanto tempo esperando o dom que o transformaria no protagonista, se conformou com o papel de coadjuvante, até não poder mais negar que era um reles figurante, que passa despercebido pela própria vida. Já era tarde para desencaixotar o tabuleiro de xadrez, abandonado quando mais um possível dom foi frustrado.

sábado, 19 de dezembro de 2020

Balanço

Vocês costumam 'fazer um balanço' sobre o que rolou na sua vida ao longo do ano?
Eu me pego pensando nisso a todo o momento. Sempre no final do ano e no meu aniversário. Acho que são boas épocas pra pensarmos no que aprendemos e no que ainda precisamos melhorar.
Se adaptar a pandemia foi um imenso desafio. Tive que abandonar a sala de aula física pra fazer tudo de maneira online. Ficar longe dos alunos foi difícil. Eu amo estar em sala de aula, amo a confusão, os aprendizados, as risadas...
Por várias semanas eu fiquei com pensamentos bem negativos a respeito de tudo. Depois eu comecei a tentar ser mais grata. Afinal, eu estava empregada, minha família estava bem e eu tinha um grande desafio diante de mim. 
Aprendi a gravar aulas, explicar o conteúdo de maneira online, administrar os alunos através da internet, cortei e editei vídeos, criei meu canal no YouTube, comecei a escrever aqui! 
Muita coisa pra agradecer. 
Para o próximo ano continuarei a ter desafios. Vários que não envolvem a sala de aula mas que irão impacta-lá diretamente. E o que mais espero é conseguir dar conta de tudo com paciência. Pois acho que ainda peco muito nesse aspecto.
Também preciso voltar a estudar. Ensinar é um eterno aprendizado, mas, estudar com dia e hora marcada e com conteúdo certo é diferente. 
E assim seguimos na esperança de termos um 2021 melhor. 
Boas festas! 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

o feijão está de molho

São Paulo, sexta-feira, 18 de dezembro de 2020.

- o feijão está de molho - Cristina Santos - post 8 - Blog das 30 pessoas -

título: o feijão está de molho

   O feijão está de molho.
   Sei que não combina com o calor, mas o jantar será sopa de feijão, e eu garanto a sua deliciosidade.
   O feijão está de molho.
   Mundo. Vírus. Máscaras. Eclipse. Cloridrato de Sertralina. Eu Não Consigo Respirar. Desmatamentos. Secas. Queimadas. Enchentes. Milhões. Cabelos Brancos. Distanciamento. Protestos. Apagão. Eleições. Quarentena. Feminicídio. Desemprego. Higienizador Antisséptico. Gafanhotos. Toc. Lockdown. Menos Quilos. Falta  de Empatia. Generosidade. Veganismo. Assédios. Suicídios. Último Episódio da Última Temporada. Racismo. Mais Protestos. Machismo. Dores. Bolinhos de Chuva. Depressão. Vacina. Ansiedade. Berinjelas. Balas Perdidas. Cabelos quase Azuis. Homicídio. Home Office. Mortes. Lgbtfobia. Então é Natal. " Ela queria a solidão e o silêncio que só um número grande de pessoas era capaz de dar."*  Mutação. Corrupção. Filas da Fome. Desgoverno. Zumbis. Auxílio. Buraco Negro. Alienígenas. Losartana Potássica. É Conto? É Crônica? É o Quê? Tempo Aceleradoempatiateoriadaconspiraçãomatrixrealidadesparalelaseuqueriaescrevertantamaistantacoisamasnãodatemponãotemespaçooupalavraspápricapicantesorveteparaexpressaroquenãodaparaserexpressadoeupoderiatentarmaséqueesseanotáfodaoanodesgraçadodaporraeugostariamuitoafinaléfundamentalescreverporémtemosátomosemoléculasespaciastemtambémosolaluaasestrelaseasnuvensestãoplanejandoalgorevolucionário. Aguardemos.
   O feijão está de molho e eu vou lá preparar o jantar.

*  Jane Austen- Persuasão

   Oiê! Espero que estejam bem. Seja conto ou crônica - o feijão está de molho - é inédito e foi escrito nesta semana.
   Que venha logo a vacina. Acreditemos em dias melhores. Feliz Natal. Feliz 2021. Sorriam. Se precisarem sair de casa, usem máscara. Respeito. Cuidado. Carinho.
   Até o próximo post.
   Beijos.
   Cristina Santos
  





  

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Restos de Ano-Novo

Pintura de Clarice Lispector

Não, não deste último ano-novo. Nem sequer do meu aniversário deste ano, ele também uma notícia. Talvez eu esteja adiantando uma saudade deste que virá depois do eclipse solar, depois  da dança de Saturno com seu filho Júpiter. Não sei por que esta virada ainda por vir me transportou para a minha infância ou tantas outras passagens de dezembro para janeiro. Apesar de sempre desconfiar de que todo ano seja sempre um único ano infinito (que sei eu sobre o infinito? Eu, que mal posso me ater na certeza do próximo carnaval?), sempre tive predileção pelas brincadeiras do fim, os fogos, as ondas e, quando possível, os beijos.  Quando a festa vai se aproximando, como explicar a agitação íntima que ainda me toma? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se toda palavra me fosse tomada diante do deslumbre do renascimento simbólico e fosse necessário que eu tomasse de empréstimo frases inteiras lidas no livro Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector, edição surrada que um dia pareceu lá me casa. Embora há tempos não escute o velho refrão “...que tudo se realize, no ano que vai nascer”, mesmo hoje uma comoção se faz em mim, como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer desta data.

 Minhas lembranças espocam aleatoriamente, como aquele rojão que já contei em outra crônica. Um que eu segurava com meu avô e que mandou aos céus duas explosões. A terceira fez que não ia, mas decidiu sair com menor pressão através do pavio, quando este estava na mesma linha que meus olhos. Um clarão e meu choro, meu avô desconsolado, eu engolindo meu susto para consolá-lo. Outro brilho e me vejo em uma missa acompanhando minha avó. Ao final, o padre deu a benção e desejou um bom ano-novo: quando é isso? Tive um arrepio quando minha antiga anunciou que era naquela noite. E aí vem mais outra estrela subindo em assobio até o andar que eu morava, adultos na sala, um champanhe estourado e minha mãe, em cima de um banquinho, anunciando que no próximo ano pararia de fumar.

  Ah, está se tornando difícil escrever. Porque sinto como ficarei outra vez ao recordar no mar de Maceió que aquele dois mil e tanto que se iniciaria em poucos minutos seria a primeira chance de me acostumar com um mundo sem meu avô. E esse vai e vem das datas me navega ao choro de minha mãe, quando na tv um show gravado simulava uma farra ao vivo. Porque chora, perguntaram. Pensei que este ano que acabou seria o meu último. Pensei que nunca mais veria essa festa. Nos abraçamos, perdoando a doença que não a havia devastado, aquela que fez com que aquele fosse exatamente sua última celebração. Dela herdei essa inquietação pelo réveillon (tentei fugir desta palavra, contudo preciso de ajuda para dizer o que não sei como) e nos anos seguintes, tive uma secreta vergonha de ter fome deste êxtase.

             Agora chove sobre a cidade e outra chuva de outra cidade de outra época me chama, fazendo com que eu corresse de mãos dadas com minha prima Bia, gritando a felicidade que era presenciar uma garoa inaugurando outra contagem dos dias.  Corremos para o orelhão (naquelas noites havia esse telefone público que pedia um número infinito para ser teclado) para poder desejar um ano imenso para meus ancestrais (naquele tempo havia mais avós). E no dia seguinte - ou em outra existência? – o hábito que havia no interior de passar de casa em casa pedindo um ano bom e ganhar um doce ou uma moeda.

              Este mês que se acaba não vislumbra encontro, talvez nem mesmo uma chuva quente de verão. Há umas tantas doenças levando a alegria de famílias, há um país em desânimo velho, há a distância que não se pode acalmar somente com ligações ou telas. Há a profunda desconfiança de que no correr das horas nada mudará: as marés não trarão uma garrafa de náufrago apregoando uma novidade. Porém, por uma teimosia em nome dos que já o fizeram, ainda  considero olhar para as estrelas à meia-noite e me reconhecer pequeno e eterno naquele instante, regando com uma mínima esperança as plantas do nosso jardim.


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Em novembro passado fui premiado no concurso Abrace Um Autor, do IFSP, pela crônica PESCADAS, publicada aqui neste blog (aliás, a crônica que cito no texto acima). 

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Mentoria


Olá pessoal!

Esse é o meu último post do ano. Que alegria ter chegado até aqui, compartilhando as minhas experiências de estudante/intercambista com vocês, todo dia 15. Espero que estejam sendo úteis.

Você já ouviu falar sobre mentoria? Quando eu estava indo atrás da bolsa de estudos para mestrado no Reino Unido, eu era bem ingênua e talvez um tanto imatura e achava que dava conta de tudo sozinha.  Então, fui atrás de tudo por conta própria e quase nunca pedi ajuda. O resultado? Bem, na minha primeira tentativa, falhei miseravelmente. Já contei essa história aqui no blog. 

Quando tentei a bolsa de estudos pela segunda vez, contei muito com a ajuda de um colega que já havia ganhado uma bolsa de estudos para mestrado. Eu não o nomeava dessa forma na época, mas posso dizer que ele foi o meu mentor e o apoio dele foi fundamental para me ajudar a ser aprovada na segunda vez.

A mentoria basicamente se resume a isso mesmo que aconteceu comigo e com o meu amigo: alguém com mais experiência em determinado assunto e que já conquistou algum objetivo (ex bolsa de estudos) orienta outro alguém com menos experiência e que deseja alcançar esse mesmo objetivo.

No ano de 2020, eu tive a grande honra de mentorar alguns candidatos da bolsa Chevening. Que experiência incrível! Conheci pessoas muitos legais, de diversas áreas do conhecimento. Cada uma do seu jeito, com as suas características e necessidades próprias, mas todas muito motivadas! Essa experiência me fez refletir um pouco sobre a importância da mentoria e como posso me tornar uma boa mentora, assim como o meu amigo foi para mim. Por isso quis trazer esse assunto aqui no blog.

Ainda estou no processo de descoberta. E queria perguntar para vocês, leitores e leitoras: o que consideram como característica fundamental de um mentor?

Abraços e até o próximo post.
Jacque.

sábado, 12 de dezembro de 2020

Dezembro desconhecido

Último mês do ano.
Mas, peraí, vivemos um ano ou uma vida inteira? Foram doze meses ou doze séculos?
Tanta coisa aconteceu e nada parece que mudou. Tantos momentos tivemos nosso coração congelado, parado nos segundos das notícias que chegavam.

Dezembro sempre é um mês confuso, parece o fim e ao mesmo tempo o começo. As luzes da decoração natalina confundem nossos os nossos olhos e cansam a mente.

É um dezembro diferente de todos que já tivemos. Nos anos anteriores nos vencia a ansiedade para conhecer o que o destino iria trazer no ano novo. Hoje não estamos mais ansiosos, mas apreensivos. 
Como vai ser o mundo o ano que vem? A pandemia vai recuar? Vamos avançar ou continuar caminhando com passos lentos e temerosos?
Já não somos os mesmos. Já sabemos que existe uma divisão estranha na humanidade, metade acredita na existência de uma pandemia, a outra continua vivendo como se ela não existisse.

Recentemente tive que bater à porta de um vizinho desconhecido, que não para de fazer festas. Se fosse outro momento eu não teria me submetido a esse constrangimento, mas nestes tempos tudo mudou.
Fui lá, na maior delicadeza, dizer que esse entra e sai de sua casa, as festas no fim de semana, tudo isso é um perigo diante da pandemia. Ele arregalou os olhos e disse "vizinha, é fim de ano. Não estou indo com meus convidados na tua casa. Se você está preocupada com a pandemia, feche a sua casa e use máscara lá dentro''.

Me senti em um filme de ficção, aquele momento antes do fim do mundo, no qual as pessoas começam a discutir por bobagens.

É dezembro, um mês que sempre foi igual, pessoas nas ruas, cores e luzes por todas as partes, o silêncio do dia 25. Tudo sempre foi a mesma coisa. Mas agora mudou. Dezembro não é mais o fim do ano, é o começo de algo que desconhecemos.
Pode ser algo bom, pode não ser. É dezembro, o mês que se apresenta como desconhecido. Não sabemos quem é esse dezembro. Não sabemos o que ela traz.
Vamos aguardar.
 

Iara De Dupont

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Uma visita inconveniente

Em uma madrugada qualquer, somos acordados por miados desesperados em nosso quintal. De relance parecia Sati. Será que ela conseguiu fugir e está tentando voltar?
Não era Sati. Era um macho. 
Um elemento ativo, não feroz, mas nocivo ao bem-estar comum.
Ao menos ao bem-estar de nossos sonos.
Foi recebido com alimento e água. Retribuiu com carícias características dos gatos, ao resvalar seu corpo peludo em nossas pernas. Estaria perdido?
Fizemos um anúncio, procuramos por alguém que o estivesse procurando. 
Ninguém respondeu. 
E ele voltava todas as noites. E, após muitas noites, voltava também todos os dias.
Foi ficando, e ficou.
O que mais me admira em sua personalidade é a audácia. Audácia de chegar chegando, de acordar todo mundo com seus miados, de se aproximar destemido de humanos e gatos, de entrar e ficar. E de sair, se assim desejar. 
Ele sai e não explica onde vai. E a gente fica sem saber se ele vai voltar. 
Mentira, no fundo, sabemos, torcemos pra ele voltar e sempre volta!
E um dia, por descuido ou ousadia, ele gostou de ficar.

O audacioso Macchu Picchu, dormindo confortavelmente no sofá da sala




domingo, 6 de dezembro de 2020

Onde vivem as decisões? Parte2

(você pode ler a primeira parte dessa história neste link: parte1, mas se tiver preguiça, pode começar por aqui também!)


Romeu entrou na cozinha e começou a contar mentalmente quantas latinhas de cerveja tinha entornado na noite, não era possível serem tantas, tampouco havia misturado com destilados. Então, não estava bêbado, seu subconsciente dançava ciranda, alegre, mas não estava tão afetado para criar miragens.


Mesmo assim, se aproximou pé ante pé da mesa da cozinha, ficou um tempo parado, olhando incrédulo: o irmão mais velho dormia sobre o desenho da filha, o lápis ainda  na mão, repousando.

 

O sino da igreja badalou seis da manhã, ele forçou a vista, entortou bem o corpo em uma posição idílica e leu aos sussurros: 

pode ser bom

- enfrentar as incertezas

- aprender a lidar com situações como essa

- escutar minhas vontades  

pode ser ruim 

- me expor demais 

- seguir o que os outros pensam 

- me iludir” 


Romeu deu um sorriso terno por sobre os ombros de Donato. Por um momento pensou em sacudi-lo e conversar; mas queria enganar a quem? Donato lá falava o que pensava!? Quis escrever uma mensagem, mas o irmão podia se sentir invadido. 


Chegou ao quarto com as pernas trançando, imaginando a filha brigando com o tio pelo roubo do desenho. E adormeceu pensando: quando mesmo a pequena voltava da casa da mãe… que saudade! 


Quando o sino badalou as oito horas, Mirna resolveu que era hora de cutucar Donato. Ela estava acordada a trinta minutos, já tinha lido a lista, já tinha comprado o pão e a água do café começava a ferver. 


Que menino! Sentiu pena do filho, pensou que talvez o cheiro do café coado pudesse ser um despertador melhor. Arrumou a mesa envolta dele, esticou a toalha, colocou os pães no prato, tirou a manteiga da geladeira e trouxe duas xícaras pequeninas. Sabia que Romeu, só se levantaria pro almoço, seriam eles dois, ela e Donato, naquela manhã.


Ela tinha conselhos a dar, poderia falar com algumas pessoas que considerava importantes para serem ouvidas nestes casos de indecisão, marcar umas conversas para filho. Mas primeiro o café, despejou a água quente e abanou a fumaça com a pontinha dos dedos na direção de Donato.


CONTINUA em 06/01/2021.

Parte final.


sábado, 5 de dezembro de 2020

Diário de um ano ruim

Fiz um poema utilizando títulos de alguns livros da minha biblioteca. Ficou assim:

Diário de um ano ruim


Um, dois e já

o mundo está sombrio ermo turvo

o tempo,

nublado no céu da boca,

gris.

 
Estamos vivendo um redemoinho
e a vida passa como um trem-bala
eu, com meus olhos de cão,
vejo a vida gritando nos cantos
a cabeça nas nuvens
o coração na boca
o corpo partido.

 

Os bares morrem numa quarta-feira
nada de baladas

 

É a arte do recomeço
tateando a parede no escuro,
o homem está à procura de si mesmo,
aprendendo a viver,

mesmo que essas vidas sejam provisórias.

 

Precisamos tirar lição das coisas
repensar nossos relacionamentos
aceitar nosso absoluto frágil
estar sendo, ter sido
faz parte de todo o processo.

 

Essa história está diferente
estamos vivendo um mosaico
de fake news e amor
e por falar em amor
o que amar quer dizer?

Falo do amor dos homens avulsos
os amantes
das pessoas que passam pelos sonhos
no meio de toda a saudade do mundo
histórias de amor e glória.

 

E vamos reinventar afagos
acenos e afagos
para diminuir distâncias

faça chamadas telefônicas

para os amigos
envie cartas extraordinárias
as pequenas epifanias
e os verbos auxiliares do coração
esquentam o frio aqui fora e dentro.

 

Último round
numa hora assim escura
a noite escura e mais eu

vamos definir formas

de voltar para casa
caminhando contra o vento
e se choverem pássaros,
eu ainda estou aqui.


De duas, uma
entre nós
há um coração simples e aberto.


Definitivamente

2020 não é meu ano

de descanso e relaxamento.