quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Crítica de um filme que eu queria ter escrito

Há pouco mais de dois meses decidi levar a sério minha paixão por roteiro de documentário. Em um texto anterior aqui do blog falei sobre as linhas da vida, e neste caso em particular, mais uma vez sou obrigada a reconhecer esse emaranhado que vai tecendo a gente, e explico a razão. Sem querer, recuperei meu TCC no site da Universidade e pra muito além do que eu lembrava sobre ele, dediquei, se não me engano, dois capítulos ao gênero documentário, sendo que minha única lembrança era tratar do Regime Militar. Claro, que essas construções não se dão ao acaso, sempre gostei muito de documentários, mas nunca pensei em realmente levar isso a sério.

Muito honestamente não consigo ver beleza na quarentena diante da razão pela qual ela foi imposta, mas não posso deixar de reconhecer que ela tem possibilitado um profundo encontro comigo mesma, mergulhada muitas vezes na dor, no medo, ou na pura tristeza de sentir o estado das coisas atuais. Recuperei muitas coisas neste (re)encontro, e uma delas, além do meu TCC, trata-se de um pequeno texto que criei, creio que em 2013/2014, para ser a crítica de um filme que eu mesma queria fazer. Meu real interesse atual não é no roteiro de ficção, mas encontrar este texto fez com que eu percebesse o quanto sempre reconheci (inconscientemente) minhas escolhas e, principalmente, o quanto a força do feminino sempre esteve em meu horizonte criativo.

Dia 24 de dezembro, sete dias para 2021, 1 mês do meu aniversário. Muitas simbologias para a retomada de tantas paixões adormecidas, na promessa deste novo ano que aguardamos com tamanha expectativa como nunca antes. Partilho, portanto, a “Crítica de um filme que eu queria ter escrito”, na esperança de novos recomeços para todos/as nós.

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Filme: Entre Sombras

Um drama existencialista francês que nos convida a observar a passagem do tempo e a revelação das sombras escondidas na alma a partir das cartas escritas por Georgine (Isabelle Lebrun) para sua neta Alaine (Lilou Garlen), entregues à família após a sua morte no hospital psiquiátrico. Nelas, mais do que a visita ao passado, a neta revive os principais acontecimentos da vida da avó, que a levam a perceber através do diálogo com o tempo, um espelho para entender a sua própria história.

 

Gerações de mulheres

A cineasta argelina radicada na França, Amina Mas’oudapresenteia o público com mais um longa sensível e enigmático que exalta “la douceur féminine”, a partir do legado de vida que percorre as diferentes gerações de mulheres da família Sorell. Entretanto, para Amina, essa doçura “não é e nunca poderá ser esvaziada da força que essas mulheres carregam ao questionarem os padrões sociais, culturais e políticos de suas épocas. É um filme atemporal, porque ainda hoje vivemos muitas das angústias que nossas bisavós viveram”.

Além de uma fotografia formidável que traz um constante contraste entre a França dos anos 1960 e a dos tempos atuais, o que é por si só é um dos elementos mais fascinantes do longa, o roteiro merece destaque, pois exigiu 7 anos de pesquisa para ser concluído. Ele foi escrito a partir de uma série de entrevistas realizadas pela equipe, em que diferentes gerações de mulheres francesas foram convidadas a dividir suas dores e conquistas ao longo de suas trajetórias, inclusive a própria Amina. “Georgine e Alaine não são mulheres desconhecidas, ou criadas aleatoriamente, não, somos minha avó e eu, de quem sempre ouvi histórias e com quem aprendi a ser quem eu sou hoje”, disse a cineasta durante o lançamento do filme.

Para fãs e críticos, esse é o resultado do trabalho que Amina tem realizado ao longo de 20 anos com mulheres imigrantes na França através de seu projeto “Qui nous sommes?”, que busca inserir estas mulheres na sociedade francesa ao mesmo tempo em que resgatar e preservar suas próprias culturas e individualidades, “muitas das entrevistadas estão do QNS? e ficaram muito felizes em saber que suas próprias histórias virariam o roteiro de um filme”.

Trata-se de uma verdadeira obra de arte que vale a pena ser assistida, a história das histórias, com o poder de fazer com que questionemos a nós mesmas.

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