quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A invenção da infância

Outubro passou e novembro já vai a galope, mas acho que a discussão sobre os pequenos é tão grande que não cabe em apenas um mês, então, se me permitem, segue mais um dedinho de prosa sobre o tema:


Ser criança não significa ter infância. 

A ideia de infância é uma invenção como qualquer outra invenção. Foi criada no contexto das grandes invenções com vias de proporcionar ao homem uma fase ideal na vida, uma fase em que pudesse simplesmente desfrutar dos pequenos prazeres da existência, sem se preocupar com horários, com projetos, com o trabalho, com o consumo. Uma fase em que pudesse simplesmente ser.

Mas, como qualquer outra invenção, a infância acabou por ir tomando outros rumos e se confundindo com o mundo adulto. Cada vez mais, o tempo infantil é marcado pelo ponteiro do relógio e os compromissos, quando já não estão introjetados, são devidamente registrados em sofisticadas agendas. Cada vez mais, o "que vou ser quando crescer" é mais importante do que o "do que vou brincar depois do almoço". Cada vez mais e cada vez mais forte, uma poderosa indústria voltada para as crianças vem formando uma legião de pequenos e ávidos consumidores.

E, se por um lado a invenção da infância fracassou com uma criança que consome, que tem compromissos e que faz planos para o futuro, ou seja, uma criança de classe média, ela não foi mais exitosa para aquelas que não podem consumir e que, por vezes, nem vislumbram um futuro. Para estas, a fronteira entre a vida de criança e vida de adulto é ainda mais tênue, ficando as diferenças apenas no aspecto biológico. Estas crianças são pequenos trabalhadores que pensam e agem como adultos, que sabem exatamente quanto custa o quilo do tomate e o quanto precisam trabalhar para consegui-lo. Nada mais distante que a ideia - romântica - de infância.


A infância é, portanto, além de uma invenção sem grandes êxitos, um tema profundamente delicado e importante. E é com delicadeza, mas também com muita seriedade, que este tema é trazido nos singelos 26 minutos do documentário "A invenção da Infância", de Liliana Sulzback, que recomendo a todos os que se interessaram por este texto inteiramente inspirado no curta que pode ser visto aqui.

5 comentários:

  1. Criança + infância = td de bom.
    Detalhe, eu conheço alguns adultos que vivem na infância.

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  2. Dia desses li algo que falava da ideia de inocência da criança, uma ideia inventada como tantas outras que se consagrou na família burguesa, cujo centro é o filho, daí não seria suportável admitir que a criança pode ser "má", destrutiva em algum aspecto, capaz de cometer alguns atos que horrorizariam qualquer sujeito empático, pequeno ou grande. Como a família burguesa eliminou a ideia de que a criança é um adulto pequeno, extrapolou-se a ideia da criança inocente, angelical, incapaz de, sei lá, matar, por exemplo, ou praticar qualquer ato que possa ter uma consequência negativa.
    Criança é assunto que dá pano pra manga mesmo, mesmo pra quem não está grávido como você, colega.

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  3. Sim! Ainda tem a questão sabiamente levantada pela companheira Luli (além de linda, inteligente... S2): quem inventou o adulto? Quem disse que o adulto é o sujeito feito, acabado e madurinho feito manga amarela? E os tais adultos que agem feito crianças, como muito bem observou o ilustre ombudsman do blog Risa? Seriam eles crianças "travestidos" de adultos ou o contrário? Seu comportamento pimpão poderia ser atribuído a uma criança, a um adulto ou a nenhum deles? Uma outra questão: seria o desenvolvimento cerebral aquilo que determina a adultice de um indivíduo?

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  4. Híndira Barros, filósofa que é, fazendo boas perguntas. Está aí a questão: "vc é um adulto manga amarela?". Eu estou mais para adulto... seriguela, pode ser?

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  5. Ótimo post e ótimos comentários feitos pela Híndira.

    Ai tô com vergonha de fazer algum comentário, depois dos delas.

    Ai que vergonha :P

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