quarta-feira, 20 de março de 2019

De Suzano a Christchurch

Jota passou a acordar com mais facilidade depois da cafeteira. Tinha um botão mágico e com um simples toque dava para ouvir o café moído, as batidas para compactar o pó e em poucos segundos a felicidade escorria para o copo.

O café era tão sem açúcar quanto a vida. Sentava diante do computador e começava a navegar pelos sites de notícia, ávido pelas tragédias do dia. A qualidade variava, mas a quantidade de notícias era grande.

A economia prendia pouco a atenção. Talvez pelas tragédias terem consequências muito difusas e indiretas, Jota passava um olhar desatento para a quebradeira econômica. O resultado de todas aquelas crises apareceria à conta-gotas.

A política era mais interessante. Mesmo repetitivas, aquelas tragédias tinham ações. As ações econômicas ficavam restritas aos papéis na Bolsa. Na política as discussões mal encenadas e os ânimos exaltados lembravam um dramalhão mexicano, menos amoroso.

Essas tragédias difusas pareciam convergir para as tragédias do cotidiano. Muitas já eram vistas com um ar blasé. De tão recorrentes haviam perdido a capacidade de impacto. Mesmo assim, algumas pessoas caprichavam e conseguiam destaque.

Tragédias econômicas eram mais frequentes no noticiário internacional, com cifras maiores e consequências mais catastróficas. As políticas eram generalizadas; ultimamente o difícil era encontrar um lugarzinho sem escândalos. O interessante é que o destaque para as tragédias políticas estava diretamente vinculado com a economia. O povo pobre tinha muito destaque, desde que tivesse muito petróleo e pouca comida.

Nas semanas mais recentes Jota acompanhava com empolgação o ápice das tragédias. O big bang que se forma quando o buraco negro da sociedade não consegue absorver tanto absurdo e explode, incontrolável, pelo mundo.

De Suzano a Christchurch, não há cristo que detenha a explosão de fúria represada. Com um copo de café em uma das mãos e o mouse na outra, Jota expressava um leve sorriso no canto da boca ao ver as notícias.

O sorriso não era de satisfação nem de sadismo. Só não conseguia conter a reação diante de tanta análise cretina que lia a respeito das tragédias. Era como se as pessoas soltassem um copo de vidro e ficassem indignadas ao vê-lo se estilhaçar.

A cada manhã Jota repetia o ritual. Um copo de café e um passeio pelos sites, vendo os copos de vidro caindo lentamente, até se chocarem contra o chão e deixarem as pessoas embasbacadas, buscando estofados para o chão, proteção para os copos, um chão mais macio.

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