domingo, 20 de maio de 2018

¿Quién eres?

Oi, eu sou a Dolores. Pediram pra me apresentar. Mas logo eu, que não tenho nada pra falar? Sou Dolores, que era para ser Maria das Dores, mas minha mãe achou um nome triste e acabou mudando para Dolores.

Tenho 50 anos. O que eu vivi mesmo foi os últimos dez, depois que eu me livrei daquele traste. Quando eu vejo mocinha nova se engraçando por aí dá até um aperto. Eu casei com 22, vestido branco, véu, grinalda, meu irmãozinho todo arrumadinho pra levar as alianças até o altar. Depois um belo churrasco pra vizinhança toda!

Bonito, né? Nessa época o traste ainda valia alguma coisa. Daí já veio falando em mudar para São Paulo, que ia ser melhor, que a gente ia ganhar dinheiro e melhorar de vida. Eu fiquei contrariada, mas já estava esperando meu filho mais velho. Achei que ia ser melhor pro menino.

Chegando aqui alugamos um quartinho, ele arrumava uns bicos de pedreiro e a vida foi engrenando. Logo meu menino nasceu e pra ajudar nas despesas eu comecei a pegar uns servicinhos. Fazia faxina, manicure, vendia Avon, pegava umas encomendas de doce, salgado… Tudo coisa que eu já fazia desde menina, mas agora até me pagavam.

O problema é que quando o dinheirinho começou a entrar o traste começou a ficar preguiçoso. Eu tinha que cuidar da casa, trabalhar e cuidar do menino, que logo ganhou um irmãozinho. Quando o traste arrumava uns bicos chegava em casa e se jogava no sofá. Dizia que o serviço era pesado. E o meu serviço, era o que?

Eu criei meus filhos com rédea curta. De tranqueira já bastava o pai, que quando não estava na frente da televisão estava no bar. Ainda me convenceu a engravidar de novo, pra tentar uma menininha. O bom é que pelo menos daí nasceu minha caçula, que também criei bem pertinho de mim, porque a meninada da vizinhança era louca para se perder na vida. Nela eu nunca bati, mas vontade às vezes não falta, pra ver se entra alguma coisa naquela cabeça dura!

Como o tempo passa! De repente eu já estava com 30 anos. Queria ter 30 anos com a cabeça que eu tenho hoje. Naquela época eu estava cansada. Trabalhando que nem uma doida, criando 3 filhos e sustentando aquele vagabundo que ainda ficava se engraçando com a garçonete do bar.

Não vou falar mal do pastor da igreja que eu ia. Muitas vezes ele era a única pessoa que eu tinha pra desabafar. Mas foi ele que fez minha cabeça pra continuar casada, que homem é assim mesmo, que ia rezar pra ficar tudo bem. Eu fui deixando tudo como estava, pensando que as crianças não podiam crescer sem pai. Era melhor não ter pai do que ter aquele traste dentro de casa. Mas agora já passou.

A gente acha que a vida é pra sempre e quando vê já está velha. Tomei um susto quando meu mais moço disse que ia casar. Logo foi o mais velho e um pouquinho mais tarde minha caçula apareceu com o namorado em casa pedindo a mão dela. Até chorei, vê se pode! Minha menininha!

Ficou um vazio tão grande em casa. Só eu e aquele traste, que não tinha mais com quem implicar e depois de velho deu de me tratar mal. Era só o que faltava! Pois não tinha nada mais pra me segurar naquela casa. Fiz minha mala, peguei meu dinheirinho que eu juntei com tanto suor e fui embora. 

Acredita que o traste arrumou um escândalo na porta de casa? Me chamando de louca, de irresponsável, até de vagabunda! E o pastor que não pense que eu não sei de que lado ele ficou. Fofoca corre rapidinho e eu nunca mais fui naquela igreja.

Não vou dizer que foi fácil. Não foi, não. Mas o que é fácil nessa vida, me diz? Só sei que já faz 10 anos que eu estou vivendo minha vida! Como o tempo passa! Queria ter 30 anos com a cabeça que eu tenho hoje. Continuei fazendo meu servicinho aqui e alí, só que agora sem as crianças e sem aquele traste pinguço pra sustentar.

A vida é esse negócio que quando a gente vê já passou. Eu fiquei tanto tempo ouvindo conselho errado e quando tomei coragem de fazer o que eu queria é que eu comecei a aproveitar a vida. E hoje se alguém quiser me criticar pode começar pagando as minhas contas.

Mas é isso. Pediram pra me apresentar. Meu nome é Dolores, mas eu não tenho nada pra falar, não.

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