sábado, 27 de junho de 2020

9 razões sobre como e por que devemos viajar

Vimos estrelas
E ondas; vimos areia também.
E, apesar de muitas crises e desastres
Inesperados,
Muitas vezes sentimos tédio,
Exatamente como aqui.

Charles Baudelaire.

Parece até uma provocação barata escrever um texto sobre viagem no meio de uma pandemia que nos convoca a manter isolamento social. Mas fazia tempo que estava com esse livro empacado nas minhas leituras e gostaria de compartilhar com vocês as reflexões do filósofo suíço Alain de Botton sobre viagem.

Na busca obsessiva pela felicidade, provavelmente viajar está entre as atividades que mais se destaca como forte candidata a satisfazer esses anseios. No livro A arte de viajar (2002), De Botton propõe uma investigação sobre como e por que deveríamos viajar. Quero trazer aqui os principais pontos do livro que está dividido em nove capítulos, nos quais o autor traz suas próprias experiências pessoais de viagem a partir do olhar e reflexão de artistas e pensadores seletos.

  1. A expectativa
J. K. Huysmans, em seu livro Às avessas (1884), apresenta um herói decadente que acreditava que “a imaginação era capaz de proporcionar um substituto mais do que adequado à realidade vulgar da experiência concreta”. É verdade que você pode ter muitos aborrecimentos durante uma viagem como ficar doente ou não se livrar da preocupação com uma possível demissão quando retornar, mas só porque a expectativa de que tudo se transformaria magicamente não se concretizou não significa que não valha à pena.

Assim, é preciso lidar com as inevitáveis frustrações que podem surgir durante ou após uma viagem, pois freqüentemente a experiência é diferente do que imaginamos.

  1. Os destinos de viagem
cena do filme "O céu de Suely"
Talvez o sentimento de insatisfação e inquietação não atinja a todos do mesmo jeito, mas provavelmente em algum momento você já pensou que sua vida seria diferente se sumisse, fosse para outro lugar longe. “A vida é um hospital em que cada paciente está obcecado com a ideia de mudar de cama”, teria dito o poeta Charles Baudelaire.
A “poesia da partida” evocada por Baudelaire é uma sentimento que compartilho. Uma inexplicável sensação de conforto e alegria ao observar terminais rodoviários, aeroportos, cais.  O ambiente doméstico que por vezes pode aprisionar uma face do nosso “eu” se liberta com a ideia de movimento evocada pela viagem. Viajar oferece a oportunidade de conhecer “eus” adormecidos, escapar de hábitos mentais cristalizados e a ter novas idéias.

  1. Exótico
O interesse pelo exótico não deveria ser lido apenas como uma curiosidade em si mesma. Podemos nos encantar com elementos estrangeiros porque são aspectos que valorizamos e gostaríamos que nossa terra natal se parecesse. Como observou Flaubert, na vida adulta temos a liberdade de recriar na imaginação nossa identidade de acordo com nossa essência.

  1. Curiosidade
Ativar a curiosidade para além do que guias turísticos e outros turistas apontam como local de interesse para se conhecer pode trazer enriquecimento para nossas vidas. Isso porque ao visitar um local e investigar as marcas do passado nele traz compreensão, segundo Nietzsche, um olhar para além da própria existência individual e transitória ganhando um senso de continuidade e vinculação com a própria sociedade.
Ter curiosidade não apenas em territórios estrangeiros, mas inclusive na própria cidade. Refletir sobre como nossa identidade também é fruto de quem veio antes de nós.

  1. Campo e cidade
Se no início foi motivo de chacota, o mesmo não se pode dizer com o passar do tempo sobre a poesia de William Wordsworth. O poeta inglês exaltava a natureza e acreditava que ela era corretivo indispensável para os danos psicológicos infligidos pela vida urbana.
Estar o tempo todo imerso no mundo dos humanos nos aliena de fazer parte de um todo, nos faz esquecer que dividimos o planeta com outros seres vivos. Testemunhar a vida selvagem nos estimula a olhar pra vida por meio de outra perspectiva, em respeito aos outros e também a nós mesmos.

  1. Sublime
O filósofo Edmund Burke discute como o sublime tem relação com um sentimento de fraqueza. Assim, segundo o autor, o sublime seria um encontro prazeroso e, até inebriante, da fraqueza humana diante da força, da idade e das dimensões do Universo.
Paisagens que evocam o sublime, portanto, não seriam apenas lugares bonitos. Mas aqueles que através de sua grandeza e força nos lembram que a vida humana não é medida de todas as coisas. É um sentimento muito poderoso porque traz conexão com uma realidade maior, que pode ser entendida em termos religiosos ou não, que nos possibilita ver além de nós mesmos. Talvez ao ser confrontado com a própria fragilidade seja curiosamente uma fonte de energia para lidar com os obstáculos mundanos, afinal, nada pode ser tão importante diante de tamanha força que existe antes de nascermos e continuará existindo depois de nossa extinção.

  1. Arte que abre os olhos
Uma paisagem pode se tornar mais atraente depois de a conhecermos pelo olhar de algum artista. De Botton compartilha sua própria experiência de visitar Proença mediado pela obra de Van Gogh. Ele foi guiado pelas cores, pela vegetação, pelos locais registrados pelo pintor.

  1. Eternizar a beleza
Ao nos deparamos com a beleza temos o ímpeto de tomarmos posse dela. Podemos manifestar esse desejo através da compra de souvenirs, deixar uma marca física, fotografar... Tive o desprazer de presenciar uma manifestação desse desejo no Festival das Cerejeiras, em São Paulo (SP). Durante poucos dias, as cerejeiras florescem proporcionando um lindo espetáculo de beleza para a cidade, mas o desejo de posse fez com que o público arrancasse galhos numa tentativa de levar para casa o que viu. Acontece que a delicadeza das flores fazia com que elas se despedaçassem ainda no parque: nem a “beleza” foi possuída pelas pessoas,  nem pôde continuar existindo, já que foi parcialmente destruída.
John Ruskin acreditava que somente nos apossamos da beleza quando nos tornamos consciente dos fatores (psicológicos e visuais) que nos fazem admirar algo. Ele defendia que atingimos essa consciência através da arte, escrita ou desenho. O desenho revelaria nossa cegueira anterior ante a verdadeira aparência das coisas. Aprender a ver e a transmitir nossas impressões da beleza seria uma maneira precisa na análise do que vimos e sentimos. De modo que ter essa clareza no permitiria possuir a beleza, eternizando-a na nossa memória.

  1. Hábito
Devido a nossa enorme capacidade de adaptação, nos habituamos a olhar para nosso redor sem atenção a beleza, sentimento de assombro ou gratidão. O hábito é o oposto de um estado de espírito de viajante. Ele dificulta cultivar humildade, pois o que é interessante ou não já parece pré- definido.
Viagem ao redor do meu quarto escrito por Xavier de Maistre (1790) é um chamado a acender esse estado de espírito de viajante. Ele brinca com os limites do próprio quarto para mostrar como podemos descobrir novas coisas se olharmos atentamente mesmo para paisagens familiares. Não precisamos necessariamente viajar para longe para realizar boas descobertas.

3 comentários:

  1. Lindo texto, faz entender nossa necessidade pessoal de ter e compartilhar experiências, buscando auto conhecimento e aperfeiçoamento no relacionamento com aqueles que amamos, pois estar bem não é só um objetivo pessoal mas coletivo.
    Parabéns Sirley.

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  2. Texto maravilhoso e gostoso de ler. Viajar para novos lugares tb me traz a sensação de "reiniciar", como se eu pudesse trazer a esse novo lugar e novas pessoas o meu "eu melhorado" após as experiências que me fizeram crescer em minha terra natal (confuso? rs).

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    1. também sinto isso quando viajo, que "reiniciei"meu sistema. e acho que também entendo mais minha cidade, meu país quando estou fora deles.

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