segunda-feira, 22 de junho de 2020

Mascarado Mundo

Num diário exercício de cegueira controlada,
nós mascaramos o mundo.
Mascaramos a falta de pão,
a falta de escola,
os gritos da vizinha que chora,
o tio violento, o presidente virulento,
o desaforo recebido, os mortos e os feridos.
Mascaramos até mesmo nosso ofício de mascarar.
Mascaramos para poder dormir tranquilos na cama quente,
para poder sair de casa com a cara limpa,
rumo a um mundo-cloroquina de respostas fáceis e pessoas felizes.

As máscaras esterilizam o mundo,
tornam as dores herméticas,
as diferenças opacas,
estampam falsos sorrisos em bocas que querem gritar,
em dentes que querem morder
em rostos que querem vazar, se contorcer de dor.

E quando todas as máscaras caírem,
o mundo se mostrará desnudo.
Os andaimes do castelo estarão à mostra
e todos poderão ver de que traumas ele é feito,
sob sua ciranda de mascarados
a desfilar num carnaval de dores.

2 comentários:

  1. Felipe, escuta esta estória: Há uns meses atrás, eu, pela primeira vez desde que o uso de máscaras se tornou obrigatório, estava fazendo compras no mercado. Estava de máscara e todos no mercado, também.
    Na fila do pão, rolando uma música ambiente, paro pra prestar atenção justo no trecho que diz: "Tira a máscara que cobre o teu rosto. Se mostra e eu descobro se eu gosto do seu verdadeiro jeito de ser..."
    Quase dou um berro, tamanha a ironia! Pitty que lute, agora somos todos mascarados

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