quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Mínimas mortes

O cheiro da morte se anuncia a nós desde muito cedo. Eu quase nada conhecia do mundo, quando vi minha mãe sucumbir ao meu lado. Num instante ela estava e no outro deixou de estar. Escapei por muito pouco, sem poder ver a origem do golpe, sem nem ao menos poder despedir-me. Entre nós, eu haveria de aprender, não há margem para despedidas. Nossas vidas são efêmeras. Mínimas. 

Não tardou e vi partir meu pai e já nem sei quantos irmãos, tios e sobrinhos. Uma emboscada. Uma arapuca que somente as engenhosas cabeças da indústria da morte são capazes de conceber. Estavam em pleno voo quando foram surpreendidos. De onde estava, pude ver o clarão, o estampido. Mesmo de longe era possível sentir o cheiro de corpos carbonizados e o som das risadas dos agressores. Divertiam-se. Sempre fomos brinquedos em suas mãos. 

Para alguns é ainda pior. A morte é lenta e agonizante. De todas as formas de morrer, a que menos desejo é ser vítima do jato. Ele surge quando menos se espera e vai tirando a força vital aos poucos. Os que recebem o jato, úmido e de odor nauseante, cambaleiam sem ar e aguardam a morte como a uma dádiva. Foi-se o tempo em que apenas morríamos. Dado o refinamento das técnicas mortuárias, hoje se morre desejando nunca ter nascido. 

É notório que preferem nos atacar a noite, justo quando estamos mais vulneráveis, justo quando saímos em bando para nossas atividades habituais. É notório também que preferem nossas fêmeas e são a elas que atacam com maior furor. Ainda que os muitos anos de evolução de nossa espécie, tenha dotado nossas fêmeas de suprema sutileza na hora de sorver a seiva, ainda assim as apunhalam abruptamente, sem possibilidades de negociação. Brutos! Atacar o inimigo de costas e enquanto se alimenta! Oh, desnecessária perversão...

Sempre fomos hospitaleiros e adeptos à cordialidade. Jamais recusamos dividir nosso espaço com eles. Isso é nossa marca e sempre será. Os mais corajosos de nós, constantemente tentam aproximação. Chegam devagar, com a polidez de diplomatas, com sussurros ao pé do ouvido - porque somos delicados e nos desgostam os urros e gritarias histéricas - e ainda assim os bárbaros nos atacam com nítida incivilidade e fazem fenecer os menos ágeis de nós.

Quanto a mim, sei que a morte me espreita ali na esquina e nem uma folha se moverá mais lentamente quando isso acontecer. No dia seguinte a minha morte, milhões de nós virão ao mundo, milhões de nós partirão dele e uma nota sequer sairá no jornal. Apenas acontecerá o que tem que acontecer a quem nasceu para ser mínimo. O que agora me ocorre é que chegará o dia em q




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