sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Sobre os aniversários...

Os sapatos que antes ocupavam as prateleiras na despensa agora repousavam em qualquer pequeno espaço do quarto; as roupas sujas amontoavam-se escondidas atrás do móvel grande, enquanto as xícaras, copos e panelas na cozinha precisavam ser procurados dia a dia diante da necessidade do uso, já que poderiam estar em qualquer lugar. Há algum tempo a casa andava sem ordem. Era preciso lembrar do tempo, do espaço, do ontem, do anteontem e do banho de agora.
Passava apressada de um lado pro outro, tentando organizar o que fosse possível antes de ir trabalhar, recapitulando as obrigações diárias, o artigo a ser concluído, as datas das próximas reuniões, as compras a serem feitas no mercado, a próxima consulta médica da minha mãe, a torneira que precisava ser consertada, a cama velha que implorava ser trocada... ressentida pelo tempo que eu não tinha. Enquanto andava de um lado para o outro da casa, preocupada com o atraso, o ônibus que passaria dali a 20 minutos - que, caso perdido, imputaria a pena de esperar por outro mais ou menos uns 50 minutos - fechei, pelo menos por cinco vezes, a porta do armário-depósito que ficava embaixo da escada “Preciso trocar essa fechadura”. Dei alguns passos e a porta abriu novamente.
Instantaneamente parei na intenção de voltar para fechá-la de novo, mas permaneci imóvel. O tempo, a casa, as memórias, o passado, o presente e futuro de repente fundiram-se em uma grade névoa escura e densa que parecia pairar sobre a minha cabeça e me dei conta de que era meu aniversário. Voltei alguns passos ainda de costas em direção ao armário e a porta estava ali, entreaberta, como se debochasse da minha falta de atenção, do meu desleixo, do meu cansaço. Quis fechá-la, juro que quis, mas subitamente a abri e percebi que havia esquecido completamente do que tinha lá dentro.
Num primeiro momento só avistei caixas, entulhos, coisas quebradas que estavam amontoadas há anos esperando conserto, poeira, fios e cabos elétricos que eu já não fazia a menor ideia de onde eram. Mas ali, escondidos atrás de tudo aquilo, estavam meus cadernos antigos em que eu escrevia minhas histórias, os trabalhos da escola que ela havia guardado com tanto carinho, o vestido e sapatinhos do meu batizado que “depois que eu morrer você pode dar um fim”, os bonés antigos do meu pai, os álbuns de fotografia... enfim, estava tudo ali ainda, imóvel diante de um tempo que passa sem trégua, carregando tudo, mesmo quando você implora que ainda tem muita coisa boa pra tirar daquele momento. Ele não tem freio. No armário ainda estavam guardados todos os sentimentos acumulados (e ali compactados) de uma vida toda, de um passado que ainda era mais aconchegante e amoroso. E eu os conhecia todos, acompanhavam-me dia a dia diante da tarefa de continuar, de projetar e alcançar sonhos para na sequência desfazê-los em razão da urgência da vida; acompanhavam-me na solidão, no cuidado crescente para com a minha mãe (os papeis estavam invertendo-se), do medo de não conseguir, do cansaço da repetição dos menores detalhes. Mas ali, guardados no armário, estes sentimentos pareciam sorrir enquanto diziam que não precisavam doer, e que tudo bem que hoje ainda ferissem, amanhã e talvez depois de amanhã, mas que eles só precisavam de mim para serem ressignificados.
Olhei com pesar e tentei acolher todos eles em meus braços; por um momento tive gana de abrir todas aquelas caixas, desentulhar, desembaralhar, separar o que estava quebrado, procurar todos os velhos cartões de aniversários e sorrir pelos 35 anos de idade que se aproximavam, encontrar a força das mulheres da minha família que ultrapassaram tantos e tantos limites para ressoar em mim, trazer o ímpeto de reinventar sonhos, sorrir para o mundo, mas... tão instintivamente quanto parei para abrir a porta daquele armário, lembrei-me que o ônibus passaria dali a “uns 10 minutos, acho” e saí apressada, não sem antes beijá-la carinhosamente e perguntar o que ela queria para o jantar enquanto assistia sua autossatisfação por encontrar “amor” na revista de caça-palavras.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Só Bolsonaro não decepciona



Lá se foi 2019. Sabíamos desde 2018 que seria um ano de amargar, mas nutri algumas esperanças, ao menos para ter onde me apegar. Que ilusão.

Acreditei que a justiça resolveria o assassinato de Marielle Franco, mas hoje faz 677 dias que me pergunto quem é o mandante do crime e quais as razões.

Pensei que eventualmente o PSDB acordaria do delírio de uma oposição irresponsável, que resultou em patéticos 4,76% dos votos para a candidatura milionária de Alckmin, mas seguem culpando o PT até pelos problemas de São Paulo, que governam desde 1995.

Quem sabe a grande mídia não aprenderia, ainda que na porrada – por enquanto simbólica – a importância de uma cobertura honesta dos fatos, mas continuam varrendo para baixo do tapete as injustiças que vêm cometendo desde a articulação do golpe.

Talvez a própria população caísse na real depois que a “Vaza Jato” escancarou o óbvio. Sergio Moro, pintado como acima do bem e do mal, tinha lado, viés, interesse pessoal e fez muita gente de trouxa. Mas o escândalo só serviu para domesticá-lo e deixa-lo na coleirinha pelo presidente.

Os nacionalistas decerto se revoltariam ao saber que Paulo Guedes gostaria de vender até o Palácio do Planalto. Que nacionalistas são esses, dispostos e destruir o país e aceitar o sucateamento da ciência, pilar de sustentação de qualquer país? Mas basta uma demão de verde e amarelo para o mundo permanecer cor-de-rosa.

Não adianta. Há pouco mais de um ano, só Bolsonaro não me decepciona. O presidente me lembra um episódio do Chaves, quando o Prof. Girafales, didático como só um professor pode ser, diz o que parece caber como uma luva no representante do Planalto:

“Talvez a vocês o trabalho dele parece tolo, inútil, comum, vulgar. Sim. Concordo. Mas é que devem levar em conta que se trata de um indivíduo sem nenhum preparo. De um pobre diabo que nem sequer concluiu o primário. De um pobre infeliz que mal aprendeu a ler e a escrever. De um reles... de um joão-ninguém...”

E correspondendo, finalmente, às minhas expectativas, surge Bolsonaro cumprindo o que dele se espera. Um trabalho patético, subserviente, entreguista e submisso, em uma realidade paralela, onde o comunismo é uma ameaça e os Estados Unidos a solução.

Cansei de ter esperança. Para 2020 minha única expectativa é a do governo patético de um pateta. Não é bem algo em que posso me apegar, mas na atual conjuntura, evitar frustrações já é um passo importante.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Na terra da rainha

O título desse post talvez faça você pensar que eu vou escrever sobre o Megxit. Especialmente porque estou escrevendo logo após a rainha Elizabeth ter rompido o seu silêncio e se pronunciado a favor da decisão do neto. 

Para você que não sabe o que é Megxit, uma breve explicação: o príncipe Harry é casado com a atriz Meghan Markle. Há alguns dias os dois decidiram se afastar da realeza, renunciando o salário que recebem em busca de independência financeira. Nobre decisão. O termo Megxit, é um trocadilho com o Brexit (saída do UK da união europeia).

Sinto decepcionar, mas não falarei sobre Megxit. Entretanto, recomendo aos interessados a leitura de um texto da BBC: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51071090

Esse post está inaugurando a minha chegada ao Blog das 30 pessoas. Confesso que estou extremamente empolgada com essa aventura de escrever para um blog pela primeira vez. Ok, mas o que isso tem a ver com a terra da rainha? Bem, eu morei um ano em Manchester, na Inglaterra. Foi uma das experiências mais incríveis da minha vida! Foi tão bacana que acho digno de compartilhar com o máximo de pessoas possíveis. Por isso, os 12 posts que farei ao longo desse ano serão todos relacionados à minha experiência lá fora, na terra da rainha.

Para começar, vou contar como fui parar lá. Desde menina sempre tive o sonho de fazer intercâmbio. Pensei em fazer high school nos EUA, ser Au Pair, trabalhar na Disney, estudar inglês, entre outras coisas. 

Um belo dia uma colega de trabalho me marcou num desses posts do Facebook. O post anunciava a abertura de inscrições para uma bolsa de estudos chamada Chevening. Era a oportunidade da minha vida! Isso porque o governo britânico estava se propondo a financiar um mestrado full time para pessoas com potencial de liderança e networking. O processo seletivo é árduo, mas vale MUITO a pena. Primeiro, porque a bolsa financia TUDO, tudo mesmo (visto, passagens aéreas, as mensalidades do curso, e ainda te dão um dinheirinho mensalmente). Segundo, porque a experiencia de viver no Reino Unido, de estudar lá, de conhecer gente de todos os cantos do mundo, muda a vida de alguém para sempre. Mudou a minha.

Ao contrário da Megan que deseja sair, eu daria tudo para voltar. Explico o porquê nos próximos posts.

Abraços,
Jacqueline.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

O dia em que quebrei os dentes

Em um sábado a tarde muito gostoso e ensolarado, recebi uns amigos em casa. Histórias, risadas, ideias, churrasco e cerveja até a noite. No final da noite acompanhei os amigos até o portão para me despedir. Eles se foram, eu fechei o portão e estava voltando para casa. Do portão até a casa há um longo corredor de cimento, com uma leve inclinação ascendente. Não sei até hoje o porquê (não tinha pressa, nem vontade de ir ao banheiro, nem apostando corrida e muito menos tinha deixado a panela no fogo), mas decidi subir correndo. 
Estava de chinelo, tropecei, e caí. De cara, ou melhor, de boca no chão. Além da boca e do nariz, ralei o joelho. Doeu, mas levantei rapidamente, preocupada em não ter sido flagrada em um momento tão vexatório. Olhei para os lados, nenhuma testemunha. "Ufa", pensei aliviada, quase sorrindo. Resolvi que já tinha sido o suficiente para o dia e fui dormir. 
Naquele horário em que você ainda não sabe se ainda é madrugada ou se já é manhã, acordei com a urgência do xixi. Após me aliviar, lavei as mãos e levei o maior susto ao me deparar, no espelho, com uma cara toda arrebentada! E os dois dentes da frente quebrados!!! DOIS!!! DA FRENTE!!! 
Não podia acreditar. Voltei para a cama e fiquei pensando que eu tinha arrebentado minha cara, que eu tinha que ser cancelada, que 2019 tinha que acabar logo, antes que eu falecesse... Comecei a chorar de arrependimento e humilhação e meu companheiro acordou, preocupado, com o choro. "Que merda será que eu fiz?" foi seu primeiro pensamento. Eu, chorosa, contei o motivo das lágrimas. Ele primeiro ficou aliviado por não ter feito nenhuma merda, em seguida tentou ver meu rosto sem sucesso, pois o quarto estava escuro, mas me abraçou e disse coisas reconfortantes, fui me acalmando e voltamos a dormir.
Ao acordar pela segunda vez, ainda arrependida, porém pragmática, tentei recuperar a história, porque não, eu não consegui me recordar onde eu tinha caído. Depois de um tempo eu lembrei, e fomos no corredor, procurar os pedaços de dentes, mas não achamos nada. Mandei uma mensagem pra minha irmã, que é dentista e agendou consulta para o dia seguinte, uma segunda-feira antevéspera de natal. No dia seguinte já estava com os dentes reconstituídos e com a satisfação de poder passar o natal em família sem precisar cobrir a boca, apesar dos ferimentos. Foi até engraçado ficar com a "janelinha" no dente por um dia (meu companheiro disse que achou bonitinho, coisas de casal), mas foi terrível e não desejo isso pra ninguém legal. 
"Mas porque você não colocou os braços na frente para proteger o rosto?" Você pode me perguntar. Algumas pessoas de fato me perguntaram isso, e a resposta é muito simples, meus amigos: Minha irmã é dentista, não ortopedista!  
Além da janelinha, ganhei lábios
que deixariam Angelina Jolie com inveja