segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O Brasil não conhece o Brasil

Ontem me lembrei com saudade dos tempos em que recebia todas as semanas mensagens com a história de alguém que acordou sem os rins numa banheira de gelo. Também fez bastante sucesso nas caixas postais o relato de agulhas contaminadas com o vírus da aids displicentemente esquecidas nas poltronas de cinemas.

Em tempos de eleições, há uma saraivada de e-mails igualmente catastrofistas, mas confesso que não consigo achar graça no humor que - com perdão pelo irresistível trocadilho - grassa por aê. Obviamente, de-tes-to qualquer tipo de cerceamento à liberdade dos humoristas e a simples menção da expressão “politicamente correto” já me provoca engulhos.

Na noite passada recebi um daqueles indefectíveis PPTs, e num momento de imperdoável estupidez, abri o arquivo para conferir o conteúdo. Após uma sucessão de imagens de cidadãos torturados supostamente no Irã, fotos do Lula apertando a mão do Ahmadinejad e o óbvio corolário dos riscos que o país corre se a Dilma for eleita.

Alguém me enviou também o mapa do Brasil segundo a sra. Rousseff. Me lembrei imediatamente de um tal movimento São Paulo para os paulistas, sandice perpetrada por algumas centenas de universotários paulistanos. Trata-se de uma versão revisitada da falácia de que os migrantes são responsáveis por boa parte das desgraças da paulicéia cada vez mais desvairada.

Insinuar que apenas os paulistanos sabem votar pelo fato de rejeitarem o PT (pesquisas recentes demoliram o raciocínio tosco) é uma blague digna do Zorra Total. Erasmo Dias, Paulo Maluf, Conte Lopes, Jânio Quadros, Clodovil... São tantos exemplos de escolhas corretas, neam. Aguardemos o desempenho do Tiririca e da Mulher Pêra para aumentar o panteão de notáveis entronizados pelos paulistas.

“O Brasil tá matando o Brasil”, compôs profeticamente Aldir Blanc. Será que a preponderância da imprensa paulista/carioca tem algum tipo de participação nesse olhar 1/2 Luan Santana? Não deixa de ser interessante notar que os chiliques da dupla Azevedo + Mainardi não produzem qualquer tipo de efeito prático. Hora de jogar punhados de terra nesse papinho de que “formadores de opinião” exercem algum tipo de influência. Na era da Internet quaisquer cangas devem ser repelidas, inclusive as de grife adquiridas em Maiâmi. Triste daqueles que precisam de etiquetas na bunda na tentativa de obter a valoração que não conseguem através da mente...

O poeta tem razão: “O Brasil não merece o Brasil”. Saravá!

domingo, 29 de agosto de 2010

A ti os meus desejos mais ocultos

Para me interpretar e formular-me preciso de novos sinais e articulações novas em formas que se localizem aquém e além de minha história humana. Transfiguro a realidade e então outra realidade, sonhadora e sonâmbula, me cria.
E eu inteira rolo e à medida que rolo no chão vou me acrescentando em folhas, eu, obra anônima de uma realidade anônima só justificável enquanto dura a minha vida. E depois? depois tudo o que vivi será de um pobre supérfluo.
Mas por enquanto estou no meio do que grita e pulula. E é sutil como a realidade mais intangível. Por enquanto o tempo é quanto dura um pensamento. É de uma pureza tal esse contato com o invisível núcleo da realidade.

.






Sei o que estou fazendo aqui: conto os instantes que pingam e são grossos de sangue.
Sei o que estou fazendo aqui: estou improvisando.
Mas que mal tem isto? improviso como no jazz improvisam música, jazz em fúria, improviso diante da plateia.
É tão curioso ter substituído as tintas por essa coisa estranha que é a palavra.
Palavras - movo-me com cuidado entre elas que podem se tornar ameaçadoras; posso ter a liberdade de escrever o seguinte (...)
O que diz este jazz que é improviso? diz braços enovelados em pernas e as chamas subindo e eu passiva como uma carne que é devorada pelo adunco agudo de uma águia que interrompe seu voo cego. Expresso a mim e a ti os meus desejos mais ocultos e consigo com as palavras uma orgíaca beleza confusa. Estremeço de prazer por entre a novidade de usar palavras que formam intenso matagal.
Luto por conquistar mais profundamente a minha liberdade de sensação e pensamentos, sem nenhum sentido utilitário : sou sozinha, eu e minha liberdade.
É tamanha a liberdade que pode escandalizar um primitivo mas sei que não te escandalizas com a plenitude que consigo e que é sem fronteiras perceptíveis.
Esta minha capacidade de viver o que é redondo e amplo - cerco-me por plantas carnívoras e animais legendários, tudo banhado pela tosca e esquerda luz de um sexo mítico.
Vou adiante de modo intuitivo e sem procurar uma ideia: sou orgânica.
E não me indago sobre os meus motivos. - Clarice Lispector -

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Placas de metrô no seu quarto.




Navegando pelo Blue Bus achei uma notícia sobre colocar mobiliário urbano em casa.

O negocio é o seguinte. A empresa americana Underground Signs vende placas iguais as do metrô de Nova Iorque e voçê ainda pode personalizar.

Já pensou numa estação com seu nome? Dá para colocar na sala, no quarto….

Veja alguns exemplos nas imagens!

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Everybody lovs Ray

“Essa mina não pode estar na minha. Muito quente para estar na minha mão. Se for sonho que seja um longo e profundo coma ou mesmo eterno como a morte. Muito quente para ser verdade.”

Ray era amada por todos não só porque ela adorava jazz. De fato, ela poderia listar de memória toda a discográfica do Davis, do Coltrane ou do Scott. Apesar de não compartilhar com Aretha, Ella, Nina e Sarah tantas dores de amor, sussurrava-as em árias melodramáticas meio a brisas dominicais I never loved a man… 

Mas não era culpa do jazz. Nem de seu vasto repertório de livros e filmes antigos. Nem de sua sensibilidade aguçada ou sua inteligência agressiva. Ray era amada por todos porque,
 
“Caramba, o que é isso?!”

somado a tudo isso, sim, ela era arrebatadoramente linda. Intimidadoramente linda além das roupas descoladas e do jeito que mexia o cabelo quando dançava e o jeito que mexia no cabelo o tempo todo. Dessas belezas sem prazo de validade, tão e tão naturalmente, desconfortavelmente linda que era isso que importava quando,

“Caramba, o que é isso?!” 

deixou escapar Thomas assim que a garota grunge, de cabelos curtos e pretos e óculos de grau tipo RayBan, entrou na redação pela porta de vidro, se dirigindo à bancada dos jornalistas responsáveis pela programação cultural, de frente aos críticos de qualquer coisa como cinema, teatro, artes plásticas, qualquer coisa como Thomas que ficaria sentado exatamente de frente à

“Raquel, muito prazer.”

Era um jornalzinho que ocupava duas salas de um empresarial perdido no centro da cidade, recém lançado por um grupo de jornalistas inconformados que assinavam colunas de jornais imponentes durante o dia e enchiam a mesa dessa redação novata com opiniões controversas e cervejas durante a noite. Uma bebedeira levada a sério, numa onda meio old school, berrada em letras matutinas amplamente consideradas pelas várias classes intelectualoides, de arte a economia.

“Então você curte Ray Charles.”

“Dentre outros, mas não é o que eu mais gosto. É que ando escutando o Davis. [...] Ah, essa camisa com o Ray é do meu irmão.”

Ray, Charles Ray, Raquel não demorou muito para adotar seu pseudônimo jornalístico. Insistência de Thomas, ácido crítico de cinema que, não raro, se derramava em bilhetinhos e olhares solícitos sobre a mesa da garota. “É mais sonoro” dizia ele.

Qual era o mistério de Ray? 

Aquela redação cheia de homens era cheia de criatividade quando especulava trajetórias das mais incríveis para ela, antes dela chegar, sempre atrasada, com cara de apressada, derramando livros e CDs pela mesa. Ray estava juntado tudo que podia do seu salário para comprar um iPhone. Ela não era lá muito adepta de tecnologias, mas aquele iPhone era um investimento cultural! Espaço de sobra pra muita música, livro, filme, a qualquer hora e em qualquer lugar tudo isso em um celular! Nunca mais aquela tralha toda, pra cima e pra baixo, de ônibus por aí. Trabalhava de dia numa livraria, descobriram isso depois de avaliarem muitas possibilidades entre agente secreta ou tardes inteiras de gravações pornô, e à noite no jornal. No meio disso tudo, ainda escrevia como louca num caderninho azul com uma estampa de digital preta na capa. Especulavam que ela articulava um plano de dominação comunista naquele caderninho. Ou que a capa engajada era disfarce para dicas de moda, beleza, receitas de bolo e cálculos de miligramas de silicone – não que ela precisasse, mas foi unanimidade que ela ficaria bem mais gostosa, qualquer uma ficaria.

Aquele mundo mágico criado em volta de Ray deixava a redação cada dia mais receosa em aproximar-se dela. O único que ainda trocava alguma idéia com ela era Thomas. Mentira. Ele não trocava idéia, não dava tempo. Passava a noite rasgando elogios, fazendo massagens, dizendo que ela deveria deixar essa vida cruel de jornalista e ser modelo, assim ela poderia ter não só um iPhone como um iMac, iViagens Pelo Mundo, iTudo que ela quisesse. Na verdade ela deveria esquecer também essa história de modelo e casar-se com ele. Acumulava suas críticas para a madrugada, adiantava outras pela tarde, ele precisava de concentração para dedicar-se e tempo livre olhando Ray. Todos olhavam Ray das 19h às 22h, Ray que já não se limitava só às regras descritivas da movimentação cultural, como já ensaiava algumas críticas de música, uma delas até publicada dia desses. Deco, o crítico de música, ficou meio boquiaberto quando ela lhe entregou um manuscrito sobre o festival indie do fim de semana. Ele não tirou os olhos da orelha de Ray, mostrada e escondida pelos cabelos frequentemente movimentados. Aquele monumento ali, do ladinho dele, ele ficou boquiaberto. 

“Digita e manda pra mim. Tá ótimo querida. Você tem talento.” Nesse dia ele oficializou seu fetiche por orelhas.

Por Ray. Crítica muitíssimo bem recebida pela crítica que, por sinal, desconhecia a feição da autora. Boa, muito boa.

Chegando o fim de mais um ano e as festas de jornalismo sempre são as melhores. Bombaram convites das confraternizações de tudo que era veículo na noturna mesa cheia de cervejas. Ray não tinha tempo e disse que só ia mesmo para a reuniãozinha do seu pessoal. Com Thomas meio doente, ela olhou para Deco e disse “Você vai, né? Não falta também não. Vou acabar ficando sozinha lá.” Seis meses depois ocupando a mesma cadeira, Ray ainda não tinha conseguido grandes progressos sociais.

“Essa mina não pode estar na minha. Muito quente para estar na minha mão. Se for sonho que seja um longo e profundo coma ou mesmo eterno como a morte. Muito quente para ser verdade.” Deco nunca antes na vida saiu tão perfumado de casa para uma festa numa outra festa, já que o jornal das 19h às 22h não tinha grana pra bancar uma festa digna de uma confraternização com convidados e tudo mais. “Vai tá todo mundo na do Global. Bora pra lá mesmo. É boca livre e brota senha nessa mesa.” Pegou Ray em casa às 23h.

Festa começando, climinha vitrine habitual, todos queriam saber quem era o novo talento com tino pra música e banca de jazz. Ray acabou conhecendo muita gente. Deco, olhando aquela orelha e cabelos, orelha e cabelos, cabelos, cabelos, orelha, acabou bebendo demais e olhando tudo de longe. Ray acabou conhecendo também um fotografo novinho que, vez ou outra, passava no jornal tentando emplacar umas fotos de qualquer coisa que acontecesse. Ele parecia meio desesperado com tamanha oferta, mas até que tinha talento. Conseguiram uma boa oportunidade de trocar nomes quando Deco foi ao banheiro. Sumiram pouco antes das 2h, Deco rodando a festa inteira com duas cervejas abertas esquentando, uma em cada mão.

Segunda-feira-pós-ressaca Thomas, ainda um pouco fraco, se depara, na caixa de entrada de seu email, com um Fw: de título “Obrigada por tudo.” 

Ray se desculpava pela urgência e pela despedida por email, mas a proposta era irrecusável. Viajou às pressas para o centro cultural do país, com uma coluna fixa na Rolling Stone. Agradecia esses seis meses de aprendizado e boa companhia. Terminou desejando sorte e sucesso para todos.

Lá no finalzinho, e só para Thomas, no email dizia:
“Conheci um carinha na festa. Meio maluquinho, topou viajar comigo já que ele não tinha nada por aí mesmo. Estamos meio que em lua de mel. Mas ó, não se preocupa não… to namorando agora mas, casar, só com você. ;P
Valeu a força!”

Com um pesar enorme, Thomas contou a notícia para os seus companheiros. Todos, com um aperto sem tamanho no coração, olharam para a mesa de Ray Charles Ray e sua ausência mais que um atraso. Nunca mais camisas com mitos da música e nem nuca aparente sob cabelo bagunçado. Olharam e ali, no canto, ao lado do teclado, se depararam com um caderninho azul com uma estampa de digital preta na capa.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Boquinha grátis

Sobre uma visita ao aconchego dos lares de um bairro ordinário. Usando apenas o nariz.

Pus os pés na escada de saída do Metrô, veio aquela preguiça, ao imaginar os 20 minutos de caminhada até meu destino. Quanto mais sem música, eterna companheira de momentos entediantes. Saco. Eu sei, sofrer antes é sofrer duas vezes. Mas é mesmo desagradável aquele trecho do Jardim da Saúde: no começo, barracas de churrasquinho fedorentas, lojas de CD tocando Bruno e Marrone a 100 decibéis, ambulantes, pedintes e pedestres caóticos; ao final, a enfumaçada e encaminhonada Ricardo Jafet, avenida ícone da aberração latino-urbana; e ao meio... bem, ao meio há casas. Ordinárias. Nem tão feias assim. Na verdade, têm até um charme singelo de classe média baixa.

Perdido nestas divagações, após um tempo de marcha tive os sentidos invadidos. Pelo nariz. O cheiro era de macarrão. Daqueles da vovó, com molho barato, cozinhado com cebola e carinho. Uma delícia. Vinha da casa pela qual eu passava, o portão entreaberto. Eu quase podia ver através da parede a senhora pilotando o fogão quatro-bocas: uma mão na cintura, a outra mexendo a colher de pau, o ouvido atento às crianças e a cabeça pensando no Reynaldo Gianecchini. Alguém na sala pensava "Oba, macarrão". Umas duas casas à frente, era dia de sopa. De legumes com carne. E caldo de carne. Olhei para o relógio, e só então me dei conta de minha sorte: eram 19h30, hora da janta! E eu tinha aquele caminho todo pela frente, para cruzar bem devagar, participar da cerimônia sagrada no aconchego daqueles lares. Sem precisar pedir licença, rezar Pai Nosso, sem atrapalhar. Mais que um convidado, um filho adotivo. Provei muitos pratos, conheci muitas famílias.

E o caminho que levaria 20, levou bem uns 40, diga-se 50 minutos. E o melhor prato da noite foi o arroz com batata-frita. Estava ótimo! Sorte do basset salsichão que latia para mim do portão, e deve ter ficado com as deliciosas sobras.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

SEIS

Sei que muitos me acharão louco, ao ler o que vou contar nas próximas linhas, mas o mal que me acometera obriga-me a narrar os últimos acontecimentos. Como não quero ter os holofotes sobre mim e os que me cercam, vou com sua licença ocultar meu nome e dos demais envolvidos.
Sempre tive uma vida tranqüila morando numa pacata cidade do interior, nunca fui de muitos amigos, tenho poucos (conto nos dedos!). Cidade pequena é engraçada, sua vida e seus hábitos acabam sendo de conhecimento de todos, querendo ou não. Mas sempre zelei pela privacidade. Trabalho em casa, porque, graças à internet, posso mandar por e-mail meus artigos e crônicas diariamente para o jornal em que atuo. Conquistei essa “mordomia” após anos de muita labuta, cobrindo de passeatas a rebeliões. Há alguns anos escrevo apenas sobre o cenário político da região. No interior poucos têm peito para cutucar os barões! Não preciso dizer que colecionei inimigos. Muitos! Mas, deixemos isso de lado no momento. Não é o motivo por que estou contando essa história. Talvez até seja... Não sei! Desconheço o motivo de quem me desgraçou, se por aflição ou vingança.

Atenta-te aos fatos:

No fim da tarde voltando do mercado, (uma das poucas tarefas em que preciso realmente sair de casa) notei embaixo da porta um envelope, de papel pardo, sem selo e remetente, tinha apenas meu nome. Tirando as cobranças e santinhos de políticos em época de eleição, não lembro de receber correspondências de ninguém.
Abri a porta e depois de alguns afagos no gato, sentei-me confortavelmente na poltrona e abri o envelope, nele havia uma carta, escrita a mão, com uma caligrafia feia, desajeitada. Não imaginei que a desgraça seria parte da minha vida naquele momento. Ah! Se pudesse voltar atrás... Li, sem entender o que era aquilo, porque alguém me enviaria algo do tipo? Tentavam pregar-me uma peça talvez? Decerto que, aquela mensagem, aquelas minúsculas letras malignas, havia me tirado a fome, a tranqüilidade e o sono. O frio chegou de repente, sem aviso! Coloquei uma blusa e acendi a lareira, estranhei, pois ainda estávamos no verão. Fiquei por longas horas tentando descobrir a origem daquela carta. Maldita carta! Atormentava-me, causava em mim delírios, alucinações, tremores. Já era duas, talvez três da madrugada quando desisti e fui me deitar. De repente uma batida forte na porta me fez saltar da cama, levantei e pensei se devia abrir ou fingir dormir. Fui lentamente até a porta, devo admitir, estava com medo, aquela simples carta me causava pavor nunca antes provado. O movimento de girar a chave durou a eternidade. Abri lentamente, numa tentativa ridícula de defesa, piorando a situação com um estridente ranger de porta. Não havia ninguém, tomei coragem e sai até a entrada da casa, e nada! Ah imaginação! Meu medo era matreiro, estava me fazendo ouvir coisas. Ri da minha própria miséria.

Voltei para casa, fechei a porta, e antes que pudesse voltar ao meu repouso, o que vi quase arrancou meus olhos da órbita, sei que não serei capaz de descrever com precisão a face horrenda que se apresentara, e o pavor que senti gravou na minha memória o essencial, não que isso fosse necessário agora. Não sei explicar como, (sem usar o imponderável poder das trevas) adentrou em meus aposentos. Era sombrio, misterioso, suas vestes pretas realçavam a brancura de sua pele, que parecia lisa como porcelana. Seu cabelo era escorregadio, e bem escuro. O homem ou seja lá o que for, fitava-me de uma maneira tão abusiva que sentia minhas entranhas contorcerem. Pensei ser meu algoz. Meu carrasco! Mas ele nada fez... E isso fora minha tortura. A ausência de qualquer gesto ou ameaça... Apenas o olhar. Oh, funesto e devastador olhar. Com dificuldade proferi algumas palavras, desconexas pelo medo. Sem reação. Tentei! Ah! Como tentei livrar-me! Abri a porta, e com o braço apontado para a rua, exigi que se retirasse. Em vão! E no ápice da minha ira sobre o visitante indesejado, parti com fúria em sua direção, e antes de sequer lhe encostar um dedo, fui arremessado bruscamente ao chão. Para meu espanto, e creio agora que assim ficará também meu caro leitor, atirou-me sem mover um músculo. Veludo, meu azulado persa gordo, numa atitude cínica se enroscou nas pernas do homem. E ali ficou. Judas felino! Gritei, chorei, implorei para que partisse, mas piedade era algo que não havia em sua feição.
Quando a loucura queimava meu corpo como febre. Ele apontou a carta. Li, e percebi do que se tratava. Então obstinado, assim estava eu, em salvar-me da agonia, coloquei-me a pensar sobre aquilo. A maldade paquerou-me. Nomes, sobrenomes, motivos! Aquilo havia me transformado. Era eu agora um juiz. Impiedoso! Tudo aos olhares do indigesto visitante. Não é que em algumas olhadelas, ele até parecia-me sorrir? Oh! Criatura demoníaca levastes minha decência...

O prefeito corrupto encabeçou minha lista com aquele sobrenome nojento. Não agüentou tamanha agonia. Morreu pendurado, em seu próprio gabinete. No aconchego do lar, sonhei com aquele porco como um pêndulo, enforcado em sua própria gravata. O segundo me trouxe tanto prazer como o primeiro. Notei os olhos em chamas daquele ao meu lado, ao ver que era um padre, tão impiedoso e desonesto com seus fieis... Abusando da ignorância daquelas pobres almas, conduzindo-os aos interesses dos poderosos. Esse findou louco, ouvi dizer que em um sanatório católico. A loucura também abraçou Anna (vamos assim chamá-la), essa senhora, matou a própria filha num castigo insano. Graças aos tramites da Lei estava solta, perambulando com peculiar empáfia, até (é claro!) receber minha carta. Como também recebeu o senhor que abusava de crianças, mesmo preso, achei que, as grades e aquele cubículo gelado em que vivia ainda era pena muito suave. De uma hora para outra parou de ingerir, entrando em um estado anêmico sem volta, que culminou na sua morte. Dizia haver vermes em suas refeições. E não duvido que realmente o miserável tivesse certo. Para não deixar Anna como única fêmea nessa lista mortal, enviei um envelope para minha outrora amada, que me trocara sem dó. Nesse, fiz questão de por meu nome no remetente, e numa forma de sarcasmo comecei a carta com os dizeres – Minha querida – seguindo assim a mensagem:

Quando a porta atravessar,
Estarei a esperar;
Ao olhares pela janela,
Estarei a observar;
Na luz do dia ou no crepúsculo,
Estarei a te acompanhar;
Como em seus sonhos e pesadelos,
Ainda me encontrará!
Torna-te minha propriedade,
E não há como escapar;
Sem em barganha da sua,
Seis almas apresentar!

E assim, livro-me de minha peste. Já o vejo, de pronto na porta. Vai-te demônio! Agora tu predestinado leitor, conhece a composição demoníaca que havia naquela carta. Aos outros, tive por vingança retirar por conta o ultimo verso. Mas nesse caso não vejo motivo qualquer para tamanha crueldade. Como talvez não tivera quem me praguejara com tamanha maldição. Por fim, não precisa esforçar-te muito com cálculos matemáticos para saber que, para salvar-me da agonia me carecia apenas um...


Conto de Fernando Ferric - Col. Impossível

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Beijo na boca...

É coisa do passado, agora a moda é namorar pelado clube de compras. Tô viciada nisso e vou tentar viciá-los também:

As que têm lojas físicas em SP são a Sample Central (você paga R$ 15,00 por ano, agenda a visita e retira até 5 produtos na loja, pode ir quantas vezes quiser - ou conseguir agendar) e a Clube Amostra Grátis (a anuidade é mais cara (R$ 50,00), mas os produtos são mais bacanudos. Você não precisa agendar a visita (a loja estava vazia) e pode levar até 5 produtos por mês). Apesar do nome, os produtos não são amostras grátis, são do tamanho real, exatamente como são ou serão vendidos. Nos dois casos você precisa responder um questionário super simples e rápido sobre cada produto que você levou antes da próxima visita.
Quem não mora em São Paulo pode se cadastrar no tryoop e solicitar o produto que interessa, eles entregam em casa sem custo (mas ainda não consegui fazer nenhum pedido).

Também existem sites que oferecem descontos diários em restaurantes, massagem, passeios, teatro, etc. O problema é que o desconto tem hora pra acabar, você precisa pensar rápido. O bom é que você não paga um centavo, só precisa fazer um cadastro bem simples e rápido e eles funcionam em quase todo o país. O meu queridinho é o Clube Urbano . O site é ótimo, e eles ainda pagam 12 reais por cada compra que algum indicado seu fizer. Já comprei mil coisas nele e sempre fui feliz. Outro bem tentador é o Peixe Urbano . As promoções são legais, mas quando tento navegar no site ele muda meu estado para RJ, eu fico putíssima e desisto. O Click on é outra opção, mas ele nunca reconhece minha senha. O Coletivar também tem promoções, mas não consegui me cadastrar. Tem também a Groupalia , a Oferta Dia , a Ofertax , o Clube do desconto , a Oferta Única e outros. Pra você que não quer receber milhões de e-mails todos os dias, fica a dica do Zipme que te manda em um só e-mail todas as promoções dos sites acima.

Boas compras!
#obrigadamastercard

PS. Mals ae pra quem prefere namorar pelado a uma promoção.

domingo, 22 de agosto de 2010

(O vazio do) Domingo de manhã.



Aos quatro eu não o compreendia. Aos treze eu o achava um pé no saco. Aos dezenove comecei a entendê-lo.
Hoje, aos vinte e um, passo a sentir sua falta.

Adeus “SEusébio”, simpático vizinho, senhorzinho de olhos azuis que, ao lado de seus gatos, tocava Menino da Porteira em seu cavaquinho ligado ao amplificador aos domingos de manhã.

Vá em paz.

sábado, 21 de agosto de 2010

Como escrever outro best-seller (Gilberto Amendola)

Caros amigos, o texto do Gilberto Amendola será publicado extraordinariamente hoje, dia 21, mas vocês podem continuar acompanhando todo dia 02.

A verdade é um treco desprezível. Não conheço ninguém inteligente que acredite nela. Portanto, só um sujeito talentoso pode mentir com tanta solidez. Sorte de quem acredita em mim.

Silêncio, por favor. Desliguem os celulares.

Antoine precisa de um ambiente harmônico para se manifestar. Vamos pensar em coisas positivas: uma rosa, um rio de águas calmas, uma cachoeira, uma borboleta, uma mãe amamentando...

Sempre tem um olhar desconfiado, um cético filho da mãe para cortar o meu barato. Mas estou protegido atrás de um Ray-Ban. Preciso segurar minha vontade de rir. Sou melhor ator do que escritor. Eu acho. Meus críticos concordam. Meus leitores, não.

Vou vender 1 milhão.

Menos do que isso, seria uma decepção. Saca como Michael Jackson ficou depois que o álbum Bad não repetiu o sucesso do Thriller? Pois é...

Gravando.

A luzinha vermelha piscando. Coloquei um som. Brad Mehldau executando Everything In Its Right Place, do Radiohead. Vou pagar de sofisticado, chique e dono de um leve acento pop. Não conheço ninguém assim no Brasil. Vai ficar bacana na tevê. Espalhei uns incensos pelo quarto também. Odeio. Mas meu editor disse que funciona. Fede, mas é cool.

Desculpe. Tem muita gente. Eu nunca fiz isso em público. Antoine é um espírito elevado. Só se manifesta quando se sente acolhido.

Confesso que me diverti com o desespero da produtora. A baixinha empinava os peitões e andava de um lado para o outro como se o mundo fosse acabar. Eita, gente pra se levar a sério...

Na minha concepção, Antoine é um espírito romântico, um James Dean kardecista. Um sujeito irresistível (embora defunto). Depois do meu primeiro livro, O Coração De Um Jovem Morto, muitas mulheres se apaixonaram por essa alma penada. Não raro, confundem as estações.

Eu, que sou apenas o veículo, o cavalo, o iPod de um espírito charmoso, vivo me dando bem com leitoras e fãs. Quem sabe, mais tarde, eu não levo essa produtora para conhecer o meu flat.

A luzinha vermelha está piscando de novo. Fico em silêncio por uns dois minutos, respiro fundo e começo a rabiscar um papel.

2

Me chamo Antoine porque minha mãe era miss e o seu livro de cabeceira sempre foi o Pequeno Príncipe. Cresci ouvindo que era responsável por tudo aquilo que eu cativasse. Só não me ensinaram a cativar com mais prudência, pé atrás e sabedoria. Sempre amei feito um doente. Ah, isso, é claro, enquanto eu estava vivo.

Não, não, não fique com dó. Do alto da minha morte, me sinto autorizado a dizer que morrer é um saco. Quem era idiota continua idiota, quem era escroto continua escroto; quem era corintiano continua corintiano. E o pior: as garotas lindas ficam magras e pálidas - triste essa coisa de perder as curvas. Portanto, se você busca consolo de um morto-vivo, não é com esse moribundo que você vai encontrar. Não mesmo.

Ficaria na minha, remoendo minhas paixões no escurinho desse sono eterno, se não me sentisse provocado por esse sujeito, o Lúcio (acho que esse é o nome dele). Coitado, não sabe o que está fazendo, não acredita em mim, acha que me inventou.

A morte e o amor são cafonas. Não deveríamos amar, não deveríamos morrer. Por isso, escolhi escrever, ou melhor, incorporar em um escritor de livros de autoajuda. Se o babaca do Lúcio for esperto, vai ficar rico.

Abro mão dos meus royalties, não tenho mais onde gastar. Só quero ir junto para Paraty, conhecer o Saramago, jogar bola com o Chico Buarque e admirar a beleza dessas escritoras iniciantes.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Realidades

Trabalho, amigos, bar, faculdade, música, livros, algumas bebidas... Aprendi quem eu era nesses ambientes, talvez por isso eu seja meio tosco. Tenho certa dificuldade em relacionar com a minha família. É difícil, por exemplo, quando num churrasco de familiares me deparo com pessoas que dizem ter o mesmo sangue que eu, mas me fazem ter certeza de que sou um alienígena adotado, tamanha minha não identificação.

Minha família só consegue debater sobre assuntos rasos, brigar por futebol, especular sobre os BBBs da vida e personagens de novelas, tudo isso ao som de rebolation. Não pertenço à realidade deles, não que eu queira manter um diálogo sobre a orelha de Van Gogh, mas não dá!

Por isso, nesses eventos me mantenho calado, reforçando a imagem de anti-social e alienado. Com o tempo conheci pessoas como eu.

Teve um tempo que fiquei muito triste com a situação, sem vínculos, me sentindo só. Procurei ajuda em religiões. Fui na Arte Mahikari, mas me cobraram 400 reais para ser aceito. Então fui num templo budista tentar meditar, mas uma mestiça gostosíssima sentou do meu lado e não consegui mais buscar o nirvana. No centro espírita (sou um promíscuo espiritual) era legal, mas tinha bolinhos a cada meia hora e eu não conseguia prestar atenção na palestra, pensando na próxima fornada.

Desisti. Minha família é uma pequena célula exemplificando o brasileiro médio. Seduzido por formas e nenhum conteúdo. Fico triste. Veja o infográfico:



O mais próximo que minha irmã conseguiu chegar da filosofia e do existencialismo foi no filme Matrix, apesar de não ter entendido nem 10% .Conversando com amigos dia desses, falamos sobre essas coisas e, como estou meio sem criatividade, resolvi escrever sobre o assunto.

Me veio a mente o Mito ou Alegoria da Caverna. Como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade. Vou ali tomar uma pílula vermelha.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Ser mãe é ótimo...

...mas esse cansaço na alma é foda de aguentar. E nem dá pra parar tudo no fim de semana, tirar uma folguinha restauradora, ir lá fora por 5 minutos, tomar banho sem pressa, dormir durante a noite, cochilar durante o dia, enfim, não dá pra descansar.

Será que algum dia eu vou relaxar de novo ou essa sensação de plantonista é pro resto da vida?

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O Censo e o Senso

O Absurdo me incomoda. O Camus também. Eu li O Estrangeiro e gostei muito, mas perturba. Deu mais vontade do cara e li A Queda. Devia ter parado no gostei com o estrangeiro, eu não sabia o que era perturbar. A queda me horrorizou a ponto de eu ficar uns 20 minutos sentado quando acabei sem saber o que fazer dali pra frente. Mas como eu não tenho vergonha nem coragem escapei do transe e a vida(?) seguiu. Domingo último assisti um programa que citou outra obra dele, O Mito de Sísifo. Gostei do que a mulher dizia o livro abordar e comecei a ler hoje. Faltou essa velha puta dizer que o livro não dizia só aquelas coisas legais e esperançosas das quais ela usou pra conduzir a palestra, sei que faltou também eu lembrar dos murros que o Camus me deu, mas como a minha memória segue o dono, e sendo assim não passa de uma covardona, esqueço sem remorso e culpo a velha. O problema é que com esse último a surra é bem mais pesada, e eu não cheguei nem na metade.
Não bastasse as minhas dúvidas e desânimo, falta de sentido e questionamentos, chega esse cara e reforça tudo isso com lucidez e didática impressionantes. E o pior, não te dá alento. Esperança? não Eduardo, isso não existe. Teu Deus? não existe. Achar sentido no mar de falta de sentidos? pára que é perder tempo, trouxa. É o Absurdo, ele. Aceite e trate de conviver. Mesmo por quê isso não depende de você, quer queira quer não ele vai continuar aí. Assustador. Cogitar a ideia de criar coragem e aceita-lo mais ainda.
Eu sempre tive esperança, sempre. Mesmo quando o breu domina. Acho que é por quê eu deva ter a alma simples, ser uma pessoa simples, sem nada de realmente grande e importante. Deve ser por isso que sempre me dei bem com os trabalhos simples e funcionais que arrumo, sonho bastante (e faço pouco) enquanto me ocupo feliz com algum trampo inútil. Só que de vez em quando contra a minha vontade vem a tomada de consciência (o transe lá de cima), e fode com tudo.
Camus era argelino, seu pai morreu quando ele tinha 1 ano na 1º guerra. Foi morar na casa da vó junto da mãe, irmão mais velho e um tio meio surdo. Se não fosse dois professores ele teria largado os estudos pra trabalhar na oficina com o tio, e assim ajudar sua mãe que lavava pra fora. Quando acaba de se formar a tuberculose não o deixa ser professor. Foi expulso do país pelos ensaios/denúncia que fez abordando a crueldade do governo francês com os árabes. Foi pra França. Sozinho. Mulher e filhos ficaram na Argélia presos por causa da guerra. Um de seus filhos morre em 1960. Ele também, num acidente de carro. Dizem que ele gostava do ambiente da oficina do tio, e das melhores lembranças de lá ele guardava em especial a camaradagem dos operários. E foda-se, é nisso que eu vou me segurar Camus.
E amanhã quando eu tocar a campainha da casa torcendo pra senhora ser rápida por quê tempo é dinheiro, vou perder mais alguns minutos da vida e escutar ela dizer que o filho de 38 anos não tem renda por quê é inválido em consequência da cirurgia que retirou quase o estômago inteiro, e vou continuar ouvindo mesmo sem ter perguntado porra nenhuma pra ela que o INSS cortou o benefício já que ele não usa mais bolsa de colostomia, embora ainda podre.
E vão ficar nós três ali, a senhora esperando o alento, eu sem saber que caralho dizer, e o Absurdo.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

As obrigações nossas de cada dia



Lendo o texto do Lucas Guedes neste blog, mais especificamente na parte que ele fala sobre a obrigação de escrever uma crítica de tudo que lê e assiste, passei a notar todas as obrigações que eu mesma me imponho.
Faz muito tempo, muito tempo mesmo, que não leio um livro pelo doce e absoluto prazer de ler. Isso porque, por trás do ato da leitura, sempre há uma amarga obrigação, por mínima que seja, em cada letra percorrida. Pode ser escrever algo a respeito, saber mais sobre determinado tema, aumentar minha lista de projetos de leitura terminados ou (malditos tempos da faculdade) fazer fichamento/resenha do conteúdo.
Ao contrário de muita gente que eu conheço, planejar ações e ter um cronograma passam longe de mim. Em viagens, embora eu teime em arrumar uma programação, deixo tudo correr. Mas em cada minuto, pesa-me a obrigação de aproveitar cada segundo, visitando todo e qualquer ponto turístico, encontrando todos os amigos moradores do local. Os minutos esgotam-se diante de tantas “tarefas”: comprar souvenirs, tirar fotos, absorver tudo que esse novo lugar me apresenta de incomum. Tudo para que as lembranças da viagem (não só as compradas, mas de certa forma adquiridas) não escapem do meu peito. O que resulta dessa minha tentativa é quase sempre uma guria exausta, fatigada da penosa sensação de não ter ficado realmente em lugar algum, de não ter sido inteira em nenhum momento.
Estou num curioso momento de transição, sem saber, com certeza, meu próximo passo. Por isso, imponho-me a obrigação de concretizar tudo o que planejei (ou tentei) para esse momento de latência. E, adivinhem? Ainda não consegui fazer nada do previsto. Li pouco (as revistas nem desencaixotei e os livros o fiz apenas hoje, um mês após minha chegada). Não fiquei tempo suficiente com meus pais, não espremi o tanto que eu queria minha irmã. Não aprendi a fazer a unha, não fiz panquecas, tampouco me matriculei na academia.
Da próxima vez, planejarei coisas menos grandiosas. Algo como: viver. Mas viver com aquele sabor doce de não ter obrigação alguma.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Astronauta

"E os outros todos, que vês reunidos,
semeadores de escândalo e heresia
em vida, aqui por isso são fendidos"
 
Talvez por isso não enxergam além da Marginal, tão preocupados em defender suas mentiras, esquecem que nas noites frias há mais cores e que escondê-las torna-se uma auspiciosa tarefa.
 
O mais fácil é o desbotamento.
 
O sangue não é estancado por acaso, caso contrário, não haveria uma nova chance ao covil de madeleines chocadas com a imagem confusa do espelho que não se deixa enganar por maquiagens e blackberrys inquietos.
 
Brands apenas nos desviam da Luz, que poderia ser um conselho de Marilyn Manson à Lady Gaga ou mesmo de Axl Rose. Creio que necessitamos de afetados. Pois, eu não sou niguém e vc provalvemente idem.
 
Amanhã, as luzes serão apagadas, o meu esforço será em vão. Voltarei ao liquidificador e executarei tudo do mesmo jeito catártico e taquicárdico.
 
Então chupe!
 
 

domingo, 15 de agosto de 2010

Doce amargo

Minha amiga brasileira e eu passeávamos pelo centro de Chicago, quando ela interrompeu o raro momento em que não estávamos tagarelando para comentar: 

— É preciso ser muito homem para andar assim, em público.

Só entendi o que ela quis dizer, quando virei a cabeça e vi dois caras caminhando de mãos entrelaçadas do nosso lado.

Admirada e com um pouco de inveja — casais felizes me provocam inveja —  concordei. E, ainda encantada com a cena, comecei a filosofar com a minha amiga sobre a ironia de um gesto tão simples como aquele ainda ser um grande tabu para tanta gente. 

Continuávamos a caminhar ao lado do casal enquanto levávamos adiante o nosso assunto, que passou a ser coragem. Eu dizia que era fã de pessoas que assumiam aquilo que as fazia feliz, assim, sem alarde, indiferentes à ignorância e falta de compreensão alheia.

Minha amiga concordava comigo e iria acrescentar a sua opinião, mas cortei o assunto quando escutei um pastor (ou seja lá como se chama esse tipo de pessoa, tão comum aqui, que prega efusivamente sobre salvação e apocalipse nas calçadas) gritando:

— And the Lord says that there's no place in heaven for homossexuals.   (E o Senhor diz que não há lugar para homossexuais no céu).

Meu inglês e raciocínio são falhos, mas foram suficientes para eu entender, no mesmo segundo, que ele estava se referindo àquele casal de homens, que passava sem querer ofender a ninguém. Antes mesmo de conseguir expressar minha indignação com a minha amiga, que não tinha se atentado ao que estava acontecendo, ouvi um dos homens do casal retrucando:

— And you say that based on what? Have you ever spoken personally with God? (E você diz isso baseado em que? Você já conversou pessoalmente com Deus?)

Curiosa pelo desfecho mas não querendo dar bandeira, olhei para trás discretamente e sem parar de andar, tentando ver o que o pastor responderia. Ele apenas deu de ombros e sorriu amarelo, sem argumentos. 

O casal não criou caso. Seguiu o seu caminho ainda de mãos dadas, indiferente. Eu, que não atingi o mesmo nível de evolução, me senti realmente ofendida. Quis voltar para esganar o pastor. Quis abraçar o cara foda que colocou aquele imbecil no seu devido lugar. Mas me lembrei que eu era covarde e que imbecis nunca aprendem a lição. 

Então apenas continuei a andar... digerindo mais uma vez um misto de nojo e orgulho por fazer parte da raça humana.     

---------

Ah, a propósito, meu nome é Camila Rufine Machado. Sou nova por aqui, mas já acompanhava o Blog das 30 Pessoas. Sou natural de Campo Mourão, interior paranaense. Graduei-me em Jornalismo e Secretariado Executivo em 2008, mas até outubro trabalho como Au Pair em Chicago, nos Estados Unidos. Escrever, desde sempre foi meu vício-terapia e acho que é justamente para não estragar a graça disso que eu não consigo mais me imaginar ganhando a vida como Jornalista. Também participo dos blogs Não-enviadas  e Gelo em Marte


sábado, 14 de agosto de 2010

Comum


João Avelaneda me disse que tudo isso foi por eu estar cansado e a vida acadêmica não me oferecer mais desafios, o que reafirmo aqui não ser verdade, pois eu ainda seria capaz de encontrar desafios intelectuais se não estivesse a ponto de mandar tudo pra puta que pariu. O João Avelaneda inclusive. Eu devia chamar ele só de João. As pessoas comuns não sabem o sobrenome umas das outras, mas João é um nome comum, alguém poderia confundir. Eu devia mesmo é arranjar um apelido pro João, mas ele não tem nada que valha a pena dar um apelido. “João da Sociologia”? Foda-se, eu não estou afim de falar com o João.

Eu é que devia me chamar João.

Meu nome, porém, é Maximiliano. Meus três sobrenomes, se você não sabe também não interessa. Quem tem um nome como Maximiliano não devia nem ter sobrenome. Eu tenho três. Três sobrenomes e nenhum apelido. Sempre odiei “Max”; anglicismo que me arrepiava a espinha. Tampouco poderiam me chamar de o “Maximiliano da Sociologia”, ainda mais que eu nunca cursei sociologia – me graduei em filosofia e conheci o João pelos corredores da faculdade. Nos tornamos amigos, embora ele sempre censurasse minhas idéias sobre o homem comum, dizia que eu tinha uma idéia equivocada, fora da realidade. Eu nunca disse que o meu homem comum era real. Era apenas uma idealização: a representação homem comum que existe apenas no imaginário do homem comum real. Um homem comum que nunca somos nós nem ninguém que conhecemos e ainda assim juramos que existe, esta aí, dizendo bobagens, fazendo qualquer coisa que os outros homens comuns também estejam fazendo e que seja a última moda, embora seja sempre apegado a tradições e costumes arcaicos. 
Àqueles que já lerem algum de meus livros ou artigos sobre o assunto, peço desculpas, mesmo sabendo da improbabilidade de haver alguém aí que já tenha me lido. Nunca criei grandes desafetos nem inspirei grandes paixões e por isso fui simplesmente ignorado pelo meio acadêmico. Agora não guardo mais mágoa, esse é o último texto que escrevo. Será meu manifesto pelo direito de não ter que me manifestar. Se vou me alienar por alguma coisa, não vou me alienar por causa de livros, vou me alienar pela TV, pela cerveja, por futebol, por prostitutas, por Jesus. Vou ser o homem comum – o meu homem comum. Encarnar de vez o personagem; mais que fazer parte da média, eu serei a média em pessoa. O único homem no mundo (ou pelo menos na Grande São Paulo) a ser completamente, indubitavelmente, indiscutivelmente comum.

Meus inimigos, se os tivesse, me acusariam de preguiça, falta de caráter, incompetência, mas estariam completamente enganados. Ser o homem comum tem exigido muito de mim. Não é uma tarefa fácil a princípio, ainda que eu espere que vá ser tornando cada vez mais fácil, até fazer parte de mim, até o ponto de não ter mais volta, de ser instintivo. Por enquanto não posso ser preguiçoso nem incompetente. A falta de caráter é indiferente para o meu propósito.
Tenho que primeiro superar meu nojo construído durante anos por produtos da cultura de massa e da cultura popular (me falta um termo melhor) – um nojo que vem de berço. Preciso parar de ser crítico quando ouço opiniões, preciso pensar como a massa quer que eu pense, como a massa crê que eu pense. O homem comum não tem opiniões próprias, age sempre por instinto ou por burrice. Em suma, o homem comum está sempre errado. O problema é que meu cérebro não foi treinado para estar errado, mas é algo que estou trabalhando.
Estou obtendo bons resultados em algumas áreas, apesar de alguns erros bobos que cometo. Na minha primeira visita ir à igreja, acabei no meio de uma missa de sétimo dia, o que não era minha intenção, mas consegui chorar por uma garota desconhecida morta em um assalto e ao final me juntei ao coro de senhoras que clamavam por justiça. Mais tarde comi uma feijoada pois era quarta-feira. Até agora, comer tem sido a parte mais fácil e mais prazerosa.
Ainda não decidi qual emprego escolher. Afinal, qual seria o emprego do homem comum? Pensei a princípio em ser pedreiro, mas minha força física é ridícula, tantos foram os anos de sedentarismo bibliófilo. O mais provável é que vá de um emprego para o outro para o outro para o outro. Fazendo bicos, como dizem.
  
Agora me despeço, alonguei-me desnecessariamente. Vou ali viver a vida; sei que vocês pensarão em mim a cada notícia de tv, a cada conversa de bar. Eu tentarei não pensar em nada. Fiquem com Deus. Adeus.           

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Sexta-feira treze


E de repente chegou o dia treze e o terror confirmado de não ter pensando num texto para pôr aqui. Então pego, ligo a webcam e você está offline. Mando mensagem dizendo que estou aqui, pois ando com esperança, e você responde, minutos depois que chegou agora e vê aquele filme, que talvez eu tenha visto, aquele cujo título me escapa, já que nos embaraçamos em longas conversas. Digo do texto que não fiz. Você me sugere o horror das sextas-feiras 13. Eu digo que já escrevi sobre isso e você indaga, por que não uma continuação? Tenho a idéia de treze fotos colhidas por webcam, você acha ótimo, e escolhe o dia três e faz aquela careta incrível, com três dedos erguidos. Copio e colo essa tela. Peço online a amigos fotos que não me dão. Você me repreende, então tem tudo isso de gente aí nesse seu msn? Nosso sentimento de exclusividade vai de repente ficando mais evidente. Você me relata cantadas e eu as minhas e baladas e convites e já estamos conversando, sobretudo, sobre nós. É tarde. O texto não veio. E começa a esfriar. Fala da minha saúde, da rotina dos dias, do passeio que teve junto ao mar. E falamos do que temos. Domingo agora é dia de te ver, de vermos filmes, de andarmos um pouco juntos. Reclamo que me devora o tempo e que o texto não sai pois só falamos um ao outro como se não houvesse essa distância, curta, mas ainda assim distância. E já é quase noite. Já me despedi três vezes, você me avisa e continua dizendo que vigia meus silêncios nesses frames lentos da webcam. Esqueço de ir tomar o café. Rimos. Rimos sempre.

Um conto meu principia com a frase: "O primeiro sintoma da loucura é a alegria".

Definitivamente não, não tenho nada para escrever sobre os horrores da sexta-feira-treze. Estou indo em breve para o Rio. Tudo é incerto sob o sol. Há esse Jason com a faca em riste. Mas eu só quero saber de você e da Angelina Jolie pendurada no ar como uma aranha. O que me interessa é só você e o possível sol do domingo, 15, que faremos existir, se não houver.



quarta-feira, 11 de agosto de 2010

?

Mas tudo q vc disser agora pode ser interpretado, por isso te peço, por ora, sem respostas. Deixe q eu fale por último. Vc já está na sua. Fique aí, tranquilo. Deixe q parta daqui a palavra final, q ñ venha a reverberar imediatamente. É só o q te peço. Guarde tudo o q combinar comigo. Imprima, ñ apague. Daqui a um tempo, me entregue. É o melhor q vc faz. O momento é de poucas palavras, mta reflexão, transpiração mesmo. Sono mal dormido, mente lotada, essa é a hora. Hora do qto menos vier de fora, melhor. Calma, nada de julgamentos de minha parte. Só compreensão, abertura de cabeça, felicidade incontida pelo outro, angústia incontida pelo peso do mundo q ora vem, ora vai... Do céu ao inferno em 10 segundos. Nada mal para alguém como eu, sempre estável. É hora, portanto, de ampliação, de novas vivências, de testar limites. Confuso, ñ? É assim q é. Mas relaxa, vc está tão dentro qto fora disso. Te quero feliz, e só. E, por favor, ñ jogue nada do q combina comigo fora. Um dia, mto em breve, vc vai poder me entregar tudo, sem q isso pese de alguma forma em mim. Até lá, deixe q venha daqui a indefinição final, a palavra incompreendida q sai por último e, inevitavelmente, abre um monte de portas, um mundo de interrogações.


segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Uma verdadeira dama


Ontem acordei querendo a minha cama. Aquela distante alguns milhares de quilômetros, com o colchão duro demais naquele quarto pequeno lotado de caixas com meus cadernos do colégio, textos da faculdade, bichos de pelúcia canadenses e pertences valiosos e impossíveis de descartar que já escaparam da minha memória.
Não estou acostumada a querer essa cama e suspeito que o mal-estar estomacal, atualmente o maior problema diplomático entre Brasil e Turquia, seja o grande culpado dessa vontade que, convenhamos, já passou.
O 5º Congresso Mundial da Juventude tem uns 1200 delegados de uns 150 países. Muitas floras intestinais estão padecendo com o intercâmbio bacteriano, mas a delegação brasileira parece ter sido especialmente afetada pelo choque cultural. Somos apenas 11, mas mais da metade agora tem como tema majoritário de conversas o estado físico e emocional dos respectivos intestinos. Trocamos confidências, abraços e dicas durante as refeições ou pelos corredores.
A revolta delgada e grossa ganhou fôlego no momento menos oportuno: os projetos de ação. Cada “aile” (família nas quais os delegados foram divididos) viajaria para um canto diferente na Turquia durante quatro dias para trabalhar voluntariamente em projetos locais. Por motivos de força maior, quase todos os brasileiros tiveram que desistir da ideia de passar várias horas dentro de um ônibus sem banheiro.
A família Kestane Sekeri, à qual pertenço, saiu de Istambul e veio para Manisa, uma cidade perto do Mar Egeo. Fomos batizados com o nome de uma comida que antes haviam dito que era doce, mas depois explicaram que era salgada. Estivemos dentro de um ônibus das 9h às 17h, com direito a cruzar o Mar de Mármara em uma balsa e parar em um shopping mais sofisticado que o Graal para almoçar. Encontrei um purê de batatas providencial e passei o dia bebendo Coca-Cola, a indicação do meu pai para combater a desidratação.
Mas por aqui não faltam remédios caseiros que garantem ser tiro e queda. Quase topei comer uma colher de chá de café turco em pó com limão, mas preferi uma pílula de carvão e o combo aspirina+refrigerante, ainda que isso tenha me custado um discurso dos esquerdistas radicais sobre como a Coca-Cola é tão cruel que é impossível que ela possa me fazer bem. Não entendi direito qual é a mágica do carvão, mas dizem que ele “absorve tudo”.
Tanta coisa interessante para dizer sobre a Turquia e eu aqui compartilhando detalhes sobre cocô...
--Bônus: cinco parágrafos soltos que não mencionam dejetos sólidos nem líquidos—
Istambul tem 2.500 mesquitas. Todas elas se fazem ouvir pelo menos 5 ou 6 vezes ao dia, nos horários em que os muçulmanos devem parar o que estão fazendo e rezar em direção a Meca. Que coincidência, acaba de começar o chamado do último horário de reza.
Em Manisa somos 24 pessoas dos seguintes países: Brasil, Canadá, EUA, Argentina, Bangladesh, Marrocos, Alemanha, Albânia-Itália, Paquistão, Egito, Palestina, Iêmen, Polônia, Nigéria, Geórgia, Austrália, Nepal. Devo ter esquecido alguém.
O café-da-manhã inclui tomate e pepino. Todo. Santo. Dia. De vez em quando comemos batata frita nas três principais refeições. Comíamos, é claro, mas prometi não abordar esse assunto.
Meu turco ainda vai me levar longe. Sei dizer “olá”, “tudo bem?”, “meu nome é Carolina”, “eu sou do Brasil”, “eu sou jornalista” e, por fim, “eu não sei falar turco”. É o suficiente para ganhar a simpatia dos seguranças do campus e motoristas de ônibus, além de descontos em lojas.
Domingo quase dei de presente para o meu pai um genro argentino. Sebastián e eu havíamos sido escalados para o papel de noivos num casamento típico turco. No fim, para evitar ensaios, trocaram os noivos e fomos só coadjuvantes suados (suspeitamos que os casamentos só acontecem no inverno, dada a quantidade de peças de roupas nas quais fomos enfiados). Papai, pode respirar aliviado!

domingo, 8 de agosto de 2010

Sorte e Azar


Tem gente que tem sorte, tem gente que dá azar. Tem gente que tudo dá certo e tem gente que tudo dá errado. Eu não tenho nem um nem outro, sou parte da grande e esmagadora maioria, onde tenho dias de sorte, que não é suficiente para ganhar na loteria, e dias de mais azar, mas não chego a ser atingida por um raio.
Quando você conhece mais gente, mais mesmo, muita gente, não a sua panelinha, e começa a ouvir histórias e mais histórias, fica difícil não achar que sorte vale alguma coisa, ainda que respeito. Seria a sorte uma explicação para a vida, ou o funcionamento do universo?

Um exemplo rápido: um paciente de onde trabalho. Um amigo morreu de overdose na casa dele, os pais se revoltaram e o colocaram para fora. Ele foi morar na rua e depois foi pra um albergue, onde alguém arranjou encrenca com ele ( ou ele com alguém ). Ele acabou expulso do albergue, e foi parar lá na clínica onde eu trabalho, junto com um amigo, para fazer tratamento de dependência clínica. O "amigo" acusou ele de roubar a clínica e foi aquela confusão.
Já seria muito azar pra uma pessoa só, mas como se não bastasse, na hora do almoço, alguém que não enxerga muito bem comeu o almoço dele, ele ficou sem.

E eu com tudo isso? Eu evito passar debaixo de escadas, quebrar espelhos e tenho um trevo de quatro folhas. Aliás, quem quiser um, tem um monte num canteiro na minha própria rua.

sábado, 7 de agosto de 2010

Entre ser e estar

Estou morando na Escócia. Dando aulas de português para escoceses. Ok, nem todos são escoceses, mas isso, agora, nem importa.
O que eu queria falar é que meus alunos têm a maior dificuldade pra entender a diferença, tão óbvia para nós, entre o verbo ser e o estar. Pra eles é tudo verbo to be e dá no mesmo.
Pra mim, não dá. Ser triste é muito diferente de estar triste. Ser feliz é completamente diferente de estar feliz.
Por outro lado, acho que o verbo ser, muitas vezes, acaba sendo uma espécie de sentença. É com o verbo ser que a gente rotula as pessoas: "fulana é isso, ciclana é aquilo".
E, assim, com o mesmo verbo ser, a gente esquece o que é mais bonito no mundo, como disse Guimarães Rosa: o fato de que as pessoas não estão terminadas, elas afinam e desafinam, elas mudam. Elas estão, estavam, estarão...
Então, se fosse pra escolher um verbo só, eu ficaria com estar.
Estar ou não estar, eis a questão?

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Como criar um texto na hora do almoço

Contos de uma metrópole desvairada

Como criar um texto na hora do almoço? Anotando o que o seu ouvido é capaz de “sintonizar”, como se fosse um rádio. Bom, vou discriminar o lugar, um restaurante self-service, para vocês entenderem melhor:


Mesa 1 – Casal recém casado
Mesa 2 – Um sujeito neurótico, macrobiótico obcecado
Mesa 3 – Grupo de executivos,
Mesa 4 - Duas amigas
Mesa 5 – Grupo de estudantes
Mesa 6 – Freiras

A história:

Mesa 6 – Senhor, obrigada pelo alimento
E abençoa quem plantou, quem colheu...
Mesa 1 – Quem podia imaginar que isso ia dar tanto certo?
Mesa 3 – Um brinde ao nosso sucesso!
Mesa 4 - Mas olha, tenho que te falar uma coisa
Mesa 2 – Hmmm, hmhmmhm
Mesa 1 – Só que agora, como vamos pagar aquelas outras contas, sabe?
Mesa 3 – Banco
Mesa 5 – Oi? Alô?
Mesa 4 -Não entendo o que você quer dizer
Mesa 2 – Assalto
Mesa 4 – Isto é
Mesa 2 – um belo, hmhm, de um assalto
Mesa 4 – Queria poder ter te dito antes mas...
Mesa 3- Outro banco?
Mesa 6 - Misericórdia...
Mesa 2 – Bancos..hmhm...Odeio bancos,hmhm, todos eles.
Mesa 1 – É preciso mais para nos sustentarmos, o que temos não é suficiente
Mesa 3 – Mas outro banco?
Mesa 1 – Qual o problema? Já deu certo uma vez, deu pra sair da crise pelo menos
Mesa 5 – Você não tá entendendo
Mesa 4 – Não consigo mais guardar isso comigo
Mesa 1 – è muito dinheiro
Mesa 5 – Preciso de um emprego de verdade
Mesa 3 – Bom, eu acho que podemos conseguir muito lucro desta vez
Mesa 1 – É difícil, mas concordamos em passar por isto juntos
Mesa 5 – É eu também, eu não agüento mais ser explorado
Mesa 2 – bancos... hmhm...odeio eles, todos eles, hmhmm
Mesa 6 – Façamos juntos mais está ultima ação
Mesa 3 – Ok, por mim tudo bem
Mesa 1 – Tudo bem, vamos
Mesa 3 – Tchau, até mais
Mesa 2 – Hmm, hmhmm
Mesa 4 – Te amo
Mesa 6 – Amém
Mesa 5 – Beijo, me liga

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Boas Novas

Eu tive um rendimento escolar mediano. Ok, na verdade foi medíocre. Ainda assim, sempre me diziam que eu era inteligente. Eu nunca acreditei. Certa vez uma professora escreveu assim na minha prova: “Marcela, você é muito inteligente, pena que dessa palavra você só aproveite o int.” Nunca entendi se aquilo era um elogio.

Como eu podia ser inteligente se meu boletim era uma coleção de notas vermelhas? Se eu sempre ficava em recuperação? Se eu não consegui passar nem no vestibular para Letras? Tá, era USP, mas é pouco concorrido e eu necas de passar. Sabia que eu era boa em algumas coisas, mas nada que desse dinheiro. Quem remuneraria meu maravilhoso dom de reconhecer um tom de voz? Na faculdade eu fui melhor, mas eu fiz Rádio e TV. Se você não for bem em um curso que é praticamente só trabalho em grupo, se mata, né?

Esse ano eu resolvi que seria diferente. Eu iria estudar, mas de verdade mesmo, sem aquela coisa de estudar 15 minutos e assistir TV nos outros 45. Estudaria toda a matéria do edital, seja lá qual fosse ele. Gente, é uma vergonha uma pessoa adulta enroscar em uma conta de dividir, não é? Eu enroscava. Perdia minutos preciosos da minha prova refazendo a mesma conta várias vezes.

Precisei voltar lá atrás, estudar divisão com decimais, mínimo múltiplo comum e aquela coisa toda que eu deveria ter aprendido na terceira, quarta série. Foi bem chatinho, mas valeu, passei nos quatro concursos que eu fiz. E nossa, como é bom. Como ninguém tinha me dito isso? Sabe qual era minha vontade? Minha vontade era voltar no tempo. Queria refazer a escola. Levar a sério. Hoje eu entenderia química. E física!

Hoje eu recebi a noticia que minha convocação saiu, e eu fui chamada pra São João da Boa Vista, aqui do lado. Posso ir e voltar todo dia. Não vou precisar abandonar minha mãe, nem ficar longe do namorado, nem gastar meu dinheiro com sofá, geladeira, etc...Aconteceu do jeito que eu queria e eu estou muito, muito feliz. Tanto que eu não estou afim de falar sobre mais nada. Foi mal Lady gaga, mas seu texto vai ficar pro mês que vem. Hoje eu só quero comemorar. E amigos de São Paulo, vou fazer treinamento aí e daqui alguns dias podemos tomar aquela cerveja. Até lá!