A verdade é um treco desprezível. Não conheço ninguém inteligente que acredite nela. Portanto, só um sujeito talentoso pode mentir com tanta solidez. Sorte de quem acredita em mim.
Silêncio, por favor. Desliguem os celulares.
Antoine precisa de um ambiente harmônico para se manifestar. Vamos pensar em coisas positivas: uma rosa, um rio de águas calmas, uma cachoeira, uma borboleta, uma mãe amamentando...
Sempre tem um olhar desconfiado, um cético filho da mãe para cortar o meu barato. Mas estou protegido atrás de um Ray-Ban. Preciso segurar minha vontade de rir. Sou melhor ator do que escritor. Eu acho. Meus críticos concordam. Meus leitores, não.
Vou vender 1 milhão.
Menos do que isso, seria uma decepção. Saca como Michael Jackson ficou depois que o álbum Bad não repetiu o sucesso do Thriller? Pois é...
Gravando.
A luzinha vermelha piscando. Coloquei um som. Brad Mehldau executando Everything In Its Right Place, do Radiohead. Vou pagar de sofisticado, chique e dono de um leve acento pop. Não conheço ninguém assim no Brasil. Vai ficar bacana na tevê. Espalhei uns incensos pelo quarto também. Odeio. Mas meu editor disse que funciona. Fede, mas é cool.
Desculpe. Tem muita gente. Eu nunca fiz isso em público. Antoine é um espírito elevado. Só se manifesta quando se sente acolhido.
Confesso que me diverti com o desespero da produtora. A baixinha empinava os peitões e andava de um lado para o outro como se o mundo fosse acabar. Eita, gente pra se levar a sério...
Na minha concepção, Antoine é um espírito romântico, um James Dean kardecista. Um sujeito irresistível (embora defunto). Depois do meu primeiro livro, O Coração De Um Jovem Morto, muitas mulheres se apaixonaram por essa alma penada. Não raro, confundem as estações.
Eu, que sou apenas o veículo, o cavalo, o iPod de um espírito charmoso, vivo me dando bem com leitoras e fãs. Quem sabe, mais tarde, eu não levo essa produtora para conhecer o meu flat.
A luzinha vermelha está piscando de novo. Fico em silêncio por uns dois minutos, respiro fundo e começo a rabiscar um papel.
2
Me chamo Antoine porque minha mãe era miss e o seu livro de cabeceira sempre foi o Pequeno Príncipe. Cresci ouvindo que era responsável por tudo aquilo que eu cativasse. Só não me ensinaram a cativar com mais prudência, pé atrás e sabedoria. Sempre amei feito um doente. Ah, isso, é claro, enquanto eu estava vivo.
Não, não, não fique com dó. Do alto da minha morte, me sinto autorizado a dizer que morrer é um saco. Quem era idiota continua idiota, quem era escroto continua escroto; quem era corintiano continua corintiano. E o pior: as garotas lindas ficam magras e pálidas - triste essa coisa de perder as curvas. Portanto, se você busca consolo de um morto-vivo, não é com esse moribundo que você vai encontrar. Não mesmo.
Ficaria na minha, remoendo minhas paixões no escurinho desse sono eterno, se não me sentisse provocado por esse sujeito, o Lúcio (acho que esse é o nome dele). Coitado, não sabe o que está fazendo, não acredita em mim, acha que me inventou.
A morte e o amor são cafonas. Não deveríamos amar, não deveríamos morrer. Por isso, escolhi escrever, ou melhor, incorporar em um escritor de livros de autoajuda. Se o babaca do Lúcio for esperto, vai ficar rico.
Abro mão dos meus royalties, não tenho mais onde gastar. Só quero ir junto para Paraty, conhecer o Saramago, jogar bola com o Chico Buarque e admirar a beleza dessas escritoras iniciantes.
Silêncio, por favor. Desliguem os celulares.
Antoine precisa de um ambiente harmônico para se manifestar. Vamos pensar em coisas positivas: uma rosa, um rio de águas calmas, uma cachoeira, uma borboleta, uma mãe amamentando...
Sempre tem um olhar desconfiado, um cético filho da mãe para cortar o meu barato. Mas estou protegido atrás de um Ray-Ban. Preciso segurar minha vontade de rir. Sou melhor ator do que escritor. Eu acho. Meus críticos concordam. Meus leitores, não.
Vou vender 1 milhão.
Menos do que isso, seria uma decepção. Saca como Michael Jackson ficou depois que o álbum Bad não repetiu o sucesso do Thriller? Pois é...
Gravando.
A luzinha vermelha piscando. Coloquei um som. Brad Mehldau executando Everything In Its Right Place, do Radiohead. Vou pagar de sofisticado, chique e dono de um leve acento pop. Não conheço ninguém assim no Brasil. Vai ficar bacana na tevê. Espalhei uns incensos pelo quarto também. Odeio. Mas meu editor disse que funciona. Fede, mas é cool.
Desculpe. Tem muita gente. Eu nunca fiz isso em público. Antoine é um espírito elevado. Só se manifesta quando se sente acolhido.
Confesso que me diverti com o desespero da produtora. A baixinha empinava os peitões e andava de um lado para o outro como se o mundo fosse acabar. Eita, gente pra se levar a sério...
Na minha concepção, Antoine é um espírito romântico, um James Dean kardecista. Um sujeito irresistível (embora defunto). Depois do meu primeiro livro, O Coração De Um Jovem Morto, muitas mulheres se apaixonaram por essa alma penada. Não raro, confundem as estações.
Eu, que sou apenas o veículo, o cavalo, o iPod de um espírito charmoso, vivo me dando bem com leitoras e fãs. Quem sabe, mais tarde, eu não levo essa produtora para conhecer o meu flat.
A luzinha vermelha está piscando de novo. Fico em silêncio por uns dois minutos, respiro fundo e começo a rabiscar um papel.
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Me chamo Antoine porque minha mãe era miss e o seu livro de cabeceira sempre foi o Pequeno Príncipe. Cresci ouvindo que era responsável por tudo aquilo que eu cativasse. Só não me ensinaram a cativar com mais prudência, pé atrás e sabedoria. Sempre amei feito um doente. Ah, isso, é claro, enquanto eu estava vivo.
Não, não, não fique com dó. Do alto da minha morte, me sinto autorizado a dizer que morrer é um saco. Quem era idiota continua idiota, quem era escroto continua escroto; quem era corintiano continua corintiano. E o pior: as garotas lindas ficam magras e pálidas - triste essa coisa de perder as curvas. Portanto, se você busca consolo de um morto-vivo, não é com esse moribundo que você vai encontrar. Não mesmo.
Ficaria na minha, remoendo minhas paixões no escurinho desse sono eterno, se não me sentisse provocado por esse sujeito, o Lúcio (acho que esse é o nome dele). Coitado, não sabe o que está fazendo, não acredita em mim, acha que me inventou.
A morte e o amor são cafonas. Não deveríamos amar, não deveríamos morrer. Por isso, escolhi escrever, ou melhor, incorporar em um escritor de livros de autoajuda. Se o babaca do Lúcio for esperto, vai ficar rico.
Abro mão dos meus royalties, não tenho mais onde gastar. Só quero ir junto para Paraty, conhecer o Saramago, jogar bola com o Chico Buarque e admirar a beleza dessas escritoras iniciantes.
a unica coisa que pensei foi que vc, por ser um morto, pode conhecer o saramago. eu não :(
ResponderExcluirquer dizer.... *indo pra ponte mais proxima*
=]
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