sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

liberdade é pouco

Não tinha a intenção de escrever. Sequer programado (mentalmente) assunto  ou separado vídeos como lembrete para ano que vem comentar, mesmo após meses de divulgação ou depois de ter cessado o frisson pós-viral das redes.

Ainda continuava naquelas, manter de julho para cá a saúde mental intacta ou diminuir o cansaço mental com questões de toda ordem. Ou armazenar forças para o ano que vem que promete ser a junção de alguns anos em apenas um.

Só por hoje e mês passado não vou conseguir manter o objetivo do meio do ano.

 E justo na reta final, numa gama absurda por férias para fazer muitos nadas com a cara para cima.

Também por mais que queira e tenha me esforçado não consegui mudar a direção do pensamento. Ele ficou no filme apresentado hoje na parte da manhã e em algumas palavras que ruminaram para o passado religioso.

O filme é possível resumir em mais constatações de que o mundo é hostil e violento com a existência das mulheres. E sendo violento com mulheres continuará sendo com crianças, gays, idosos e mais objetiva com todos/as.

Já sobre as palavras ficou aquele eco sobre cárcere, jargão muito comum nesta época e usado por alguns religiosos. Mas o esquisito mesmo é que desde meados de setembro é algo que tenho me questionado quase sempre: quando estamos todos presos é possível se livrar de cárceres?

Quando o país depende de políticas econômicas ou bancos que priorizam minorias pode ser considerado livre? Quem tem tempo mas não tem dinheiro é livre? E quando tem dinheiro e não tem tempo? Aqueles que estão desempregados estão livres? E quem trabalha? E quando algum governo/país decide priorizar os pobres e é considerado violador de direitos e  falido economicamente ?

Existe alguém livre?

Porventura alguém pode ter esse luxo de se considerar livre?


Acessar o conhecimento e a sua história mesmo com muitos lados, mas baseada em fatos proporciona isso fazer muitas perguntas sem respostas. É como estar nas alturas em meio à tempestade com furações e raios e trovões mas conseguir colocar a mão numa porta e abrir o céu limpo sem nuvens e com muitos raios de sol.

Entender que este conhecimento está a serviço da vida e do que é cotidiano é como estar no alto mar, afundar metros e metros de profundidade e conseguir abrir os olhos mesmo com tanta água salgada e ver a beleza do mar; ainda sim voltar a emergir para ver mesmo que às vezes um dia de verão com brisa.

Usar o conhecimento no dia a dia com objetivo ou propósito comum a todos e priorizando o coletivo é identificar que existem muitas amarras e correntes quando se trata do coletivo, ou do que é comunitário ou ainda do que é comum a todos/as, enquanto povo.

No resumo, enquanto tudo estiver no âmbito individual é sobrevivência garantida durante pouquíssimo tempo, no mais, mencionou coletivo, vamos pensar uns nos outros se prepare para estar diante da porta das chagas e do inferno.

Então os cárceres por mais íntimos e pessoais que sejam se tornam indestrutíveis e fora do alcance das mãos porque quando o individual está intacto e totalmente responsável por transformar ou modificar a vida e história, é porque o que é coletivo/comunitário ou do povo está caindo num poço sem fundo.

Identificar  qual é o fundo do poço  não é uma opção,  mas uma questão de sobrevivência. E o tempo urge e infelizmente não nos favorece, porque ao alcance  e velocidade dos algoritmos as janelas se fecham.

Mesmo assim  2018 pode ser mais um de tantos anos que virão de resistências se o sentimento coletivo de luta prevalecer.  Na pior das hipóteses podemos ainda ver o poço sem  fundo e destruir o que nos explora e nos oprime; ou podemos sentir as várias correntes  nas mãos, nos pés e na mente, mesmo assim ainda será ótima oportunidade para quebrá-las.





sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O encontro

- Tudo bem? 

Lembrou-se que esta noite dormira mal por causa dos pernilongos e também por causa do calor abafado que fazia na sala. Lembrou-se que dormira na sala porque sua presença no quarto, ao lado da mulher, já não era mais bem vinda, sobretudo depois do que acontecera ontem. Lembrou-se do café fraco que tomou no bar da esquina e da sensação estranha, misto de descrença e impotência, quando viu que o balconista levava o café para ser requentado no microondas. Lembrou-se do sabor de petróleo que tinham os cafés, sobretudo os fracos, quando requentados no microondas. Lembrou-se do Largo da Pólvora lotado e de como o cobrador não lhe respondera ao seu "bom dia". Lembrou-se da angústia que sentiu ao perceber que o ônibus chegava ao seu destino e de que tinha que trabalhar mais uma vez naquele escritório estéril e olhar mais uma vez para o bigode ensebado e tingido de seu chefe. Lembrou-se de que tivera que almoçar sozinho, porque não tinha estômago forte o bastante para olhar a nenhum de seus colegas enquanto comia. Lembrou-se do gosto de ranço da carne e na quantidade absurda de sal que por descuido caíra em sua salada. Lembrou-se que se importara com isso por causa de sua hipertensão galopante, que havia lhe obrigado a tomar aqueles remédios caros, depois dos últimos exames. Lembrou-se de que ainda era segunda-feira. Lembrou-se da necessidade que tinha de ir aquele bar, depois do expediente, e do enfado, provavelmente mal disfarçado, que sentiu ao encontrar aquela figura conhecida e que agora lhe perguntava se estava bem. Lembrou-se do inútil que seria ser sincero.

- Tudo. Tudo ótimo e você?

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Feliz Natal! Feliz ano novo!

Galera, desculpe o mal jeito.
Minha vida, como muitas de vocês também, está corrida pakas nesses final de ano.
Falta menos de uma hora para terminar o dia 21, mas eu não poderia deixar de passar aqui para deixar um abraço.

No post do mês passado, coloquei uma gravação aqui, na qual meu cachorro latia. Quem ouviu, deve se lembrar.

Ele se foi.

Viveu 16 anos comigo e com minha família. Dia 04 de dezembro, ele descansou. Era um pastor belga. Simplesmente, parou de "funcionar".
Tive o privilégio de, junto de minha mãe e meu irmão, proporcionar à ele uma partida sem sofrimentos. Graças à Deus, não precisamos fazer a eutanásia. Ou sacrifício, como muitos chamam.

Quis compartilhar com vocês.

Obrigado pelas audições e pelas leituras no decorrer desse ano de 2017.

Espero ser mais fiel em 2018.

Grande abraço à todos (as).

Feliz Natal e feliz ano novo!

P.S.: Perdão por não ter trabalhado melhor esse post. Estou escrevendo direto do meu celular!

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Calma, é o Papai Noel!

Salvador havia começado a ficar inquieto com uma semana de antecedência. Detestava essa época do ano desde que se entendia por gente e nesse ano decidira partir para o tudo ou nada. Chega de passividade, compreensão e tolerância.

Cheirou um pouco do que chamava de pó mágico da coragem e, com uma habilidade felina, entrou na casa pela porta dos fundos. Era o tipo de casa em que ele nunca poderia entrar pela porta da frente.

Caminhou tão silencioso quanto a noite, guiado de forma intermitente pelas luzes do pisca-pisca. Chegou à sala, que aos seus olhos parecia uma casa inteira, e estava agachado diante da estante, prestes a vasculhar uma gaveta, quando ouviu um tilintar do lado de fora.

Congelou. Não era possível. Tomou todos os cuidados, viu a família inteira saindo, carregavam intermináveis sacolas cheias de embrulhos. Não poderiam ter voltado tão rápido.

Ao ouvir um barulho mais forte, seguido da luz branca que se acendeu do outro lado da sala, Salvador não hesitou. Buscou a arma na cintura e levantou girando o corpo, com o braço direito esticado para frente. Não voltaria para a cadeia. Tudo bem se fosse para o cemitério, mas para a cadeia, nunca mais.

Um pouco ofuscado pela luz forte, mirou na figura branca de roupas vermelhas e ouviu uma voz tremula.

- Calma! Sou eu. O Papai Noel.

O Papai Noel. A única pessoa a quem Salvador chamou de papai em toda sua vida. Aquele em quem depositou esperanças por tanto tempo. A fonte de angústias, decepções e culpas intermináveis.

A aflição da época de criança começava no fim de novembro. Precisava ser um bom menino para ganhar presente. Mas como, se tudo o que fazia era considerado má-criação?

O mês de calvário desembocava, inevitavelmente, na mais profunda culpa. O presente não veio, o que significava que não conseguira ser um bom menino. Salvador assumia a culpa, tolerava a falta do brinquedo que havia pedido ao Papai Noel, mas nunca compreendeu porque a família toda tinha que ficar sem a ceia graças a ele não ter sido um bom menino.

A promessa de Ano-Novo era sempre a mesma. Seria um bom menino. Não deixaria a família ficar sem a ceia de Natal de novo. Não adiantava. Simplesmente não conseguia. No primeiro ano não estudou direito, no seguinte arrumou brigas, depois abandonou a escola, começou a usar drogas, começou a roubar. Era impossível ser um bom menino o ano inteiro.

Quem diria! O Papai Noel. Um encontro quando já havia perdido a esperança. Aguardou a vida inteira por esse momento. Ele que nasceu no dia 25 de dezembro, e por isso ganhou o nome de Salvador, carregou o peso de ter estragado todos os natais da família por não ser um bom menino.

Salvador esperou trinta e três anos até ter a chance de cumprir o desígnio de seu nome. Manteve o braço direito esticado e disparou três vezes à queima-roupa. Sentiu na mesma hora o peso de uma vida retirado dos ombros.

Andou calmamente até a porta da frente. Antes de sair olhou no chão o corpo do velho, cuja barba branca já estava tão vermelha quanto à roupa.

- Feliz Natal, Papai Noel.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Tudo bem

Um “bom dia” sem resposta de algum vizinho de condomínio que nem sabemos o nome... Tudo bem, não são todos assim, os mais próximos são bem legais.

O dia estava quente, mas só consegui sair para fazer as coisas na rua momentos antes da chuva. Tudo bem, o clima estava gostoso para uma caminhada pelas ruas do Bairro do Limão, que não é tão tranquilo assim, mas tudo bem, aqui me sinto em casa a 2 anos.

Ao chegar no dentista, soube que arrancaria o dente do siso só no ano que vem. Tudo bem, quem trabalha duro tem direito a descansar eu vou passar as festas com a família e alguns analgésicos e anti inflamatórios e o importante é não sentir dor.

Depois a ida foi ao correio, a fila estava enorme, mas tudo bem porque deu para perceber que muitas postagens eram presentes de Natal para alguém querido que mora longe e só de imaginar isso, a demora vale a pena.

Na sequência fui à lotérica, estava cheia para alguém que não costuma fazer jogos, eu queria apenas recarregar meu bilhete único e ao chegar na minha vez o sistema não estava disponível. Tudo bem, eu já havia gastado o tempo da fila imaginando como aquelas pessoas estão esperançosas por uma vida melhor e buscam isso por meios honestos que ainda estão disponíveis. A moça do guichê disse que na Lan House se carrega o bilhete único, eu não sabia que tinha uma Lan House hoje em dia perto de casa, mas tudo bem... deu certo.

Por fim, fui a farmácia comprar meu analgésico e anti inflamatório. Tudo bem, porque fui super bem atendido por alguém que provavelmente responde um “bom dia” do vizinho.

Ainda caia uma chuva de verão, daquelas fracas e não aquelas que inundam. Tudo bem, eu precisava lavar um pouco a alma e perceber que no final das contas, um dia pode parecer cheio de pequenos obstáculos e numa analogia à vida, nessa época de final de ano onde todos procuramos recomeços e balanços de tudo, tudo bem sorrir sozinho na rua lembrando quem foi legal no seu dia simples, assim como todos os amigos que te fizeram bem no dia anterior, naqueles que fazem a diferença mesmo a tanto tempo sem te ver e mesmo assim tudo bem porque eles ainda te surpreendem e te provam que nunca te esqueceram, através de coisas simples também.

Tudo bem também se em alguns dias tudo parece deixar seu dia apenas cinza, acontece. Tudo bem porque no final das contas, tudo é um grande plano de fundo cinza a ser colorido pelas coisas simples da vida, porém de grande poder.

Bons dias e Light Up the Darkness!

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Debaixo do verniz

Tudo que parece fora do normal nos parece estranho.
Pelo meu perfil e estilo de vida as pessoas não entendem como não tenho namorado, parece uma questão matemática em aberto, que precisa ser resolvida com urgência.

Depois que me perguntam se tenho namorado e escutam minha negativa, abrem o sorriso e dizem ''mas namorada tem né''.

Não, nem namorado nem namorada.

Mas como assim? Você é jovem, bonita, por que não tem um amor?

Ah, amores tenho muitos, platônicos, é verdade, mas são amores.

Muitas coisas mudaram sem que eu percebesse e acabei gostando de alguns resultados.

Me afastei de relacionamentos depois de passar três anos em um namoro abusivo, quando consegui me libertar comecei a perceber tudo que estava errado, fora do lugar e sem querer, não planejei nada, me fechei em copas, disposta a me curar dos abusos e superar as questões envolvidas.

Levei tempo para começar a perceber que minha alegria ao estar solteira e sem pensar em ninguém estava ligada ao fato de pela primeira vez na vida ser ''eu'', coisa que nunca me foi permitida ser.

Eu fui educada para ser o que os outros queriam que fosse, não importava o que eu escolhesse fazer na vida, desde que fosse meiga e educada.
Mas isso me tirava margem de manobra para saber quem eu era, meus primos tinham permitido dizer o que pensavam e explodir a hora que quisessem, eu não.

E quando entrei no círculo de namoros levei toda essa limitação comigo, não me perguntava quem eu realmente era, debaixo desse verniz sufocante de garota bem educada.

E amores, pelo menos para as mulheres, nos sufocam e apertam, impedem qualquer tentativa de mudança. Quem pode ser o que é em um namoro? A pessoa não se conhece ainda e fica presa ali, a uma ideia do que deveria ser.

Não prego as belezas da vida de solteira, porque são escolhas pessoais, mas nunca tive espaço para saber quem eu era, intoxicada para agradar homem, desesperada para ser aceita, eu não sabia quem era, não conhecia meus limites e todas as vezes que tentava sair da linha escutava ''deixa de ser louca''.

Mesmo assim,  fazendo tudo o que me mandaram fazer, não escapei de rótulos, até hoje dizem que sou louca, impulsiva, maluca, descontrolada.

Percebi como nós, mulheres, somos impedidas desde que nascemos de nos mover, de nos conhecer, tudo fecha em nossa direção, nenhuma menina é incentivada a se conhecer primeiro, a saber quem é, para depois pensar em como se relacionar com o mundo. Isso acontece até com nosso corpo, ninguém diz a mulher como é vital se conhecer.

Tem sido uma luta árdua tirar todo o verniz que me jogaram, saber quem eu sou debaixo desse falso brilho, do que gosto, o que me faz feliz, o que posso acrescentar ao mundo e em um relacionamento.

Eu sabia tudo o que os outros queriam e gostavam, mas não tinha a menor ideia do que me fazia feliz, o que me agradava.

Ser solteira me permitiu caminhar nessa estrada pensando nisso, não é questão de ter um namorado ou não, mas se perguntar quem é, o que quer, para onde vai.

Mulheres têm seu caminho pré-determinado em um mundo machista e misógino, sair dessa linha é certeza de que vai ser punida.

Não descarto amores, paixões, nem a vida que se desenha, mas não tenho mais condições de me ficar debaixo de um verniz, fingindo ser o que não sou.

No ano passado um Romeu me disse ''você é confusa''.
Fiquei muito chateada, mas ele tinha razão, naquele momento eu ainda estava confusa, perdida entre quem eu sou e quem deveria ser. Até hoje me controlo porque quando gosto de alguém não sei agir de maneira natural, carrego ainda a tatuagem comportamental de ''faça tal coisa, jamais faça isso'', ainda me sinto intimidada no começo dos relacionamentos e levo tempo para perceber meus erros de comportamento e recuar, voltar ao meu eixo, a quem eu sou, sem medo de Romeu não gostar.

Essa parte melhorou muito, depois que a gente começa a se conhecer perde o medo do outro não gostar, claro que dói ser rejeitada, mas com o  tempo percebemos que ser quem não somos dói mais.

Quem me vê se pergunta porque não tenho namorado, quem me conhece sabe que estou desfrutando o máximo que posso essa etapa de ter espaço para saber quem sou, em um mundo limitado considero isso um luxo, que foi negado durante séculos as mulheres.

Agradar homem é fácil, ser o que o mundo quer é simples, o difícil é bater o pé e dizer ''licença, vou ali saber quem sou e depois eu volto''.

Mas no fim da história não somos o que o mundo quer, nem o que os machos gostam, somos nós, essas desconhecidas que não sabem quem são, essas perdidas que morrem de angústia, sufocadas por todas as exigências. E o pior é que não vale a pena.

Parte da nossa viagem, o motivo de desembarcar neste planeta maluco é desenvolver o autoconhecimento, quando somos impedidas de fazer isso, surtamos.

Não é sobre Romeus, amores, namoros, casamentos, paixões, é sobre saber quem somos, encarar essa estrada longa e complexa, dar prioridade a nossa vida, não a alheia, é sobre cada uma se conhecer, é sobre individualidade e o exercício da liberdade. É sobre ser, sem verniz.





Iara De Dupont

domingo, 10 de dezembro de 2017

Livraria do Estudante

Os livros com que sonhei moravam na Livraria do Estudante e eram guardados pelo Jeremias. Sonhei tanto que queria trabalhar lá. Sonhei tanto que ainda me lembro do cheiro das estantes de madeira. Sonhei tanto que chorei quando fechou.
Ainda bem que os livros que sobraram moram na garagem do antigo dono, e eu pude, então, comprar um daqueles que sempre quis, no esquema 10 ou 20 reais. Este, "Minhas histórias dos outros" do Zuenir Ventura, custava, em 2005 (ano de seu lançamento), R$44,90 que eu não tinha.
O reencontro agora, doze anos depois, com a capa suja e empoeirada e o antigo preço apagado, na última página.
A vida é besta e muito triste, mas tem disso.


sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Quando...

 Quando você bate numa criança, você acha que ela aprenderá a não fazer
coisas erradas, na verdade você ensina que ela pode bater nos outros.
 Quando o seu castigo para dois irmãos é mantê-los abraçados, você está
deixando claro que abraçar o irmão é um castigo, e não algo bom.

Quando o seu castigo é lavar a louça, arrumar o quarto ou estudar, você
também está ensinando que estudar, lavar e arrumar são punições.
 Estão aí coisas que esta criança nunca vai querer fazer, que vai associar e
lembrar de coisas e sentimentos ruins.

Quando você expõe seu filho em um vídeo na internet, levando uma bronca,
apanhando, você está mostrando que tudo bem humilhar, desde que você
seja hierarquicamente superior, desde que esse ser dependa de você e não
tenha opções melhores do que abaixar a cabeça e esperar, afinal ele vive
com o inimigo.

O pessoal confunde lição, que é algo com que você aprende, com tortura,
vingança, controle e humilhação.
 Acha que criminoso tem que ser preso pra sofrer, na verdade, era pra
aprender, pra repensar.

 -Ah, mas um tapinha as vezes é bom, sempre foi assim, ainda funciona!
 Dá uma espiada na humanidade e repense se esse velho jeito funciona.
 A gente ás vezes bate sim, mas é por que a gente é bicho, e bicho nervoso
perde a paciência e ataca, avança, é isso que a gente ensina batendo.

Andei vendo esses dias várias postagens dessas de castigo, e o que eu
sinto é uma mistura de tristeza, vergonha e asco.
Eu já apanhei sim, já bati também, e não acho que foi bom, na grande
maioria das vezes teriam maneiras melhores de ensinar.

  Eu não tive essa infeliz ideia de gravar meu filho sendo castigado e nem
posso imaginar como deve ser castrador ter esse seu momento gravado, e
perpetuado, a gente quer é esquecer.

Dê uma pesquisada em vídeos no You Tube, como camisa do castigo ou
apenas vídeos de crianças de castigo.

Criamos gente cheia de ódio e raiva, isso já nasce com a gente nem
precisava reforçar.
Ensinar a gostar de estudar, ler, arrumar, lavar é tão mais difícil...
Tá tudo errado.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Hoje é sábado


Escrevinho com a cabeça antes das letras dançarem sua embriagada dança na folha que abraça a mesa. Elas desenrolam os sentimentos do dia, do mês, dos milênios que envolveram minha ancestralidade.

Tomo fôlego entre um gole e outro. Observo desatentamente o barulho dos carros. O que eu espero não é senão a possibilidade do nunca mais. Um pai em seu cavalo de ferro e terra. Acabo recordando todos os uniformes que chegaram áridos aos olhos do sinal da escola.

Tomo mais um gole. As letras deslizam tons de um baú familiar enquanto deveria solidificar dados. Edificar relatórios.

A comida chega e me é indigesta. Cai em meu estômago como uma boa surra depois das duas da manhã (quando nada de bom pode acontecer).

Subverto as ordens do necessário compasso. Esqueço os planos e a pequena grande lista de impossíveis metas.

Hoje é sábado.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

das misérias nossas e do mundo

De junho pra cá tenho feito o possível para preservar ou fortalecer pouco mais a minha saúde mental. Talvez por isso não tenha me dado o disparate de contar as misérias, sejam as minhas que envolvem outros ou do mundo caduco no qual vivo.

Então decidi que durante alguns meses ia falar sobre filmes e séries e procurar o banal ou alegre nas redes sociais. Durante semanas consegui, depois percebi a impossibilidade de fechar os olhos para a janela do mundo.

As notícias sobre a Líbia divulgadas nas redes sociais estarreceu a todos que assistiram aqui. Menos os jornais e ricos.

Mais estranho a maioria sujeita ao desemprego, a fome e miséria não se alarmar com as cenas de homens sendo vendidos como mercadoria.

Não houve divulgação sequer nos jornais.

Não aconteceu nenhum pronunciamento de presidentes dos países mais desenvolvidos.

Não existiu vinheta nos principais canais de televisão para anunciar que pessoas estavam sendo comercializadas, vendidas e/ou escravizadas em nome do nosso sistema neoliberal, democrático e capitalista.

Diferente do atentado na Somália de algumas semanas atrás quando mais de 300 pessoas morreram e houve alguma veiculação na mídia televisiva sem a igual comoção de outros atentados, esse crime/violência contra a vida e igualmente desumano que até então soube somente pelos livros de história não mereceu nenhuma repercussão.

Mas alguém pode se perguntar por que devemos ou precisamos nos preocupar com a miséria alheia uma vez que está longe e nada podemos fazer, pois sempre existiu e jamais deixará de existir pobres e miseráveis no mundo.

Desde que estive mais próximo das realidades piores que a minha deixei de acreditar que a fome e miséria estavam tão longe de mim. Assim quando li a matéria sobre a criança que desmaiou por fome no Distrito Federal aqui, lembrei das cenas de dois anos atrás para famílias muito próximas, com minutos/horas de um bairro para outro.

A diferença de hoje para tempos remotos é que a miséria alheia e distante está quase a olhos nus, podemos ver o que acontece noutros lugares no tocar dos dedos quase que em tempo real.

As transformações para um novo viver ou para destruir as misérias humanas estão na atenção que não temos ao que realmente importa: a fome.

A fome e miséria demoravam meses para chegar ao conhecimento, hoje podemos saber em segundos. O que nos distancia deste discurso de que nada podemos fazer. Podemos fazer algo se acaso nos dispor ou atentar na desorganização do mundo de fantasias que nos impõe as redes sociais.

Assim como qualquer pessoa não gosto de compartilhar fotos de gente sangrando ou numa situação vexatória, mas as denuncias urgentes não aceitam o crivo para foco da câmera com a noção do ideal a circular nas redes.

As pessoas se incomodam com fotos marcantes ou denuncias de crimes de guerra, sejam por meio de armas ou ausência de comida. Tanto que a rede retira conteúdos considerados agressivos ou noutras palavras o que seriam provas de crimes de guerras.

No mundo em que mercadorias valem mais que pessoas ou pessoas servem de mercadoria o ideal é de que fotos de terremotos no Haiti, atentados contra a Somália e desumanização na Líbia não circulem, mas se porventura ocorrer em outros países com demais etnias/pessoas, ok.

O que aconteceria se a denuncia de pessoas sendo vendidas e escravizadas na Líbia fossem divulgadas pela unanimidade ou quase todos que tem acesso as redes sociais?

Qual a reação de presidenciáveis e grupo seleto de ricos e canais de comunicação para protestos liberté african  e Marche pour l´abolition de l´esclavage em diversos países sobre o repudio da miséria da qual vivemos?

O “não posso/podemos fazer nada” não nos cabe, quando temos a chance de pelo menos dar atenção a fome de refugiados, a desumanização e mercantilização de pessoas.

Dizem que na política não existe vácuo, assim creio que na vida virtual também não.

Embora queira me deixar guiar pela suavidade e leveza das redes para que não seja embrutecida no dia a dia e perdure com esperanças de transformação desse mundo, opto sempre pelo filtro de três níveis: classe, raça e gênero que não respeita ordem nas palavras pois estão arraigados e com nível de sensatez primordial para continuar a caminhar.




segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O primeiro choro

“Fica mais um pouquinho?”

“Não posso. O horário de visita acabou, mas amanhã eu volto, viu?”

Antes de ir ele ainda teve um tempinho para confortar aquele choro que ela não conseguiu conter por ficar sozinha, no hospital, em uma situação tão delicada. Um beijo na testa e um último afago no rosto, para secar as lágrimas, e o horário havia de fato acabado.

Por enquanto não tinha mais nada que ele pudesse fazer. O melhor era voltar para casa e tentar descansar um pouco. Enquanto esperava pelo ônibus aquele pedido martelava em sua cabeça. “Fica mais um pouquinho?”.

Passar a noite em claro na sala de espera do hospital foi tempo mais que suficiente para pensar na vida. Em seus quase oitenta anos, nos sessenta anos de casado, em quanta coisa cabe em uma vida partilhada.

Achou que estava em débito. Achou, não. De fato, estava. Poderia ter sido mais atencioso, mais presente, mais carinhoso. Havia sido sempre menos. Nunca aprendeu a ser diferente e parece que agora teria que aprender na marra. Não seria tarde? Aquele pedido deu forças para acreditar que não.

Já no ônibus, queria chegar em casa logo. Não era longe, mas pareceu uma longa viagem. Quando chegou, parecia ter entrado em um local desconhecido. Não era a mesma casa sem ela.

Precisava de um banho. Um longo banho frio para se recompor. Quando a água molhou seu corpo, chorou. Ele que nunca havia chorado, nem quando perdeu os pais, nem quando perdeu o olho esquerdo em um acidente, nem quando perdeu um neto para o câncer.

Não é que não se emocionava, só as lágrimas que não vinham. Dessa vez foi diferente. A incerteza do futuro, a solidão, a injustiça de não poder trocar de lugar e ficar no hospital no lugar dela.

Ele finalmente chorou tudo o que estava acumulado ao longo de uma vida.

domingo, 12 de novembro de 2017

Se cair de cabeça quente, se levante de cabeça fria


Uma das piores coisas que aprendemos na vida é a parar no meio do caminho para ficarmos lamentando o erro cometido, a estrada equivocada, o atalho que nos levou a perder tudo. Ficamos ali congelados, sem saber o que fazer, vendo o tempo passar enquanto tentamos entender na nossa mente o que nos levou até ali.

Levei anos para aprender a perceber a importância de me mexer logo, de não perder tempo tentando decifrar o que não iria mudar minha história, mas ainda me cuido, porque sei que posso cair a qualquer momento e passar largas décadas lamentando a queda, parada no mesmo lugar.

O problema não é cair, isso é um fato que vai acontecer com todos, mas ter a cabeça fria de ver como vai se levantar.

Sempre penso na história de uma amiga de minha mãe. Ela perdeu os pais muito nova, ficou morando com uma tia, se apaixonou loucamente aos dezoito anos e se casou, tudo feito na emergência de sair da casa da tia, de ter vida própria, de começar outra existência mais feliz. Se enroscou na decisão, engravidou logo e quando acordou tinha cinco filhos.

Trabalhava antes na loja de uma amiga, mas com tantos filhos foi obrigada a ficar em casa, para cuidar a todos.

Os anos passaram, talvez dez anos, doze anos, não sei, mas ela se viu presa no erro, cheia de filhos, sem estudos e com um marido que se revelou um pesadelo. O rapaz era trabalhador, mas bebia, jogava e gostava de mulheres, pagava as contas da casa, mas continuava se comportando como se fosse solteiro, pior, adolescente.

Então ela resolveu sair do casamento. Mas teve uma ideia brilhante, uma luz que deve ter aparecido depois de tanta dor. Se tinha entrado no casamento tão apaixonada, tão cabeça quente, tão impulsiva, agora seria outra para sair, faria tudo tranquilamente, de cabeça fria e sem colocar sentimentos na mesa.

Comentou a algumas amigas a ideia que teve, de sair devagar do casamento, todas fizeram questão de dizer que era um absurdo, que elas poderiam ajudar, mas essa ideia não era boa. Pra quê fazer isso, planejar sair de um casamento como se fosse uma questão secreta de algum governo? Pede o divórcio e pronto.

Mas ela entendeu sua situação, não tinha pais para ajudar, tinha cinco filhos, nenhuma formação e que tanto as amigas poderiam fazer por ela? Finalmente cada uma tem sua vida.

Ela pensou no divórcio e analisou a situação. Resolveu que precisaria primeiro de um emprego e começou a procurar um. Como não tinha formação, encontrou espaço na área de vendas, começou a vender seguros. O marido não dizia nada, a essa altura já chegava sempre bêbado em casa e não sabia nem o que tinha acontecido durante o dia.

Conversou com o marido sobre a importância de deixar a casa que ele ainda estava pagando no nome dos filhos, era mais seguro assim e o marido aceitou.

Já vendendo seguros, trabalhando nas ruas, começou a escutar outras pessoas, ter ideias novas e percebeu que precisaria pagar um plano de aposentadoria.

Foi fazendo isso, aumentando sua autoestima, tinha que se arrumar para sair de casa, deixava a filha mais velha cuidando dos menores e começou a planejar sua saída do casamento. Procurou um advogado e entrou com o processo de divórcio, o marido quando foi avisado deu um escândalo, berrou dizendo que não pagaria um centavo de pensão e ela poderia ficar com a casa, porque de qualquer jeito iria morrer de fome com as cinco crianças.

O marido não sabia do caixa 2 que a mulher tinha feito vendendo seguros, não sabia que ela já tinha calculado sua renda sem o dinheiro dele, nem que estava bem estabelecida vendendo seguros.

O marido foi embora, levou anos para conseguir tirar dele uma pensão, mas ele enrolou tanto e conseguiu escorregar da justiça centenas de vezes, que quando foi determinado o valor, os filhos já eram maiores de idade, então ele se livrou da pensão, mas concordou em pagar a faculdade deles.

O impressionante desta história não foi o marido que sumiu por anos e a deixou sem pensão, mas que entre o plano de se divorciar e o fato acontecer, se passaram quatro longos anos.

É isso que faz a história tão extraordinária, uma mulher que percebe como errou ao entrar em uma situação de cabeça quente e decide que vai sair dela, mas de cabeça fria.

Ela planejou tudo com calma, sem erro, mas não deve ter sido fácil, isso a obrigou a conviver com um marido que não amava mais e lidar com situações penosas, mas teve a tranquilidade de perceber que um movimento errado seria pior, ter a cabeça quente e sair correndo do casamento a levaria a passar fome com cinco crianças, mas pensando de um jeito frio, ela conseguiu se segurar quatro anos. E todas as amigas dizendo que aquilo era um erro, que era melhor pedir o divórcio e esquecer o assunto, mas ela resistiu até o fim.

O fim da história foi justo, os filhos cresceram respeitando a mãe, entendendo o tamanho do seu sacrifício e visão, ela se aposentou bem, não precisou mendigar dinheiro de marido, conseguiu dentro de sua área fazer uma carreira que nunca permitiu grandes luxos nem viagens, mas pagou as contas e colocou o pão dentro de casa.

Ela errou uma vez, jovem, sem família, mas não se permitiu errar novamente, e muitas pessoas dizem que a história deu certo para ela porque não amava mais o marido, mas isso é uma suposição, quantas mulheres não amam mais o marido e mesmo assim saem dos casamentos de cabeça quente? A grande maioria faz isso.

Outras pessoas dizem que ela aguentou o casamento porque ele não era violento, mas isso depende da perspectiva, eu acho violento um homem que chega caindo pelas tabelas todos os dias, está sempre bêbado e ofendendo a mulher.

O que ela fez foi por instinto, não tinha ninguém para ajudar, nem dizer como fazer. Nem acredito que ela tenha tido na época a clara noção do que tinha decidido fazer, sair de cabeça fria de uma situação que entrou de cabeça quente.

Mas o que muitas vezes nos mantém presos a uma situação é que entramos nela de cabeça quente, caímos de cabeça quente e queremos nos levantar de cabeça quente, como se isso fosse possível.

Quando eu era pequena caí durante uma patinação no gelo, e comecei a chorar, um professor se aproximou e disse ''respira fundo e tenta se controlar, assim é mais fácil se levantar''.

Não foi porque tive uma fratura exposta, mas hoje entendo o que ele quis dizer, na queda choramos, nos desesperamos e não pensamos em nos levantar respirando fundo, de cabeça fria, e perdemos um tempo sagrado ali, no meio do ataque de histeria.

A isso somamos o tempo biblíco, aquele espaço que damos para nos julgar, mutilar e começamos a autopunição, como se isso fosse adiantar alguma coisa. Diante do erro perdemos tempo nos lembrando que poderíamos ter evitado essa queda, prendemos nossa mente ao momento e esquecemos de tudo, a queda vira um tombo gigante e parecemos incapazes de reagir.

Algumas pessoas disseram ''mas ela levou quatro anos para sair do casamento? É muito tempo''.

Sim, é bastante tempo para tolerar alguém que não amamos mais, mas quanto tempo ela teria levado, caso não estivesse preparada? O marido sumiu com o pedido de divórcio, ela teria ficado sozinha com os filhos e sem renda, quanto tempo teria levado para se organizar novamente? 

Quatro anos parecem muito tempo, mas com certeza se ela tivesse pulado fora de cabeça quente o tempo consumido teria sido maior.

Pode acontecer em muitas situações, levamos um minuto para entrar e anos para sair, mas é melhor levar esses anos tentando sair de maneira fria, do que ficar presa mais algumas décadas, estrebuchando de cabeça quente.

Caiu? Respira fundo e pensa em sair de cabeça fria. Se caiu de cabeça quente, espera esfriar. Cair de cabeça quente é uma coisa que acontece, mas todos podemos esfriar a cabeça para sair da situação.

E talvez venha disso o aprendizado, quando dizem que não saímos das situações da mesma maneira que entramos, que tudo nos transforma. Talvez a transformação venha da temperatura das nossas cabeças, quente para entrar, frio para sair.

O ideal é nunca ter cabeça quente, até na hora de entrar em situações ruins, é sempre bom pensar com calma, mas o ser humano não é assim, a cabeça esquenta, a pressa de mudar a vida aparece, o momento aperta e nos jogamos sem esfriar as ideias. Acontece. Mas a regra é, se caiu de cabeça quente, se levante de cabeça fria.

Iara De Dupont

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Gente que leva Bavaria


Estou aqui sentada num bar próximo à minha casa, esperando uma amiga. Uma mesa comemora o aniversário de um homem chamado Capivara e me olha desconfiada: o que essa moça está fazendo sozinha aqui? É que preferi vir ao bar a escrever este texto. Por fim, acabo escrevendo, enquanto ouço os distintos senhores falarem de sacas de café, selas e de um cara que bebeu 70 garrafinhas daquela cerveja verdinha (contam também que na casa do fulano o pessoal leva Bavaria e bebe a sua verdinha).Um cachorro de rua me pede um pedaço de bolinho de carne, Kid Abelha faz o fundo musical, você gosta de pimenta ou molho de pimenta, pimenta. Forte. Eita vidinha besta.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Papel e canetinhas.

Se você não for o Bob Dylan, nem estiver na década de 60, por favor não me faça um vídeo-modinha levantando sulfite, ok?

Haja árvore, escrevendo uma frase por folha.

Usa uma lousinha de 1,99,o Paint, o PowerPoint...

É pra ser em uma tomada só? Preguiça de editar? 

E o português? Coitado do português!

Bom, acho que pus pra fora o suficiente para não virar um câncer.
Obrigada.


terça-feira, 7 de novembro de 2017

corpo-lua

o céu anuncia
o que chão encobre -

esta melodia
o afagar das mãos
a noite eclipsando

o teu corpo-lua

no descampado 
dos dias.


terça-feira, 31 de outubro de 2017

quem tem medo dos anarquistas?

Era o último ato. Estava cansada. Esgotada. As pernas doíam e a cabeça parecia girar em 360 graus com aquelas imagens. Era bandeira verde e amarela para todo lado, era gente alegre balançando bandeira e eu sem saber por quê.

Alguns cantavam o hino com vontade e o meu olhar era de nervoso ao perceber que não faziam à menor ideia do que estavam fazendo ali. As cores no prédio da FIESP pareciam anunciar o fim de ano, mas sem tantas cores, pois a predominância era o verde e amarelo descendo e subindo no prédio.  

A impressão era de que estava num jogo de futebol da copa, na final e a qualquer momento alguém ia gritar gol. Era na verdade a visão do inferno.  

Só pude pensar nisso naquele momento, era como se tivéssemos sido tomados de assalto e por mais que tentasse acreditar no que via não conseguia.

A vontade era de sentar na calçada e chorar. Mas como aquilo aconteceu? De que forma manipularam tudo para o nacionalismo bestial?

Quando estava quase indo embora desconsolada e desolada, avistei um grupo  reunido e discutindo a possibilidade de sair como bloco e retomar o ato. No ato anterior e poucas horas antes alguns militantes tinham sido agredidos e avenida estava tomada pelo nacionalismo.

O grupo deliberou, votou e decidiu sair em marcha ali, fizeram uma frente com bandeira preta e seguiram com palavras de protesto. Ali fiquei e percebi de quem se tratava. Eram os anarquistas. Rostos cobertos, roupas pretas e algo que não falta jamais: resistência. Até o último suspiro resistência.

Marchamos com gritos de que a FIESP apoiou a ditadura, a polícia mata pobre e preto todo dia, voto não muda nada não e contra o nacionalismo emburrecedor e fascismo!

Dos atos do ano de 2013, aquele último se tornou o mais importante de todos pra mim. Naquela noite os anarquistas mostraram que a única luta que se perde é aquela que se abandona.

Quando voltei para casa, não me senti derrotada e aquela sensação unânime de desanimo entre os que participaram dos protestos e viram o fascismo tomar conta dos últimos atos não me engoliu.


Neste dia soube que os anarquistas eram ou estavam para além dos discursos incendiários pela TV na maioria das vezes os criminalizando.


De lá pra cá, não os vejo como vândalos ou agressivos. Jamais presenciei alguém apanhando da polícia sozinho que não fosse ajudado pelos anarquistas, ninguém fica para trás, dificilmente os vejo correndo nos atos que não seja para frente para resistência forma de prosseguir com ato.


Existem as ações diretas contra o capital simbólico, mas jamais contra as pessoas, para machucar ou agredir, desde que não representem o estado na forma de farda. O encontro de anarquistas e polícia é sempre tenso. Mas nunca presenciei violência gratuita contra as pessoas da parte dos anarquistas.


Os anarquistas são muitos e com várias vertentes. Os anarquistas  sobrevivem a toda miséria e sorte das nações e atravessam séculos resistindo. São os primeiros a serem perseguidos no eterno vai e vem da caça as bruxas.


O anarquismo é contra a concentração de poder e evidentemente contra o capitalismo, racismo, machismo, fascismo, homofobia, misogenia, xenofobia e toda desgraça construída pela sociedade de senhores. Por isso é odiado.

Anarquia é a incontrolável manifestação da liberdade: da mente, do corpo, da existência. É a insatisfação com toda desigualdade e constituição do estado opressor.

Ficar perto de anarquistas, ou escutar o que tem a dizer nos mobiliza a querer uma liberdade que talvez jamais seja alcançada.

E é também por isso que são perseguidos.


Essa matéria https://www.youtube.com/watch?v=r1ae7_Zw8U0 veiculada ontem pela Rede Globo sobre anarquismo é grave e requer o repúdio de todos que almejam e querem outra sociedade.

E pelo que notei foram pouquíssimos movimentos e partidos políticos mobilizados ou que prestaram solidariedade aos anarquistas.

Afinal quem se importa com anarquistas?

Ainda mais quando a matéria insinua que anarquia se trata de criminosos ou terroristas que querem desestabilizar as leis, a ordem e estado ao incendiar carros de polícia e sede de partidos políticos, igrejas e consulado na região sul do país.

Hoje o terrorismo está para os anarquistas. Amanhã, ou depois de amanhã após perder as eleições, estará para outros.

A disputa eleitoral começou desde o boicote (pela esquerda) na segunda greve geral em junho. Não tenho nenhum prazer em constatar isso, pelo contrário tenho muita tristeza e escárnio.

Os primeiros alvos desta disputa que será acirrada ano que vem são os anarquistas e os milhões de votos nulos das últimas eleições.

A quantidade de candidatos para as eleições e entre eles representantes da Rede Globo não disputam entre si, mas os milhares de “eleitores” que simplesmente estão boicotando as eleições.

Esse desajuste institucional ou liberdade excessiva tem que ser cerceada de alguma forma. Sobrou para quem? Para quem desobedece, para quem não aceita ser controlado, para quem enfrenta o estado.

Os anarquistas não são heróis, salvadores ou libertadores, eles são a liberdade em construção e em movimento o que incomoda a todos que querem controlar e ajustar mentes e corpos.

Tenho curiosidade, fascínio, encanto pelo e sobre o anarquismo, mas medo é algo que não tenho perdi há anos.

Invadir a sede de organização anarquista no sul com mandado de busca e apreensão para livros e induzir de que todos anarquistas são ou aderem táticas violentas é de um fascismo assustador.

Mais incômodo deve ser para os institucionalizados a junção de protestos da magnitude de 2013 e quantidade de votos nulos pela segunda eleição. Então parece que anarquia tem seu lugar, seja na periferia ou em classes médias.

A qualquer momento o espectro mais anarquista do que qualquer outra coisa pode explodir. E óbvio que para institucionalizados isso deve e precisa ser controlado.

A tática para desorganizar atos nas ruas ou simplesmente impedir manifestação nas redes sociais está cada vez mais moderno. 

O motivo para desmobilizar os atos todos sabem, servem para que não construam greves. Afinal ninguém vai ficar manifestando todos os dias pra sempre como bem disse o presidente interino. 

Greve derruba bolsas, valores e riquezas. Greve empodera trabalhadores explorados e oprimidos com aumento da exploração e condição social e econômica de vida. 

A manifestação com proposito definido e sucessivas tem valor. Para construir greves e mobilizar as pessoas para desejar uma vida melhor e mais humana apesar de todas opressões.


A desmobilização está também nos aumentos, nos preços e custo de vida isso serve para punir a população, inclusive a classe média que foi as ruas, reclamou de tudo sem objetivo e serviu de massa de manobra para partidos corruptos. 

Assim nenhum psicológico dará conta de ver nas redes sociais as articulações para desmobilizar manifestações no próximo ano com os absurdos que você não curtiu ou de conhecidos que não compactuam com o fascismo curtiram.

E visualizar que os comentários em vídeos e matérias meticulosamente absurdas (alimentação x ração) têm o triplo para comentários se comparado com as curtidas e aqueles que curtem e comentam não existe fora da rede.

Vamos ter o direito de nos relacionar com os inimigos, até aplicativo de relacionamento serve como meio para infiltrados se aproximarem de grupos especialmente mulheres anarquistas ou de esquerda. Willian Botelho é militar da área de inteligência e se apresentava no Tinder e no Facebook como Balta Nunes

O que demonstra o nível e escrúpulo do estado/de alguns para desmobilizar desfazer e desorganizar qualquer oposição, em especial dos anarquistas. Na ditadura tiveram êxito, será que ainda conseguem?



sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Ela partiu

Gabriela se apaixonou pela primeira vez aos 16 anos. Sentiu tudo aquilo de que falam os filmes românticos: pontada na barriga, mãos tremendo, suor, coração palpitando. Não demorou muito até que começaram a namorar e tiveram o primeiro filho. Foram morar juntos. Depois vieram o segundo filho e a primeira grande decepção na vida: o marido tinha uma amante. Sem aceitar desculpas ou explicações, Gabriela pegou os dois filhos, partiu e nunca mais voltou.

A pensão do pai não era o suficiente para atender todas as necessidades dos filhos pequenos, mas ela enfrentaria isso com toda a força que Deus dá. Difícil era aguentar as cobranças dos irmãos de congregação: “essas crianças precisam de um pai, Gabriela. Você precisa dar um jeito nisso”. Ela ouvia isso quase todos os dias.

Certo dia apareceu um homem novo na igreja, vindo do Rio de Janeiro. O carioca parecia ser homem bom, trabalhador e estava mesmo interessado em Gabriela. Ele dizia não se importar que ela já tivesse filhos; assim, logo casaram e tiveram mais dois filhos.
I am mine

A caçula estava com 5 anos, seria esse o sinal? Certo dia, Deus revelou durante o culto: “cuidado, há uma serpente debaixo da sua cama”. Ela já sentia, estava acontecendo. Não queria acreditar, Deus não podia estar deixando isso acontecer de novo, o que diriam as pessoas? No começo, ainda resistiu um pouco. Não tomaria nenhuma medida a menos que tivesse a prova do crime. “Me mostre, Deus. Me mostre a verdade”.

Deus a ouviu. Durante uma conversa com o irmão Jorge, soube que sua prima trabalhava no mesmo local que o marido. “Qual o nome dela?”, quis saber. “Roberta”, respondeu inocentemente o outro. Quando ouviu o nome da mulher, sentiu uma pontada instantânea na barriga. Era ela. Mas queria mais do que saber, queria ver com os próprios olhos. Aguardaria o momento certo.

Quando julgou ter chegado o dia, pediu para o irmão Jorge ligar para casa da prima para saber se ela estava em casa. Frente a resposta positiva, deixou as crianças com a vizinha e partiu em busca da verdade. Tocou a campainha. A mulher atendeu. Com a ira contida, Gabriela se apresentou como sendo esposa de Ricardo. Sem espaço para reação da outra, Gabriela a abraçou e lhe disse ao pé do ouvido: “Jesus te ama. Posso entrar e tomar uma água?”.

Tempestivamente, Gabriela adentrou na residência. O marido estava sentado no sofá. Gabriela o olhou com desprezo e sem lhe dirigir a palavra, lançou orações ao ar. Estava persuadida de que o mal estava presente naquele ambiente e precisava mostrar toda a força divina a que servia. Cansada, sentou-se, bebeu um copo de água e disse para o marido “vamos embora”.

A sós, ele tentou convencê-la de que seria bom pra todo mundo se as coisas ficassem iguais, ser divorciada de novo não seria bom pra Gabriela, o que os outros diriam, e ele não abriria mão da nova paixão, disse tudo isso sem ser interrompido. Gabriela o ouviu calmamente. Sem o olhar, disse que ele tinha um mês para sair de casa. “Acabou”, disse sem emoção. E quem vai contrariar uma mulher quando esta toma uma decisão?

Gabriela se viu sozinha com os quatro filhos. Os mais velhos estavam enlouquecendo-a. Não aguentava mais carregar tudo aquilo. Sabia que a decisão mais acertada seria mandá-los a responsabilidade dos pais. “Filhos são uma benção, você é a mãe”, os irmãos da igreja diziam; “e eles os pais”, Gabriela retrucava, “não estou jogando meus filhos na rua, eles estão indo morar com os pais”.

A vida continuou dura para Gabriela. Mas quando foi fácil? Agora era ela e a caçula apenas. O relacionamento com os filhos mais velhos melhorou muito desde que não moram mais juntos e assim, ela segue seu caminho, apesar de todos os dedos, apesar de...