sexta-feira, 29 de maio de 2015

escarradeira

Preciso de uma, de preferência imensa e que iniba aquele som sabe.
De tanto que tosse, tosse, tosse quase a ponto de escarrar o pulmão, os rins, o coração e outros órgãos do corpo.

Mas o pior mesmo é não escarrar a indignação e revolta de todo dia, semana e mês, num dia.

Tenho acumulado no corpo e mente excrementos desnecessários.
Não sei se é a tosse ou quando a gente não cospe que mais incomoda e entala.

E acaba engolindo aquele negócio que chega a travar na goela e descer ora doce ora amargo.
Nojento? Pois é, isso é humano com ou sem etiqueta viu.

E deixa prá lá, se não vai noutro mérito.
No momento, haja escarradeira pra tanto.

E tosse, tosse e tosse.
Sobra catarro preso e falta energia pra escarrar.

Mas amanhã e depois é outro dia, outra vez, outra oportunidade para tossir e escarrar.
E, tosse, tosse e tosse.


 Agora é tomar o chá, acalmar a garganta, deitar o corpo e coração no peito com o tchu tchu.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Kombi branca


Mariana não podia brincar na rua. Seu primo mais velho saía todos os dias depois do café da manhã para se aventurar por aí. Mas ela não podia, não... Era menina. E meninas ficam em casa, meninas não podem enfrentar os perigos do mundo, porque o mundo é mais perigoso para meninas.

Uma das brincadeiras favoritas de Mariana era subir na laje da casa e imaginar que estava num desses filmes de aventura enfrentando desafios: tempestades, trem que descarrilava, furacão, a caverna que desabava, ninjas do mal para lutar...

Todas as vezes que sua mãe abria o portão para alguém sair ou entrar, Mariana saía correndo até a esquina e se via numa dessas aventuras de ação. Logo sua mãe lhe gritava para voltar e mesmo com tão pouco tempo de aventura, a garota voltava para casa alegre.

Certo dia, Mariana correu até a esquina se imaginando fugir de alienígenas. Quando chegou até a esquina, viu uma Kombi branca estacionada. Ela ouviu um ruído estranho e se aproximou para escutar melhor. De repente, a porta se abriu.  Palhaços com olhares enigmáticos ofereceram a ela balões coloridos e disseram alguma coisa que ela não compreendia. Ao longe era possível ouvir a mãe chamando: “Mariana! Mariana! Vou fechar o portão!”.

A menina estava em transe. Eles se comunicavam, mas numa outra sintaxe. Não era português, não era nenhum idioma conhecido. Era outra coisa que ela incapaz de nomear. Sentiu-se infinita. Foi desperta pelos gritos autoritários de sua mãe. Era hora de voltar.

domingo, 24 de maio de 2015

O amor está servido

Comecinho da noite. Lá fora, aquele vento que se faz notar, uivando pelas frestas das janelas. Fecho a cortina. Sigo em direção à cozinha. Sopa. Hoje uma sopa cairia muito bem. Um caldo verde também seria uma ótima ideia. Ela sempre me surpreende com algum prato simples, mas com complementos criativos. Dizia orgulhosa que era o seu toque especial em ação. Alecrim, especiarias, algum queijo fresco mais fresco comprado especialmente para dar um sabor especial às refeições. Sempre pude contar com seu bom gosto. E com o gosto bom dos seus pratos. Por isso, não consegui disfarçar minha surpresa ao chegar à mesa e dar de cara com um prato raso e alguma coisa bem superficial. Talvez fosse um pedaço de carne tímida, escondido embaixo de uma alface. Olhei para cima e não havia goteiras no teto. Do que o filete de filé estava se escondendo, eu não fazia a menor ideia. Comecei a pensar que fosse por vergonha de seu tamanho. Quis consolá-lo com um tapinha nas costas, dizendo que o importante seria o prazer que ele proporcionaria, mas não sabia muito bem onde estariam as costas do bife. E duvidei também que ele seria capaz de proporcionar muito prazer. Enfim. Corri os olhos pela cozinha, à procura da pessoa que cometera aquele acidente gastronômico. Ela havia acabado de entrar, exibindo um sorriso de satisfação. Será que ela queria me matar de fome? Mulher cruel. É hora de colocar as cartas na mesa! Embora eu talvez comesse também as cartas. Melhor ir com mais calma. 

- O que é...

Procuro pela comida no prato, com dificuldade para localizá-la. Ali, encontrei.

- ...isso. O que é isso?

Ela, mal contendo o riso, responde em uma voz fanhosa:

- Dukan foi quem botô pra nór comê!

Eu amo essa mulher.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Os livros de minha filha (parte I): Chapeuzinho Amarelo

Uma das coisas mais legais dessa história de ser pai é poder revisitar a infância. E quando falo em revisitar quero dizer participar do universo infantil só que, desta vez, pela perspectiva do adulto. A literatura infantil tem sido uma dessas revisitas, quiçá a mais interessante. Quando leio um livro pra minha filha (ela tem 2 anos), na verdade, estou lendo pra mim também. É incrível como tem coisas que ela percebe e que às vezes passa batido pra mim. E é igualmente incrível como agora eu percebo coisas e "piro" em detalhes que, quando era criança, simplesmente não me diziam nada. É triste pensar que se os livros para crianças forem lido só por crianças, todo esse tesouro de pirações será negligenciado. Pensando nisso, fiz uma seleção de alguns livros de minha filha que proporcionaram "pequenos momentos de iluminação", como diria a senhora minha esposa. Não são necessariamente os melhores, não são necessariamente os que ela mais gosta e tampouco são necessariamente os que eu mais gosto, mas são aqueles que proporcionaram tais momentos. Comecemos por Chapeuzinho Amarelo!

Chapeuzinho Amarelo

São poucas as histórias que ganharam mais versões do que o clássico conto de "Chapeuzinho Vermelho", a menina de capuz vermelho que foi incumbida de levar doces para a sua idosa avó. Vinda da tradição oral, a história demorou para ganhar uma versão escrita. A primeira compilação (séc. XVII) é catastrófica e pertence ao francês Charles Perrault. Nessa versão não há final feliz: a menina e avó são devoradas por um lobo faminto e ponto final.  A segunda compilação (do séc. XIX, acredito que a mais conhecida) é bem mais atenuada e é de autoria dos irmãos alemães Jacob e Wilhelm Grimm. Aqui aparece a figura do caçador, macho alfa que retira avó e neta vivas da barriga do lobo (ahãn... claro, claro) e levam o pobre animal à morte ao colocar pedras dentro de sua barriga. Mais recentemente, surgiram versões mais ousadas, como a de Orlando de Miranda (intitulada "Chapéu Vermelho II - as bocas do lobo), em que Chapeuzinho, após seu fatídico episódio com o lobo, mudou-se para a cidade grande (São Paulo) e precisa levar medicamentos psicotrópicos para sua avó (que numa dessas também tinha mudado para a paulicéia desvairada), tendo que, para isso, atravessar o Largo do Arouche a noite, com muito cuidado para evitar cair nas armadilhas do "lobo" (aqui representado pela violência urbana). 

Em meio a todas essas versões acredito que existe sempre a ideia moralizante do "bom caminho". A menina de traje claramente comunista só se complica, faz crer a maioria das versões, porque se desviou do caminho sugerido pela mãe, enfim, porque "não andou na linha", o que nos remete à tão recorrente prática da culpabilização da vítima, que foi estuprada porque andava com roupa curta demais, que foi assaltado porque andou por um caminho sinistro demais e por ai vai. Perpassando todo este moralismo está a chamada "cultura do medo", o medo que cada um tem dos "lobos" de nosso cotidiano.

A dupla de gênios Chico Buarque e Ziraldo conseguem resgatar essa essência no clássico "Chapeuzinho Amarelo", a menina que tinha medo de tudo, que era amarelada de tanto medo e que deixava de fazer tudo nessa vida por conta do medo (o que nós deixamos de fazer por conta do medo, hein?). E, entre tantos medos, não podia faltar o medo do lobo, que era seu "medo mais que medonho". E mesmo com tanto medo do lobo (ou seria medo do medo de encontrar o lobo?) um dia Chapeuzinho acabou se encontrando com ele, assim como nós que, sem hora marcada, acabamos por topar com nosso medos por aí.

A grande sacada do livro é mostrar que o medo de uma coisa geralmente é muito mais aterrorizante do que a coisa em si. Ao se deparar com o lobo, Chapeuzinho acaba por achá-lo inofensivo, sobretudo ao compará-lo com o medo que tinha dele. O "lobo" virou tão inofensivo quanto um "bolo". Transformação semântica feita por Chico. Transformação gráfica magistralmente feita por Ziraldo, na ilustração mais incrível do livro (reparem que o vazio deixado entre um lobo e outro vai formando, paulatinamente, a figura de um bolo. Algo parecido acontece quando se repete muitas vezes a palavra "lobo", que com o tempo vai se confundindo com a palavra "bolo").

O casamento perfeito entre texto e ilustração (Ziraldo inspiradíssimo) fazem deste livro um clássico, uma das versões mais interessantes que já li da tão revisitada Chapeuzinho Vermelho. E é por isso que o tirei por alguns minutos da estante da minha filha para mostrá-lo a vocês.

Ah, coloquei abaixo um áudio-livro com a história na íntegra!

...

Autor: Chico Buarque
Ilustrador: Ziraldo
Ano da primeira edição: 1970 (a primeira edição ilustrada por Ziraldo é de 1979)
Editora: José Olympio Editora



quinta-feira, 21 de maio de 2015

Melhor deixar como está.

Olho pro relógio.

01:53 da manhã.
O quê teria eu pra dizer à você?
Lembro do olhar... Do sorriso...
Não. Melhor deixar pra lá.
Melhor deixar como está.
Pensei em ligar. 
Mas já deixei aquela mensagem no seu Facebook.
Que, aliás, você nem visualizou.
Como assim não visualizou?
Você usou essa bagaça. Te vi online.
Sei lá.
Preferi deixar como está. Melhor não complicar.
Pra quê arriscar? Tá bom do jeito que está.
Bem... Bom não tá não!
Preferia você aqui, do meu lado, na minha história.
Mas acho que você nem se dá conta disso.
Pra quê complicar, né? 
Eu aqui, você aí. 
A vida já tem tanta complicação.
É uma ideia que existe na cabeça,
E não tem a menor obrigação de acontecer.
Melhor deixar como está.
Você na sua história.
E eu... Na minha.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Hôôôôôôôôôô... MOFOBIA!

Naquele jogo de futebol, tenso e eliminatório, o goleiro do time visitante corre para bater o tiro de meta. Ao fundo, em meio a toda torcida adversária, alguém teve a ideia de provocar. Quando o pé do guarda-meta tocou a bola o torcedor gritou “macaco!”. Alguns amigos ao redor riram. No segundo tiro de meta foram dez a gritar o mesmo insulto, no terceiro cem, depois mil. O goleiro ficou indignado, gesticulava para que as câmeras filmassem o que estava acontecendo. Clima de tensão no estádio. Os jogadores do time da casa, alguns negros, correram para a arquibancada atrás do gol pedindo para que a torcida parasse. O time foi punido. Perdeu mando de campo, alguns queriam que fosse excluído do campeonato. Onde já se viu? Somos todos macacos!

O relato acima não aconteceu, mas seria plausível. É crescente a indignação com casos de racismo contra jogadores. Não há nenhuma virtude nessa indignação, é o mínimo que se espera de uma sociedade que pretende ser civilizada. Por outro lado é um avanço, se pensarmos que há menos de cem anos negros eram proibidos de jogar futebol profissionalmente.

O relato real, cada vez mais popular nos estádios, é o goleiro bater o tiro de meta ao som de “Ôôôôôôôôôôô... BICHA!”. Gritado em coro, o som é facilmente captado pelos microfones das emissoras, mas não merece sequer menção por parte dos narradores.

Juridicamente há uma grande diferença entre esses dois exemplos. Enquanto racismo é crime, ainda que poucas vezes punido, a homofobia não é. Não há nada de ilegal na atitude das torcidas e muitos encaram como uma provocação normal, inerente ao futebol, sobretudo nos países sul-americanos, onde a catimba é quase indissociável do esporte.

Futebol é mesmo lúdico. É provocação, é sacanear o amigo sabendo que na próxima rodada pode ser a vez dele nos sacanear. Às vezes o futebol é capaz de dar uma liberdade incomum, criando espaço para descontração em um ambiente normalmente formal, mas isso não quer dizer que não deve haver limites para o que pode ser feito em nome do esporte.

Há alguns meses vi no programa “A liga” uma matéria sobre a homofobia no futebol. Entrevistado, um torcedor alegou não ser homofóbico, mas – vale uma interrupção para ressaltar que nada de bom pode vir após esse “mas” – se algum homossexual jogasse em seu time, teria que sair. Ao ser indagado se isso não era homofobia o torcedor explicou que se aceitassem homossexuais os torcedores dos outros times iriam fazer piadas com eles.

Não precisamos refletir muito para perceber que nunca houve espaço para homossexuais assumidos no futebol, o que não impede que provocações gerem brigas, por vezes fatais. A mesma hipocrisia quase irracional do torcedor que tenta justificar o injustificável, barrando os homossexuais, atua na maior parte da sociedade, que felizmente não tolera o racismo escancarado nos estádios, mas aceita normalmente a homofobia.

Por trás de uma “inocente” provocação na cobrança do tiro de meta existe toda uma repressão social, que insiste em classificar o futebol como coisa de macho. As justificativas são inúmeras. É só brincadeira, é para evitar brincadeiras dos adversários, é só para desconcentrar. O fato é que homossexuais seguem sofrendo agressões físicas e psicológicas, que nada têm de inocentes ou brincadeiras.

Não é o grito de bicha a cada tiro de meta que me preocupa, mas a passividade com que aceitamos, quando não participamos, desse coro. Quando um ato de racismo gera revolta e indignação temos um fundinho de esperança. O ideal seria que a reação fosse a mesma em relação às outras discriminações. 



terça-feira, 19 de maio de 2015

O dia em que ele não morreu

Eu nunca tive ainda um contato muito próximo com a morte. Não tive que me despedir de nenhum membro muito próximo da família e nenhum amigo partiu ainda, me deixando pra trás. Não tenho, portanto, uma noção muito clara de como será passar por tal situação quando esse momento triste chegar para mim.
Era 6h30 da manhã e meu celular tocou me acordando. No identificador de chamadas vi o número da minha mãe, e pelo horário, já imaginei que fosse uma notícia parecida. Minha avó me veio imediatamente à cabeça, já que ela está sofrendo muito na luta contra o câncer. Ao atender, já preocupado, ouço minha mãe chorando peguntando se eu estou bem. Respondo que sim e pergunto o que aconteceu. A ligação cai. Quando ela me retorna está ainda mais alterada gritando por mim e perguntando como eu estou. Eu respondo que estou bem mas ela parece não ouvir e a ligação cai novamente. Quando o celular imediatamente toca de novo, ouço a voz dela me chamando. "Meu filho, é a mamãe... você está bem?". Respondo que sim e ela me da a notícia que eu não esperava jamais ouvir. Segundo ela, ao entrar no facebook pela manhã, havia visto a notícia da morte de alguém que ela sabe ser muito importante pra mim.
As lagrimas começam a escorrer como se já estivessem armazenadas ali há tempos esperando por esse momento para caírem. Eu só consigo dizer que não é possível que seja verdade e sinto tudo girar. A sensação de desmaio veio de uma vez e minha mãe me disse para deitar novamente, o que o fiz imediatamente.
Ao desligar o telefone e entrar em minha página do facebook, ainda deitado para me recuperar, a primeira imagem que aparece é o sorriso que ocupa o ranking invencível de sorrisos mais lindos da minha vida. Ao lado dele, uma mensagem de um suposto amigo avisando sobre o acidente fatal que havia supostamente levado para sempre as gargalhadas que eu sempre adorei ouvir. Desnorteado eu começo a ler os comentários. Alguns dos amigos mais próximos se questionando da veracidade da informação e ninguém com notícia concreta alguma. Liguei para o celular dele umas duas vezes e comecei a ligar para os meus contatos em busca do endereço dele. Enquanto rezava para que fosse uma pegadinha imbecil de alguém que havia achado o celular dele perdido e decidiu destruir minha manhã de terça feira, já chamava um táxi a caminho da casa que nunca tinha conhecido, apesar dos convites já feitos anteriormente. Quando a voz irreconhecível do outro lado do interfone finalmente respondeu, a sensação de desmaio veio novamente tamanho o alívio que se apoderou de mim. Ele estava bem. Vivo. E dormindo.
Não foi dessa vez que o dono do relógio amarelo se foi. E espero que ele não se vá nunca. Pelo menos não antes de mim. O mundo sem o som daquela gargalhada com certeza seria um mundo menos propício a ser feliz.
Uma vez, quando já não éramos mais um casal, eu disse a ele que o amava. Na ocasião ele não soube entender, ainda chateado com o rumo que as coisas haviam tomado para nós. Reitero hoje o que eu disse. Meu amor por ele nunca acabou, e nem diminuiu. Existem milhares de formas de se amar uma pessoa... e eu ainda estou descobrindo isso.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Confidentes

- Seja você esquece o blá blá dos outros.
- Pois é... Mas me sinto mal. Estou cada vez mais sozinha. 
- Isso é porque eles te veem, mas não te enxergam. 
- Os significados das palavras pra ela são diferentes. 
- Você foi egoísta ou ela fez como se sentisse uma? 
- Eu não os reconheço, não pertenço mais a eles. 
- Tenho medo de me tornar distante. 
- Ela ficará com a razão, mas sem o amigo. 
- Peguei pesado, mas porque sabia que iria mudar em relação a isso. 
- Eu disse: "Olha em sua volta". Ela disse: "Você é uma pessoa má". 
- Eles dizem o que sou... Como me veem. 
- Ela diz que é uma pouca-vergonha e que o mundo está perdido. 
- Porque tem determinação. 
- Viemos sozinhos e voltaremos sozinhos. 
- Desapega. 
- Mas eu queria aprender e não deixar apenas conflitos. 
- Posso soar um pouco frio. 
- Vive no automático, isso me irrita. 
- Será algo que eu tenha que enfrentar e superar? 
- Para de se sentir culpada. 
- O que é isso?? Vai viver menina... Vai viver!!
- A vida é uma só, não tem volta. 
- Ele escolheu o que ele vive hoje, Ele! Não foi eu. 
- Eu acho que não devemos desistir das pessoas. 
- Apesar de tudo desejo que sejamos felizes. 
- A vida é isso, um ciclo. Mas curte o momento. 
- Pessoas saem e entram em nossas vidas a todo instante. 
- Eles um dia irão embora. 
- Sinto as pessoas distantes... Mas de perto me dão medo. 
- Não diz isso, porque é em você que mais me encontro. 
- Será que eu sou uma pessoa que não consegue amar as outras? 
- Esse é o problema. Não pensar em ninguém, só em si próprio. 
- Mostre o mundo a eles. 
- Você sabe o que é o amor? 
- Somos uma imensa descoberta. 
- Encare a vida, você está com medo, mas é isso ai. 
- Acho que somos para sempre. 
- Estou com medo de ficar sozinha... Só isso. 
- Eu jamais faria isso com você. 
- Sinto que precisamos um do outro. 
- Somos basicamente um só. 
- Trocar ideias e experiências é evolução, é um ato de amor. 
- Me sinto especial agora. 
- Te amo. 



quinta-feira, 14 de maio de 2015

Tempero Especial

O casal sentado à mesa do restaurante, ambos olhando o cardápio. Ele relaxado por natureza, ela naturalmente ansiosa.

– Lelê, parece que o polvo grelhado com risoto de brócolis daqui é imperdível.

– Polvo? Não como polvo, Mário Sérgio. Me recuso a comer um bicho mais inteligente do que eu.

– Bom, Lelê.. por essa lógica, metade do pessoal lá do escritório não poderia comer carne de vaca. Acho que nem de galinha, só folha mesmo.

– Olha que tem umas samambaias bem inteligentes.

– Hmmm, escuta só, Lelê: “camarão graúdo em molho de tomate com manjericão guarnecido de arroz de olivas negras”.

– Camarão, Mário Sérgio? Você já esqueceu daquele jantar na casa da sua tia? Minha garganta fechando, a pele coçando. Você estava muito bêbado, Mário Sérgio.

- Bom, que tal uma massa então? “Fetuccine ao funghi”. Não tem frutos do mar, só creme de leite, funghi e tempero especial.

- Tempero especial? Como assim, tempero especial? O que tem de tão especial assim nesse tempero, Mário Sérgio?

– Devem ser ervas finas, relaxa.

- Ervas finas? Sei. Tipo ervas que não falam palavrão. Então deveria estar escrito aqui “Fetuccine-ao-funghi-com-molho-de-ervas-finas-que-não-falam-palavrão”. Olha aqui, Mário Sérgio! Eles descrevem todos os pratos. Gergelim torrado. Amêndoas na manteiga. Purê de maçã. Batatas coradas. 

- Mas então... - ele tenta interrompê-la, sem sucesso. 

- Arroz de castanha. Cebolas caramelizadas. Creme de espinafre. Por que não descrevem o tal do tempero especial? Que espécie de tempero é esse? Já pensei numas três coisas nojentas que podem ser especiais nesse tempero, Mário Sérgio. Se tem uma coisa que eu de-tes-to na minha comida é mistério. Mistério não funciona em nada que a gente precise engolir. Quero ver você tomar um remédio para gripe com paracetamol, vitamina c e "substância especial". Quero só ver.

– E a graça da vida, Lelê? (cantando) “Dois hambúrgueres, alface, queijo, mo-lho es-pe-ci-al!”

Lelê fecha o cardápio.

– Quero um ovo, Mário Sérgio. Um ovo.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Por que?

Impressão ou tudo está um caos?
Só as minhas redes sociais estão cada vez mais assustadoras ou a de vocês também estão?
Realmente o mundo está ao contrário e ninguém reparou? (ou o reparou) 
Ninguém se pergunta por que? Por que? Por que? Por que?

~ milhões de vasos sem nenhuma flor ~

Quando, nos dias atuais, as perguntas dizem mais que as respostas, Drummond sempre se faz mestre:

                                                              "Como pode o homem
                                                              sentir-se a si mesmo,
                                                           quando o mundo some?"


terça-feira, 12 de maio de 2015

Velhice precoce

Alguém me disse uma vez que eu era uma alma velha. Isso explicaria um certo cansaço que tenho quando olho as coisas que acontecem ao meu redor. 

Mas não explica mais nada. Porque se eu fosse uma alma velha, até acho que sou, deveria ter um sentimento maior pela humanidade, uma compaixão, uma tolerância. O meu olhar deveria ser como de quem vê crianças brincando, brigando, caindo e levantando. Mas não tenho esse olhar com o mundo. Pelo contrário, olhar me enche de tédio e angústia. Sempre tem alguém que diz – Você ainda tem tanta coisa para viver!

E respiro fundo. Não sou mal agradecida, a vida sempre se agradece, mas vou fazer o que se morro de tédio a maior parte do tempo? Até tento e se existe Deus, ele sabe como eu tento. Me concentro em coisas que gosto. Tento sempre entender o mecanismo do mundo, que faz essa vida para muitos tão excitante. Já me falaram que se eu fosse milionária não teria tanto tédio. Na verdade se fosse milionária estaria mais distante do que estou, porque colocaria todo meu dinheiro para trabalhar no resgate animal. Estaria ainda mais longe das pessoas, vivendo só com os animais. E eles às vezes me indicam o caminho. Quando o tédio me come viva, acontece alguma coisa, vaza petróleo em algum lugar do planeta e aparecem aquelas imagens tristes de animais cobertos pelo petróleo e morrendo lentamente. 

Penso nos milhões de animais sofrendo, agonizando, de novo pela ambição humana. E o tédio vai embora e sou invadida pela angústia, pela visão do mundo caindo na frente de todos nós. E talvez o tédio indique que minha alma é velha mesmo, mas é a angústia que avisa que minha alma ainda está viva.


segunda-feira, 11 de maio de 2015

Visco Arterial

"Eu quero é me apaixonar, preencher o vazio daquele que vasculariza meu corpo, amolecer o ressecado de tuas veias e aquecer o visco e frio rubro líquido que, sem escolha, tem que por lá passar."

sábado, 9 de maio de 2015

O amor de Puuung


Recentemente vi alguns amigos compartilhando no facebook (sempre dedicando aos seus parceiros amorosos) uma postagem que divulga ilustrações super fofas do artista coreano Puuung.

As ilustrações mostram a rotina de um casal, valorizando o amor presente em atos corriqueiros, que poderiam passar despercebidos facilmente. O artista busca encontrar o significado do amor no cotidiano e transformar isso em arte.

Gostei do trabalho, achei de muita sensibilidade e, mesmo estando solteira, pude me identificar com várias cenas ilustradas, afinal, o amor não está presente apenas em relações de namoro ou casamento.

 Eu posso ver o amor quando faço um almoço gostoso com minhã irmã...
ao receber um carinho quando estou doente...
quando minha mãe me serve um prato especial...
enquanto arrisco despretensiosamente uns passos de dança com um amigo...
ou ao passear de bike com outro.
Vejo o amor quando minha tia faz chá pra mim a noite...
 durante uma sessão de cinema ou de séries em casa com irmãos ou amigos...
 ao consolar uma amiga em um momento difícil...
e até nos mais sonolentos momentos de estudo em grupo.

Só faltou uma ilustração das personagens tomando uma cerveja numa mesa de bar rs. 

Acho que o amor, em resumo é isso: o cuidado, o carinho, a cumplicidade... o querer bem, querer estar perto, querer participar. Temos a opção de viver com amor ou sem (no sentido de perceber, demonstrar e valorizar a presença do amor em momentos cotidianos). Mas com amor, nossa vida fica mais leve e mais feliz.

E vocês, o que acharam dos trabalhos do Puuung? Também se identificaram? E sobre o amor, o que pensam? 


Música: Do amor - Tulipa Ruiz


sexta-feira, 8 de maio de 2015

Bolo

 O pai de uma colega minha tinha cirrose.

  Ele não viveria mais de uma ano embora ainda tivesse uma qualidade de vida relativamente boa, e um dia a dia relativamente normal.

  Um dos sintomas tinha a ver com a alimentação,que era muito restrita, doces por exemplo nem pensar, sobrecarregavam seu organismo e um pedaço de chocolate podiam fazê-lo dormir por dias, inclusive fora assim que descobriram que sua doença.

  Claro que não poder comer porcarias não diminuia sua vontade, muito pelo contrário.

  Acontece que esta minha colega, tinha tido duas meninas gêmeas ano passado, eram as duas primeiras e últimas netas do tal senhor que as adorava.

  Sabendo que o primeiro aniversário delas seria o único com a participação do avô, ela fez uma festa em casa com a família com direito a bolo de festa.

  Com a casa cheia, o velho encontrou espaço para comer escondido um grande pedaço de bolo, e foi embora bem para a casa com a esposa.

  No dia seguinte claro, dormiu profundamente, o dia inteiro, e o dia seguinte, e o outro.

  No terceiro dia a esposa acordou e o marido não estava na cama, procurou na casa toda e não encontrou, preocupadíssima ligou para o a filha, contando que o pai doente havia sumido.

  A filha no telefone, preocupada já ia sair as ruas procurando o pai quando ouviu a campainha tocar, pediu a mãe que esperasse no telefone. 

Na porta estava seu pai, que achando ter dormido só uma noite, foi cedo na casa da filha e a primeira coisa que perguntou logo depois do bom dia, é se havia sobrado um pedaço de bolo.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Então, é isso. Ou: um tchau, apenas.

Eu queria escrever meu melhor texto para sair do grupo. 
Uma saída apoteótica, todos desejam, quem não?
Mas eu não consegui.

Eu reli todos os meus textos. Percebi o quanto de mim deixei nessas postagens. Houve vezes que escrevi por escrever e o feedback foi excelente. Ao contrário, houveram vezes que textos que considerava brilhantes foram esquecidos, ou pior, risíveis. 
Faz parte de mostrar-se. Escrevemos para o outro.

Eu não consegui escrever meu melhor texto. Amanda Palmer diz que temos três pontos, como criativos: a coleta, a conexão, a partilha. E eu estou na fase da coleta. Algo virá, mas não agora.
Depois de muitos plágios, muitas decepções, muito muito por demais, eu percebi que eu preciso de um tempo. De me reinventar, de me reescrever.
Mas o show não pode parar, e eu não tenho condições para escrever coisas tão pessoais quanto as que já escrevi aqui. Alguém tem que ocupar o meu lugar.
Foi fascinante viver a experiência, mas está na hora de deixar alguém com mais a dizer tomar o dia 4 para si.
Vida longa ao próximo. 
A minha foi na medida.


Obrigado ao grupo, estarei sempre à disposição. Esse é que é um momento atípico, que pede decisões duras. Como largar o osso, por mais saboroso que ele seja.

Beijos para quem é de beijo, abraço para quem é de abraço. Até a próxima, até breve, até.