quarta-feira, 29 de novembro de 2017

das misérias nossas e do mundo

De junho pra cá tenho feito o possível para preservar ou fortalecer pouco mais a minha saúde mental. Talvez por isso não tenha me dado o disparate de contar as misérias, sejam as minhas que envolvem outros ou do mundo caduco no qual vivo.

Então decidi que durante alguns meses ia falar sobre filmes e séries e procurar o banal ou alegre nas redes sociais. Durante semanas consegui, depois percebi a impossibilidade de fechar os olhos para a janela do mundo.

As notícias sobre a Líbia divulgadas nas redes sociais estarreceu a todos que assistiram aqui. Menos os jornais e ricos.

Mais estranho a maioria sujeita ao desemprego, a fome e miséria não se alarmar com as cenas de homens sendo vendidos como mercadoria.

Não houve divulgação sequer nos jornais.

Não aconteceu nenhum pronunciamento de presidentes dos países mais desenvolvidos.

Não existiu vinheta nos principais canais de televisão para anunciar que pessoas estavam sendo comercializadas, vendidas e/ou escravizadas em nome do nosso sistema neoliberal, democrático e capitalista.

Diferente do atentado na Somália de algumas semanas atrás quando mais de 300 pessoas morreram e houve alguma veiculação na mídia televisiva sem a igual comoção de outros atentados, esse crime/violência contra a vida e igualmente desumano que até então soube somente pelos livros de história não mereceu nenhuma repercussão.

Mas alguém pode se perguntar por que devemos ou precisamos nos preocupar com a miséria alheia uma vez que está longe e nada podemos fazer, pois sempre existiu e jamais deixará de existir pobres e miseráveis no mundo.

Desde que estive mais próximo das realidades piores que a minha deixei de acreditar que a fome e miséria estavam tão longe de mim. Assim quando li a matéria sobre a criança que desmaiou por fome no Distrito Federal aqui, lembrei das cenas de dois anos atrás para famílias muito próximas, com minutos/horas de um bairro para outro.

A diferença de hoje para tempos remotos é que a miséria alheia e distante está quase a olhos nus, podemos ver o que acontece noutros lugares no tocar dos dedos quase que em tempo real.

As transformações para um novo viver ou para destruir as misérias humanas estão na atenção que não temos ao que realmente importa: a fome.

A fome e miséria demoravam meses para chegar ao conhecimento, hoje podemos saber em segundos. O que nos distancia deste discurso de que nada podemos fazer. Podemos fazer algo se acaso nos dispor ou atentar na desorganização do mundo de fantasias que nos impõe as redes sociais.

Assim como qualquer pessoa não gosto de compartilhar fotos de gente sangrando ou numa situação vexatória, mas as denuncias urgentes não aceitam o crivo para foco da câmera com a noção do ideal a circular nas redes.

As pessoas se incomodam com fotos marcantes ou denuncias de crimes de guerra, sejam por meio de armas ou ausência de comida. Tanto que a rede retira conteúdos considerados agressivos ou noutras palavras o que seriam provas de crimes de guerras.

No mundo em que mercadorias valem mais que pessoas ou pessoas servem de mercadoria o ideal é de que fotos de terremotos no Haiti, atentados contra a Somália e desumanização na Líbia não circulem, mas se porventura ocorrer em outros países com demais etnias/pessoas, ok.

O que aconteceria se a denuncia de pessoas sendo vendidas e escravizadas na Líbia fossem divulgadas pela unanimidade ou quase todos que tem acesso as redes sociais?

Qual a reação de presidenciáveis e grupo seleto de ricos e canais de comunicação para protestos liberté african  e Marche pour l´abolition de l´esclavage em diversos países sobre o repudio da miséria da qual vivemos?

O “não posso/podemos fazer nada” não nos cabe, quando temos a chance de pelo menos dar atenção a fome de refugiados, a desumanização e mercantilização de pessoas.

Dizem que na política não existe vácuo, assim creio que na vida virtual também não.

Embora queira me deixar guiar pela suavidade e leveza das redes para que não seja embrutecida no dia a dia e perdure com esperanças de transformação desse mundo, opto sempre pelo filtro de três níveis: classe, raça e gênero que não respeita ordem nas palavras pois estão arraigados e com nível de sensatez primordial para continuar a caminhar.




segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O primeiro choro

“Fica mais um pouquinho?”

“Não posso. O horário de visita acabou, mas amanhã eu volto, viu?”

Antes de ir ele ainda teve um tempinho para confortar aquele choro que ela não conseguiu conter por ficar sozinha, no hospital, em uma situação tão delicada. Um beijo na testa e um último afago no rosto, para secar as lágrimas, e o horário havia de fato acabado.

Por enquanto não tinha mais nada que ele pudesse fazer. O melhor era voltar para casa e tentar descansar um pouco. Enquanto esperava pelo ônibus aquele pedido martelava em sua cabeça. “Fica mais um pouquinho?”.

Passar a noite em claro na sala de espera do hospital foi tempo mais que suficiente para pensar na vida. Em seus quase oitenta anos, nos sessenta anos de casado, em quanta coisa cabe em uma vida partilhada.

Achou que estava em débito. Achou, não. De fato, estava. Poderia ter sido mais atencioso, mais presente, mais carinhoso. Havia sido sempre menos. Nunca aprendeu a ser diferente e parece que agora teria que aprender na marra. Não seria tarde? Aquele pedido deu forças para acreditar que não.

Já no ônibus, queria chegar em casa logo. Não era longe, mas pareceu uma longa viagem. Quando chegou, parecia ter entrado em um local desconhecido. Não era a mesma casa sem ela.

Precisava de um banho. Um longo banho frio para se recompor. Quando a água molhou seu corpo, chorou. Ele que nunca havia chorado, nem quando perdeu os pais, nem quando perdeu o olho esquerdo em um acidente, nem quando perdeu um neto para o câncer.

Não é que não se emocionava, só as lágrimas que não vinham. Dessa vez foi diferente. A incerteza do futuro, a solidão, a injustiça de não poder trocar de lugar e ficar no hospital no lugar dela.

Ele finalmente chorou tudo o que estava acumulado ao longo de uma vida.

domingo, 12 de novembro de 2017

Se cair de cabeça quente, se levante de cabeça fria


Uma das piores coisas que aprendemos na vida é a parar no meio do caminho para ficarmos lamentando o erro cometido, a estrada equivocada, o atalho que nos levou a perder tudo. Ficamos ali congelados, sem saber o que fazer, vendo o tempo passar enquanto tentamos entender na nossa mente o que nos levou até ali.

Levei anos para aprender a perceber a importância de me mexer logo, de não perder tempo tentando decifrar o que não iria mudar minha história, mas ainda me cuido, porque sei que posso cair a qualquer momento e passar largas décadas lamentando a queda, parada no mesmo lugar.

O problema não é cair, isso é um fato que vai acontecer com todos, mas ter a cabeça fria de ver como vai se levantar.

Sempre penso na história de uma amiga de minha mãe. Ela perdeu os pais muito nova, ficou morando com uma tia, se apaixonou loucamente aos dezoito anos e se casou, tudo feito na emergência de sair da casa da tia, de ter vida própria, de começar outra existência mais feliz. Se enroscou na decisão, engravidou logo e quando acordou tinha cinco filhos.

Trabalhava antes na loja de uma amiga, mas com tantos filhos foi obrigada a ficar em casa, para cuidar a todos.

Os anos passaram, talvez dez anos, doze anos, não sei, mas ela se viu presa no erro, cheia de filhos, sem estudos e com um marido que se revelou um pesadelo. O rapaz era trabalhador, mas bebia, jogava e gostava de mulheres, pagava as contas da casa, mas continuava se comportando como se fosse solteiro, pior, adolescente.

Então ela resolveu sair do casamento. Mas teve uma ideia brilhante, uma luz que deve ter aparecido depois de tanta dor. Se tinha entrado no casamento tão apaixonada, tão cabeça quente, tão impulsiva, agora seria outra para sair, faria tudo tranquilamente, de cabeça fria e sem colocar sentimentos na mesa.

Comentou a algumas amigas a ideia que teve, de sair devagar do casamento, todas fizeram questão de dizer que era um absurdo, que elas poderiam ajudar, mas essa ideia não era boa. Pra quê fazer isso, planejar sair de um casamento como se fosse uma questão secreta de algum governo? Pede o divórcio e pronto.

Mas ela entendeu sua situação, não tinha pais para ajudar, tinha cinco filhos, nenhuma formação e que tanto as amigas poderiam fazer por ela? Finalmente cada uma tem sua vida.

Ela pensou no divórcio e analisou a situação. Resolveu que precisaria primeiro de um emprego e começou a procurar um. Como não tinha formação, encontrou espaço na área de vendas, começou a vender seguros. O marido não dizia nada, a essa altura já chegava sempre bêbado em casa e não sabia nem o que tinha acontecido durante o dia.

Conversou com o marido sobre a importância de deixar a casa que ele ainda estava pagando no nome dos filhos, era mais seguro assim e o marido aceitou.

Já vendendo seguros, trabalhando nas ruas, começou a escutar outras pessoas, ter ideias novas e percebeu que precisaria pagar um plano de aposentadoria.

Foi fazendo isso, aumentando sua autoestima, tinha que se arrumar para sair de casa, deixava a filha mais velha cuidando dos menores e começou a planejar sua saída do casamento. Procurou um advogado e entrou com o processo de divórcio, o marido quando foi avisado deu um escândalo, berrou dizendo que não pagaria um centavo de pensão e ela poderia ficar com a casa, porque de qualquer jeito iria morrer de fome com as cinco crianças.

O marido não sabia do caixa 2 que a mulher tinha feito vendendo seguros, não sabia que ela já tinha calculado sua renda sem o dinheiro dele, nem que estava bem estabelecida vendendo seguros.

O marido foi embora, levou anos para conseguir tirar dele uma pensão, mas ele enrolou tanto e conseguiu escorregar da justiça centenas de vezes, que quando foi determinado o valor, os filhos já eram maiores de idade, então ele se livrou da pensão, mas concordou em pagar a faculdade deles.

O impressionante desta história não foi o marido que sumiu por anos e a deixou sem pensão, mas que entre o plano de se divorciar e o fato acontecer, se passaram quatro longos anos.

É isso que faz a história tão extraordinária, uma mulher que percebe como errou ao entrar em uma situação de cabeça quente e decide que vai sair dela, mas de cabeça fria.

Ela planejou tudo com calma, sem erro, mas não deve ter sido fácil, isso a obrigou a conviver com um marido que não amava mais e lidar com situações penosas, mas teve a tranquilidade de perceber que um movimento errado seria pior, ter a cabeça quente e sair correndo do casamento a levaria a passar fome com cinco crianças, mas pensando de um jeito frio, ela conseguiu se segurar quatro anos. E todas as amigas dizendo que aquilo era um erro, que era melhor pedir o divórcio e esquecer o assunto, mas ela resistiu até o fim.

O fim da história foi justo, os filhos cresceram respeitando a mãe, entendendo o tamanho do seu sacrifício e visão, ela se aposentou bem, não precisou mendigar dinheiro de marido, conseguiu dentro de sua área fazer uma carreira que nunca permitiu grandes luxos nem viagens, mas pagou as contas e colocou o pão dentro de casa.

Ela errou uma vez, jovem, sem família, mas não se permitiu errar novamente, e muitas pessoas dizem que a história deu certo para ela porque não amava mais o marido, mas isso é uma suposição, quantas mulheres não amam mais o marido e mesmo assim saem dos casamentos de cabeça quente? A grande maioria faz isso.

Outras pessoas dizem que ela aguentou o casamento porque ele não era violento, mas isso depende da perspectiva, eu acho violento um homem que chega caindo pelas tabelas todos os dias, está sempre bêbado e ofendendo a mulher.

O que ela fez foi por instinto, não tinha ninguém para ajudar, nem dizer como fazer. Nem acredito que ela tenha tido na época a clara noção do que tinha decidido fazer, sair de cabeça fria de uma situação que entrou de cabeça quente.

Mas o que muitas vezes nos mantém presos a uma situação é que entramos nela de cabeça quente, caímos de cabeça quente e queremos nos levantar de cabeça quente, como se isso fosse possível.

Quando eu era pequena caí durante uma patinação no gelo, e comecei a chorar, um professor se aproximou e disse ''respira fundo e tenta se controlar, assim é mais fácil se levantar''.

Não foi porque tive uma fratura exposta, mas hoje entendo o que ele quis dizer, na queda choramos, nos desesperamos e não pensamos em nos levantar respirando fundo, de cabeça fria, e perdemos um tempo sagrado ali, no meio do ataque de histeria.

A isso somamos o tempo biblíco, aquele espaço que damos para nos julgar, mutilar e começamos a autopunição, como se isso fosse adiantar alguma coisa. Diante do erro perdemos tempo nos lembrando que poderíamos ter evitado essa queda, prendemos nossa mente ao momento e esquecemos de tudo, a queda vira um tombo gigante e parecemos incapazes de reagir.

Algumas pessoas disseram ''mas ela levou quatro anos para sair do casamento? É muito tempo''.

Sim, é bastante tempo para tolerar alguém que não amamos mais, mas quanto tempo ela teria levado, caso não estivesse preparada? O marido sumiu com o pedido de divórcio, ela teria ficado sozinha com os filhos e sem renda, quanto tempo teria levado para se organizar novamente? 

Quatro anos parecem muito tempo, mas com certeza se ela tivesse pulado fora de cabeça quente o tempo consumido teria sido maior.

Pode acontecer em muitas situações, levamos um minuto para entrar e anos para sair, mas é melhor levar esses anos tentando sair de maneira fria, do que ficar presa mais algumas décadas, estrebuchando de cabeça quente.

Caiu? Respira fundo e pensa em sair de cabeça fria. Se caiu de cabeça quente, espera esfriar. Cair de cabeça quente é uma coisa que acontece, mas todos podemos esfriar a cabeça para sair da situação.

E talvez venha disso o aprendizado, quando dizem que não saímos das situações da mesma maneira que entramos, que tudo nos transforma. Talvez a transformação venha da temperatura das nossas cabeças, quente para entrar, frio para sair.

O ideal é nunca ter cabeça quente, até na hora de entrar em situações ruins, é sempre bom pensar com calma, mas o ser humano não é assim, a cabeça esquenta, a pressa de mudar a vida aparece, o momento aperta e nos jogamos sem esfriar as ideias. Acontece. Mas a regra é, se caiu de cabeça quente, se levante de cabeça fria.

Iara De Dupont

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Gente que leva Bavaria


Estou aqui sentada num bar próximo à minha casa, esperando uma amiga. Uma mesa comemora o aniversário de um homem chamado Capivara e me olha desconfiada: o que essa moça está fazendo sozinha aqui? É que preferi vir ao bar a escrever este texto. Por fim, acabo escrevendo, enquanto ouço os distintos senhores falarem de sacas de café, selas e de um cara que bebeu 70 garrafinhas daquela cerveja verdinha (contam também que na casa do fulano o pessoal leva Bavaria e bebe a sua verdinha).Um cachorro de rua me pede um pedaço de bolinho de carne, Kid Abelha faz o fundo musical, você gosta de pimenta ou molho de pimenta, pimenta. Forte. Eita vidinha besta.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Papel e canetinhas.

Se você não for o Bob Dylan, nem estiver na década de 60, por favor não me faça um vídeo-modinha levantando sulfite, ok?

Haja árvore, escrevendo uma frase por folha.

Usa uma lousinha de 1,99,o Paint, o PowerPoint...

É pra ser em uma tomada só? Preguiça de editar? 

E o português? Coitado do português!

Bom, acho que pus pra fora o suficiente para não virar um câncer.
Obrigada.


terça-feira, 7 de novembro de 2017

corpo-lua

o céu anuncia
o que chão encobre -

esta melodia
o afagar das mãos
a noite eclipsando

o teu corpo-lua

no descampado 
dos dias.