quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O Censo e o Senso

O Absurdo me incomoda. O Camus também. Eu li O Estrangeiro e gostei muito, mas perturba. Deu mais vontade do cara e li A Queda. Devia ter parado no gostei com o estrangeiro, eu não sabia o que era perturbar. A queda me horrorizou a ponto de eu ficar uns 20 minutos sentado quando acabei sem saber o que fazer dali pra frente. Mas como eu não tenho vergonha nem coragem escapei do transe e a vida(?) seguiu. Domingo último assisti um programa que citou outra obra dele, O Mito de Sísifo. Gostei do que a mulher dizia o livro abordar e comecei a ler hoje. Faltou essa velha puta dizer que o livro não dizia só aquelas coisas legais e esperançosas das quais ela usou pra conduzir a palestra, sei que faltou também eu lembrar dos murros que o Camus me deu, mas como a minha memória segue o dono, e sendo assim não passa de uma covardona, esqueço sem remorso e culpo a velha. O problema é que com esse último a surra é bem mais pesada, e eu não cheguei nem na metade.
Não bastasse as minhas dúvidas e desânimo, falta de sentido e questionamentos, chega esse cara e reforça tudo isso com lucidez e didática impressionantes. E o pior, não te dá alento. Esperança? não Eduardo, isso não existe. Teu Deus? não existe. Achar sentido no mar de falta de sentidos? pára que é perder tempo, trouxa. É o Absurdo, ele. Aceite e trate de conviver. Mesmo por quê isso não depende de você, quer queira quer não ele vai continuar aí. Assustador. Cogitar a ideia de criar coragem e aceita-lo mais ainda.
Eu sempre tive esperança, sempre. Mesmo quando o breu domina. Acho que é por quê eu deva ter a alma simples, ser uma pessoa simples, sem nada de realmente grande e importante. Deve ser por isso que sempre me dei bem com os trabalhos simples e funcionais que arrumo, sonho bastante (e faço pouco) enquanto me ocupo feliz com algum trampo inútil. Só que de vez em quando contra a minha vontade vem a tomada de consciência (o transe lá de cima), e fode com tudo.
Camus era argelino, seu pai morreu quando ele tinha 1 ano na 1º guerra. Foi morar na casa da vó junto da mãe, irmão mais velho e um tio meio surdo. Se não fosse dois professores ele teria largado os estudos pra trabalhar na oficina com o tio, e assim ajudar sua mãe que lavava pra fora. Quando acaba de se formar a tuberculose não o deixa ser professor. Foi expulso do país pelos ensaios/denúncia que fez abordando a crueldade do governo francês com os árabes. Foi pra França. Sozinho. Mulher e filhos ficaram na Argélia presos por causa da guerra. Um de seus filhos morre em 1960. Ele também, num acidente de carro. Dizem que ele gostava do ambiente da oficina do tio, e das melhores lembranças de lá ele guardava em especial a camaradagem dos operários. E foda-se, é nisso que eu vou me segurar Camus.
E amanhã quando eu tocar a campainha da casa torcendo pra senhora ser rápida por quê tempo é dinheiro, vou perder mais alguns minutos da vida e escutar ela dizer que o filho de 38 anos não tem renda por quê é inválido em consequência da cirurgia que retirou quase o estômago inteiro, e vou continuar ouvindo mesmo sem ter perguntado porra nenhuma pra ela que o INSS cortou o benefício já que ele não usa mais bolsa de colostomia, embora ainda podre.
E vão ficar nós três ali, a senhora esperando o alento, eu sem saber que caralho dizer, e o Absurdo.

11 comentários:

  1. É, recenseadores existem aos montes, pipocam pelas ruas agora. Mas com esse senso, vixe, sei não. Acho que só você, viu? Só você.

    ResponderExcluir
  2. Uma vez li um livro q me deixou doente, quase fiquei de cama. A história me envolveu tanto, torcia tanto pelo anti-herói, mas o final é dos mais arrebatadores q já vi. Era "O Rei de Havana", do Gutierrez. Foi horrível. Mas acredito q qdo a vida - e não os livros - dão certas porradas na gente, é pra gente reagir, lutar, ter esperança. Tomar consciência do mundo como ele é enriquecedor e estimulante, mas só os ignorantes são felizes de verdade. Por isso, confesso q prefiro a ignorância.

    Mudando de assunto: esse foi um dos melhores textos q li por aqui. Gostei demais!

    ResponderExcluir
  3. *Tomar consciência do mundo é enriquecedor e estimulante...

    ResponderExcluir
  4. Eu considero O Estrangeiro como o melhor livro que já li, gosto muito daquele personagem principal, gosto tanto que com o passar do tempo acho que estou me tornando parecido com ele, o que não deve ser lá muito saudável.

    ResponderExcluir
  5. Ah, já fui recenseador, em 2000. Ganhei pouco, andava bagariu, não comia direito e até ir ao banheiro era complicado. Mas hoje tá tudo informatizado então creio que o recenseador sofra menos e o lado bom é que vc vai poder escrever um livro só com as histórias que surgirão, cada dia tinha (ainda deve ter)umas 2,3 situações bizarras pelo menos.

    ResponderExcluir
  6. não tem como procurar o Sentido no mar do Absurdo, do não-Sentido.

    vc mesmo tem que construir esse Sentido e depois se convencer de que ele ja existia e , por isso, é pleno.

    eu costumo ler os livros do Irvin Yalom. eles dão essas porradas mas depois passam a mão. e acho até que são sinceros. ;)

    ResponderExcluir
  7. Gostei nada d'O Estrangeiro, confesso. Mas que ele me incomodou, ah, incomodou.

    Demorei pra "entrar" no seu texto porque o li no trabalho, mas gostei. Ser recenseador deve ser interessante, cada história que vc conseguir guardar no final de cada dia pode render um livro. Já pensou?

    Vou tentar esses outros 2 de Camus. Assim que eu terminar de ler um livro com 100 receitas de arroz que achei legal (hahaha que vergonha da minha futilidade).

    Bjo

    ResponderExcluir
  8. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  9. Eduardo, pessoa que não existe, eu fico nesse orgulho-saudade de ter você como amigo, pois para você, ler Camus não é firula; não é matéria de prova, não é para impressionar na rodinha hype ou curricular. Eu gosto muito de seus textos e do que eles têm de espontâneo e meditativo, já que arte/filosofia pra você são instrumentos para iluminar a vida, para entender o mundo, e para devolver ao mundo, nas ações do cotidiano, grande humanidade. Às vezes resultam num texto como este, sem pseudo-intelectualismo, mas inteligente demais. Fiquei louco para ler esses Camus que você leu e eu não li, pois adio obrigações e perco tempo - por tédio - em coisas fúteis para distrair a vida. Eu não quero sofrer filosofias, eu quero mesmo é anestesiar esse senso de esperança e fé que anda em mim meio perdido.

    ResponderExcluir
  10. Tu sabe que eu adoro um desalento, certo? Sem mais,

    ResponderExcluir