Eu me lembro de vê-la, dia após dia, esperando o ônibus escolar, com sua mãe, na frente de casa. Enquanto eu, ou ia de ônibus municipal ou ia caminhando. Estávamos na oitava série. Nessa época, meu pai já tinha falecido e minha mãe trabalhava tan-to para sustentar as três filhas que esses cuidados de levar, buscar, esperar junto eram raríssimos. Eu tinha que ser independente. Ela usava aquele aparelho ortodôntico parecido com capacete e eu achava vergonhoso. O que hoje sei coragem.
Só no primeiro colegial estudamos juntas. Eu, que tinha sido afastada das minhas amigas de sempre, me enturmei com os roqueiros da sala. Mas era ela quem sentava no fundão. Não trocamos nenhuma palavra nesse ano.
No segundo colegial, continuamos na mesma sala. Os roqueiros que mudaram e eu perdi meus papos sobre Guns ‘n Roses, AC/DC, Bad Religion e Rage Against The Machine. Me enturmei, então, com as gostosas da sala, que eram novas na escola. Já escutaram que sempre entre as gostosas há um patinho feio? Então. Além de gostosas, elas não eram muito inteligentes e sentavam no fundão porque lá era mais fácil colar. No fundão. No meu lado direito, depois de algumas pessoas, estava ela. Voltei a olhá-la como há anos atrás, como uma paisagem enquanto eu ia. Já não usava aparelho ortodôntico. Eu tinha as melhores notas entre todos os alunos da escola e desafiava os professores; eles não entendiam. Nesse ano, minha mãe cansou de ser chamada na escola por causa do meu mau(?) comportamento. Enquanto eu contestava, ela matava aula para praticar esporte. Era amiga dos garotos mais velhos e mais bonitos.
Só nos falamos no ano seguinte, 2004, porque tínhamos uma amiga em comum. Essa amiga sentava-se de frente para o professor, enquanto nos mantínhamos nos mesmos lugares. Dias e palavras depois, nos esperávamos no portão para irmos embora, caminhando. Foi nessas caminhadas que pude conhecê-la. E nas esticadas para almoçar e assistir sessão da tarde ou para compartilhar revistas. Cada dia na casa de uma. E a escola como um mundo a parte para a amizade que contruíamos, muito sem saber o que seria 2005, em relação a nós, como amigas, e nossas vidas.
Nesse ano, fui convidada a participar do Grêmio Estudantil porque era cheia dos discursos reacionários, ganhei dos professores a inscrição para o vestibular de Letras da UNESP (ou UNIFESP, não me lembro) que não prestei e também meu único D, em Literatura porque me recusei a participar de uma apresentação para representantes de um consulado.
O colegial acabou, mas contínuamos, juntas e diferentes, mesmo nos períodos de separação: enquanto eu cursava Informática e estagiava em outras cidades e ela cursava Hotelaria ou, enquanto ela namorava e eu amava e planejava ir, o que ela só soube quando acabou.
Por ela, eu chorei dias seguidos pela possibilidade de vê-la partindo para um país distante. Mesmo sabendo que seria com seu grande amor e que era sua felicidade, porque meu coração queria cuidá-la e por ela, ser cuidado, sempre.
Com ela, aprendi que amizade é além da identificação óbvia de compartilhar os mesmos gostos, porque isso, não fazemos. Nunca fizemos. Nossa identificação é no pensar as mesmas coisas, sonhar. O que importa.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
Talita
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Lubi
Tenho vinte e quatro anos e estou perdendo-os apressadamente na sobre-vivência com a visão e audição e olfato e tato e paladar pela intensidade de sentir. Sinto muito. Sou inteira id. Nasci passado e não sei se é corpo ou alma esse envelhecimento. Essas tantas rugas de tão poucos amores como o craquelado de chão sertanejo, até o abismo interior ou o abaixo da terra, esses infernos. Meu imenso ego transborda invisível o físico. Para falar dos outros, falo de mim e até calada. Você jamais me conhecerá inteira porque quando minto, há verdades e elas são minhas e apenas, porque minha prisão é viver o que quer que seja e a libertação é a escrita. Quando eu não suportar mais essas tantas reinvenções de mim mesma pela negação do eu único e profundo e tão só e pelo ódio ao previsível e rotineiro, queimarei meus restos para as moscas não pousarem nesse sagrado, para os insetos não devorarem o que nunca houve. E tocarei um fado, o mais triste, para o tempo parar para sempre.
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Que história bonita, Lubi. Eu da Talita ficaria orgulhosa das palavras dessa amiga.
ResponderExcluirCaracas a Talita se foi. Sucesso para ela!
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