segunda-feira, 28 de junho de 2010

Sobre como eu roubei uma empregada

Assédios sexuais em elevadores, mulheres que andam de salto e causam enxaquecas, brigas conjugais por roubos de chip, crianças que choram demais, moradores que pisam na grama, carros mal-estacionados e monopólio da churrasqueira costumam ser os principais motivos de briga no condomínio onde eu moro. No entanto, tudo assumiu uma proporção frente ao problema maior: eu roubei uma empregada.

Não é fácil chegar em casa e sentir aquele cheiro de comida gostosa pronta. Eu não sou casado. Minha mãe trabalha e meu cachorro não cozinha. A rotina é simples: chegar em casa, pegar o arroz, colocar no microondas e fritar uns nuggets. Não sou uma pessoa menos feliz por isso. A praticidade roubou a realidade de uma boa refeição pré-sono, eu sei, mas seria injusto bater na minha mãe por causa de comida. Prefiro dedicar outros motivos a isso.

Sendo assim, é uma afronta ver que meu olfato era aguçado pela casa ao lado. Encontrar os moradores daquele apartamento de manhã no elevador era insuportável. Aquela cara de bem comidos, sorriso no rosto, barriguinha que não ronca e outras características de quem dedica a mesma atenção à cama e à mesa. Isso tinha que terminar de algum modo. Não é inveja. É igualdade social.

Logo, resolvi investigar. Se fosse a mulher que cozinhasse, ofereceria sexo gratuito em troca de comida. Se fosse o marido, eu comprava um livro de receitas. Ou o contrário. A responsável pelas refeições daquela casa era uma moça que se chama Roberta* (*nome fictício para defender a sua integridade física e moral). Fiz a Roberta uma proposta que ela não poderia recusar: trabalhando em minha casa, ela não precisaria limpar ou atender o telefone, bastava fazer as melhores refeições do mundo. Compensei a lealdade com algumas notas e logo ela se mudou para a minha casa.

Os primeiros dias foram uma maravilha. Roberta chegava cedo, fazia o café da manhã e eu me sentia num comercial de Doriana. O relacionamento familiar melhorou e até meu cachorro passou a ser alimentado diariamente. Minha mãe se sentiu um pocuo desprestigiada, mas as porções de bolinhos de chuva faziam qualquer um engolir o orgulho com gosto.

Quando tudo vai bem, o caos se aproxima. A contratação de Roberta gerou um mal-estar. Os moradores do apartamento, que perderam os serviços da moça, se sentiram lesados. Cortaram relações conosco e não nos convidaram mais para festinhas no salão de festas do prédio. Além disso, contrataram uma outra empregada, de um outro apartamento. Isso gerou em efeito em série, gerou uma alta no mercado especulativo de empregadas ao ponto de que muitas passaram a semana em suas casas, de folga, selecionando propostas.

Pessoas com fome tendem a ficar mais agressivas e o síndico convocou uma reunião. Após uma sessão tensa, com ameaças de morte e prestação de contas sobre licitações duvidosas de compra de samambaias artificiais, ficou estabelecido: “Nenhum morador está autorizado a contratar qualquer tipo de prestador de serviço que atue na residência de outro condômino. E pisar na grama continua proibido, exceto o responsável pela limpeza da placa de “Proibido Pisar na Grama” por motivos óbvios”.

Continuamos com Roberta. Com o tempo, ver a casa desarrumada não compensava mais ter as refeições de uma novela de Manoel Carlos. Era desconfortável sentar no lixo empilhado e brigar com as formigas por um pedaço de pão. Tentamos renegociar, mas Roberta estava acostumada com o conforto proletário ali estabelecido. Era hora de mandá-la embora. Chamei para conversar e dispensei a moça. Ela chorou um pouco, eu chorei mais e ouvi a barriga roncar. Era a aposentadoria do meu olfato e a certeza do fim de uma era de benção alimentar.

Para quem ficou triste, Roberta logo foi recontratada pelo apartamento vizinho, que dispensou a sua empregada, que voltou a trabalhar no apartamento antigo, que também mandou a diarista anterior embora. Hoje, o síndico pensa em convocar uma nova reunião para decidir se as despesas com as demissões podem ser incluídas no condomínio em forma de rateio. Prefiro gastar meu dinheiro na linha de congelados Sadia.

11 comentários:

  1. as lasanhas sadias são ótimas!

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  2. oups. *Sadia.
    infelizmente não tenho tanta certeza quanto ao valor nutricional.
    mas, de sabor e praticidade, tá ótimo.

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  3. nunca entendi as plantas artificiais e nunca entendi as placas de não pise na grama. se nao pode pisar, pq nao plantam flores?

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  4. Quando li o título, achei que você tinha roubado dinheiro da empregada ou coisa assim. Já tava com dó da coitada.

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  5. ri muito! adorei seu post...
    tb sou adepta aos congelados. infelizmente.. rsrs..
    bjs.

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  6. Muito bom. Gosto muito dos textos do Luno!

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