quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Armadura

Nascera com uma dura e feia carapaça nas costas.
No início da vida, a tal armadura traseira, amarronzada, causava-lhe dificuldade para andar e para correr no meio das árvores com suas curtas pernas.
Morava numa parte muito alta da floresta, que o impossibilitava de ir para outras áreas.
Cresceu dessa forma, confinado e conformado com o que tinha.
Apesar de sentir vergonha do adorno que o acompanhava e o protegia ao mesmo tempo, aprendeu a desenvolver suas habilidades, conhecendo cada cantinho do seu habitat natural.
E assim foram-se os anos.
Viu muitos dos seus serem levados pelo tempo e o tempo levar muitos.
E chegou o tempo em que aprendeu a lidar com a feia couraça e percebeu que, mesmo não tendo boa aparência, ela era muito útil para proteger-lhe das ameaças que surgiam vez ou outra.
Então veio o dia em que a rotina, dividida entre seu buraco escuro e as longas corridas pela curta mata, não o satisfazia mais.
Foi numa tarde de sol estridente, sentado à beira do precipício, que dividia sua floresta das outras partes, que pensou:
- Eu poderia conhecer outros lugares.
Pensou isso batendo suas curtas pernas contra as rochas calcárias e assistiu os fragmentos deslizarem entre os arbustos, até se desfazerem no final do rochedo.
Deitou-se. E observando o céu pensou na possibilidade de ter asas, mas logo se lembrou da couraça no seu corpo.
E foi também sentado, em mais uma tarde, que os brilhos, os sons e o movimento da floresta de baixo, pareceram mais sedutores do que nunca.
Inebriado com a ideia de não precisar arrastar sua carapaça a vida toda pelos mesmos arbustos espinhosos, pensou:
- Deve haver flores mais coloridas e perfumadas, deve existir lagos de águas mais cristalinas e comidas de sabores diferentes.
Neste mesmo momento o medo ficou para trás. O grande medo de ser o único no novo lugar com aquela couraça esquisita se dissolveu como areia na água.
Juntou os pés, abaixou a cabeça e se curvou no eixo na barriga. Agora seu corpo era uma esfera.
Sem dar nova chance ao temor, tomou impulso e rolou.
Rolou e rolou, quicando entre os arbustos e rochedos, numa velocidade incrível. Seu cérebro era uma folha em branco, não conseguia pensar em nada.
A descida parecia durar uma eternidade.
Acordou sem saber quantas horas haviam se passado, ainda zonzo e sentindo dores alucinantes . Sua couraça estava feito um quebra-cabeça, espalhada entre as rochas que rolaram junto.
Não houve momento de despedidas. Foi pensar e rolar.
A nova vida que veio pela frente não era tão doce quanto imaginava. As flores não eram tão cheirosas e coloridas, a água não tinha o mesmo brilho vista de perto.
Havia agora muito mais concorrência por comida e por espaço. A nova floresta era realmente grande, mas na mesma proporção, hostil.
Comprovou que existiam outros de sua espécie, mas agora ele era o diferente por não ter mais a carapaça que tanto o incomodava e isso também significava não ter mais a proteção que o matinha vivo e forte.
Acostumou-se a voltar em muitas noites para o ponto onde rolara. De lá, deitado, ele pensava que aquele era o mesmo céu, com o mesmo cintilar de estrelas que ele via da floresta de cima. Isso o confortava.
Com medo, com saudade, cansado, sem sua armadura, na floresta hostil, ele pensou em voz alta:

- Não há nada que eu não possa me adaptar.

Desde então, orgulhoso de sua coragem, o tombo passou a valer à pena.

2 comentários:

  1. Nessas horas que todos precisam de um mestre Splinter.

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  2. Quando aprendemos que os tombos valem à pena ficamos mais fortes. Fer, estou encantada com o quanto vc está escrevendo!!! Lindo demais.

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