quarta-feira, 24 de junho de 2009

Puberdade da alma

(Puberty - Munch)

Ela dormia com as luzes acesas.
Todas as noites:

A noite toda mantinha a casa inteira iluminada,
Pra não acordar de madrugada e dar de cara com si mesma.

Vestia roupas normais.
E o normal simplesmente não agrada, nem irrita.

Não favorece os olhos,
Nem espanta a alma.
É normal.
E passa...
Sem que ninguém note...

Não era feia, meu Deus!
Juro que não era.
Mas era pior:
Cara de coisa, voz de qualquer um, jeito sem graça.

Não chamava atenção,
Nem pro mal, nem pro bem.

Era conjunto vazio perdido no infinito.

Admirava as belas...
E seus longos saltos altos, bicos finos, decotes em V.

E por pior que seja,
Também gostava das medonhas...
Elas sim, pareciam ter:
Uma razão justa, palpável e compreensível,
Pra toda cara de sofrimento, arranhado no rosto e unhas mal lixadas.

Era pedra bruta, cascalho, pedregulho.

Sabe a pedra pequena?
Que não chega a atrapalhar o caminho, nem entrar no sapato?
Ninguém sabe...
Ninguém vê...
Ninguém nota...

Ela era pedra.

Ela guardava uma caixinha de sonhos
Embaixo do braço, enquanto dormia.

Vez ou outra desgarrava um rebelde...
E adentrava naquela cabeça insossa de menina
(sem corpo de mulher, sem cara de criança)
Ela então acordava sufocada
Pelos próprios desejos,
Pelos impossíveis sonhos.
E voltava a dormir.


Uma noite sonhou que podia ser lagarta.

Que apesar da feiúra intragável do animal,
A hora bendita,
A hora da estrela,
Sua hora e vez,

Iria chegar.


Chegou...


E da lagarta feia e estranha,
Nasceu uma borboleta:

Não-azul, não-desenhada, não-agradável, não-borboleta.


Uma borboleta sem cor:

Comum, fria e sem dó.


(Mayra Massuda - junho/09)








22 comentários:

  1. Puta que pariu que animal ! o texto e a última foto.

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  2. De cair o queixo, de tirar o fôlego, de levantar no ar, de levitar o pensamento. Entre os lugares-comuns que eu anuncio no meu comment, a uma bela revelação desta prosa em poesia, desta narrativa-confissão, desta imagem cantada, da pintuara a fotografia, para o ser transformado em pura alma-borboleta-Psiquê, a grande admiração da descoberta deste belo post.

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  3. E de você

    <---trans/lúcida---->

    butterfly
    papillon

    Mayra Massuda.

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  4. Muito fora do q se lê por aí. Gostei bastante. Mas prefiro pensar q a personagem não era assim tão sem sal. Às vezes, o imperceptível é o q mais atrai atenção, o q mais causa curiosidade e admiração. Ela só se via dessa maneira, tlz fosse falta de amor próprio ou simplesmente ausência de vaidade.

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  5. que lindo, mayra...
    queria ter escrito isso.
    desculpe a arrogante intromissão, mas prá mim ela era eu. rs.
    beijo.

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  6. estou surpresa e extremamente feliz com os elogios...
    obrigada pessoal...

    apesar da falta de tempo pra fazer td.. e principalmente as coisas que eu gosto...
    espero sempre conseguir agradá-los nos dias 24´s

    beijõezões

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  7. eu já sabia!

    mayra, que coisa mais linda.

    não falo mais nada pra não estragar a beleza das palavras.

    fui.

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  8. Diferente de tudo que já li nas andanças pela blogosfera.
    Lindo e original.

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  9. Lembrei de Kafka, a metamorfose...

    belo post!!!!

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  10. Nossa, é seu primeiro texto que leio e acho que viciei. Muito bom!

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  11. adorei!
    lembra Macabea da hora da estrela...

    texto de bom gosto e muita sensibilidade.

    toca a alma...

    parabéns!

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  12. Post lindo, sem precedentes no mundo dos blogs... as imagens foram perfeitamente selecionadas. Parabéns!

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  13. as palavras já disseram tudo. belo texto...

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  14. Lindíssimo poema.
    Eu, que muitas vezes, me sinto como essa lagarta que espera sua hora e acaba virando uma borboleta sem cor, acredito que até mesmo essa borboleta, um dia vai se descobrir, um dia vai entender sua graça.

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  15. Peloamordospoetas!!!!!
    Que coisa mais linda é essa?????
    ai...
    ai...
    e

    ai...
    ai...

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  16. Meu... .maravilhoso... adorei... obrigada por dividir...

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  17. Então, Mayra (pronuncia-se Maira ou Maíra?). No começo fiquei meio arredia com seu texto. Não é toda a prosa-poesia q me prende de primeira. Aí fui lendo, lendo... e me envolvi. Talvez pela identificação, sei lá. Super sensível, feminino (no sentido de profundo, não de delicado). Aí quando cheguei no final, fiquei até meio triste por achar q ela viraria cisne, como todo conto de fadas de meninas feias e desengonçadas. Mas não! Vc me surpreendeu!
    Adorei, mesmo!
    Parabéns

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  18. mas capaz de bater asas aqui e provocar um tufão do outro lado do mundo.

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