quarta-feira, 29 de julho de 2009

Batendo papo com Drummond...

Não resisti.Tão imóvel quanto ele, estátua viva, um brincando com o outro de quem piscava primeiro. Fiz um elogio a cidade, embora pouco desbravada e tímida se comparada com o descarrego de elogios. Não balbuciava sequer uma sílaba, estava atordoada diante do encontro inesperado. Assim como ele, sentada no banco diante da bela e surreal paisagem, mas sem virar às costas, de frente o efeito era de olhos embaciados de maravilhamento, quase flutuando sobre a realidade, causando brisas constantes.

Estava disposta ao diálogo, mas ele sequer movia os lábios. Uma teimosa querendo atenção do “homem atrás do bigode, sério, simples e forte...quase não conversa...tem poucos, raros amigos, o homem atrás dos óculos e do bigode”. Havia algo de natural e semelhante, éramos dois errantes, dois anjos tortos , sem lugar no mundo. E foi no olhar que consegui decifra-lo (ou devora-lo?), pois “Satânico é meu pensamento a teu respeito, e ardente é o meu desejo de apertar-te em minha mão, numa sede de vingança incontestável pelo que me fizeste ontem. A noite era quente e calma, e eu estava em minha cama, quando, sorrateiramente, te aproximaste. Encostaste o teu corpo sem roupa no meu corpo nu, sem o mínimo pudor! Percebendo minha aparente indiferença, aconchegaste-te a mim e mordeste-me sem escrúpulos.
Até nos mais íntimos lugares. Eu adormeci..
Hoje quando acordei, procurei-te numa ânsia ardente, mas em vão..
Deixaste em meu corpo e no lençol provas irrefutáveis do que entre nós ocorreu durante a noite. Esta noite recolho-me mais cedo, para na mesma cama, te esperar. Quando chegares, quero te agarrar com avidez e força. Quero te apertar com todas as forças de minhas mãos. Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo...”. desceu o suor, pescoço molhado, dificultando a brincadeira do vento em jogar os cabelos pra lá e pra cá. desejo pelo desejo nada perdura pois “O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar...mas fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados, difícil é sentir a energia que é transmitida. Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica... quando tocamos a pessoa certa."

"No mar estava escrita uma cidade."


vencida...já,
Não queria interromper nosso silêncio. E a vontade de ficar quieta, parada e imóvel transbordava.Olhava para os lados, ruas, tanta gente a olhar o mar. Olhava a areia e os passos marcados e pensando em quantos passaram por ali, com os pés na areia, chinelos nas mãos, mais alegre do que triste ou mais triste do que alegre; ricos e pobres,homens e mulheres na maioria pensativos. Não seria má idéia se os pensamentos acompanhassem o tempo e o corpo. Assim, seria mais fácil extrair o máximo de cada dia.Os pensamentos dificilmente se fixam num único lugar. Agora, neste exato momento, escrevendo, pensamentos não estão concentrados no que faz. Há uma infinidade que faz pensar em tanta coisa ao mesmo tempo. hora no passado, no que aconteceu há minutos ou há anos...Talvez na profundidade do mar ou na rasa superficialidade humana. Foi então que lembrei “A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade.” ....há verdadeira verdade nisso...

[...fragmentos de Carlos Drummond de Andrade ]

4 comentários:

  1. "...Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica... quando tocamos a pessoa certa."


    Não há nada que se compare a tocar a pessoa certa.

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  2. "Só descansarei quando vir sair o sangue quente do seu corpo"

    Gostei da violência e da frase em seu blog, mencionando a verdadeira verdade a respeito de Drummond.
    beijo

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  3. Ana,
    gostei do texto, mas concordo com anônimo!!!
    kkkkk

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