A água nos potes esquenta ao sol. O corredor da casa
ainda sujo, pedaços de objetos roídos, pêlos. O cheiro no ar. O portão entreaberto. Eles se foram.
A fêmea média, amarela, muito medrosa. Esperta, escala
coisas quatro vezes maiores que ela. Fica em uma excitação louca ao me ver .
Não gosta de colo, carinho só na barriga.
O macho um pouco maior, mas ainda de porte médio,
brincalhão, safado, estabanado. Gosta que o peguem no colo. É todo preto, até
os olhos bem escuros e brilhantes.
Eles se foram pelo portão entreaberto, no mais
absoluto silêncio de uma fuga bem planejada. Uma fuga que se deseja, não deixa
pistas.
Anúncios de procura-se já foram espalhados pelo
bairro. Ele é o Guno, ela é a Bloga. Eu sei, nomes horríveis para cachorros,
mas tenho motivos engraçados, outra história.
Fico imaginando, no vazio do não saber, que ele saiu
correndo depois de atravessar as grades que o separavam do mundo, todas as ruas
a percorrer, cachorros a cheirar, uma imensidão inteira a ser mijada, a ser
impregnada dele mesmo. Ela, eu penso que foi devagar, cautelosa, dando atenção
a cada poste, parede, a matinhos revoltosos que nascem no asfalto rachado.
Depois, a fome
deve ter feito eles lembrarem de casa, dos potes cheios da ração marrom, sem
graça, mas nutritiva, dos biscoitos de agrado. Mas pensaram em voltar? O que
seria um passeio despretensioso mudou a vida; se pensaram, ainda não acharam o
caminho. Talvez tenham ido por aí se enchendo de bondades dadas por estranhos
que alimentam animaizinhos eremitas; nem lembraram de
casa, porque isso é de humanos.
Eu que não me lembrei de passar a chave no portão. Queria mantê-los trancados, protegidos dos carros, da chuva, do frio, da fome,
das pessoas que maltratam animais. Mas eles se foram. E sem culpa e nem rancor,
eu só queria que voltassem.
as vezes, aventurar-se pode não ser tão empolgante no final das contas...
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