quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Feliz aniversário. Ou: das dores que não passam.



Oi Vó. Hoje é teu dia, feliz aniversário!
A gente passou a comemorar dois aniversários por ano. Um quando você chegou, outro quando você partiu. E os dois me deixam assim, marejado. Deve ser porque faz pouco tempo que foi a festa da Rainha do Mar, ela mareja a gente também. Deve ser porque eu tenho um rombo no peito pro resto da vida que nada vai preencher. Nem ninguém.
Sabe, Vó, era para eu ter escrito no dia 4, mas pensar em sentir isso duas vezes na mesma semana seria doído demais. Seria pisar em caco de vidro, lembra quando eu cortei o dedão num copo quebrado e chutei o médico que ia suturar a ponto do avental dele ficar igualzinho ao de açougueiro? Pois é, eu lembro que caco de vidro assusta mais que dói, mas dói do mesmo jeito. Escrever no dia 4 iria assustar e talvez no dia 7 eu teria medo de doer.
Então, Vó, hoje a senhora estaria fazendo aniversário cá desse lado do Entremundos. A gente iria fazer um bolo, ou não, iria cantar parabéns, ou não, a gente iria renovar nossos votos de amor, inevitavelmente. Porque a nossa declaração de amor sempre foi a mais linda de todas e ninguém vai superar isso:
"Você sabe que eu te amo?"
"Sim, eu sei porque eu também te amo."
E assim a gente se sabia. Nem sempre a gente tava perto, nem sempre eu fui um bom neto, mas eu me esforcei, sabe? De verdade. Eu sei que a senhora entende isso. A gente se entende tão bem! Até hoje, quase três anos depois que a senhora viajou pro outro lado, eu ainda sinto que a senhora está aqui perto. Eu não sou espírita, então eu não tenho problemas em te manter comigo. Eu nunca te prendi, eu nunca te segurei do lado de cá, porque eu sei das implicações que isso causa; mas de vez em quando, sabe, eu fico com medo e queria que a senhora estivesse aqui comigo.
Vó, eu vou fazer trinta anos esse ano. Trinta! Veja só! Meu cabelo cresceu bastante, eu tô treinando bastante, a senhora tinha de ver! E o engraçado é que eu acho que agora que eu vou fazer três anos. Na verdade, a minha vida começou de novo quando a senhora partiu. Eu tive de aprender a andar, a comer, a dormir, a escrever, a ler, a viver sem a senhora. Eu tive de começar tudo de novo, e eu não queria, mas eu tinha de começar.
Sabe Vó, liga não pra eu estar chorando agora. Eu não gosto que me vejam chorar. Por isso eu falo pouco de ti para os outros. Só que hoje é o seu dia e eu posso. Engraçado como quando a gente fica adulto a gente tem que ter desculpa pras coisas né? Desculpa pra rir, desculpa para chorar, desculpa para fazer alguma coisa, desculpa para deixar de fazer. A gente fica velho e fica devendo obrigação até sem querer. Então é bom eu chorar, deixa, vamos conversar. São tão poucas vezes que a gente pode né.
Vó, eu sinto muito a sua falta. Às vezes, nos meus sonhos, eu sou teimoso e vou atrás de ti. Te caço nos lugares que sei que a senhora poderia estar nas minhas memórias. Mas é difícil encontrar alguém quando a gente tá tão envolvido. Parece que o coração da gente pesa na mochila e a gente não consegue caminhar veloz. Das vezes que te encontrei, lembra Vó, a senhora não queria falar comigo ainda. É justo, eu sou grudento né? Precisava de um tempo para eu não sofrer nem te fazer sofrer. 
Vó, eu vou me despedindo. Para matar um pouco a saudade, eu fiz aquela gelatina colorida que a senhora amava. Quase seis quilos! Levei para o meu trabalho, como se fosse comemoração. E era. O que a senhora me ensinou, ninguém nesse mundo pode tirar. Na verdade, ninguém pode tirar a senhora de mim. 
Eu sofro Vó, todo dia um pouquinho. Eu escolhi isso. Antes o resto da minha vida sofrendo de saudade que mais um dia de sofrimento teu por dor. Sabe, Vó, quando a gente ama a gente liberta. Porque só o Amor é capaz de deixar ir, e ainda assim se manter. 
Obrigado, Vó. Por ter feito de mim um homem, e mais que isso, um homem feliz. Eu carrego comigo o melhor da vida que vivi enquanto tinha sua companhia. Eu aprendi tanto contigo desse lado de cá! E, quando chegar o dia e a hora, a gente se vê de novo, não é?
Até lá, eu vou cuidando do jardim, fazendo a coisa ser o melhor que puder. 
O plano é a gente ficar bem.
Te amo, Vó. E você sabe.

4 comentários:

  1. Impossível para alguém que tem como referência materna uma vó ler esse texto e não derramar lágrimas...Só quem tem esse privilégio sabe como os dias aos lado delas são doces, ao mesmo tempo que convivemos com o efêmero que é a presença delas em nossas vidas... Belo texto...Abraços de uma neta filha :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Raquel, eu te entendo. Eu escrevi chorando, também.
      Tem dores que não passam, não é? O pior que é uma dor gostosa... Parece que a gente quer que doa menos, mas doa um pouco mais pra gente não esquecer.
      Abraços de quem te entende, também.

      Excluir
  2. Isso e verdade gente se escrevi la no meu blog o e (brunolirafielblog.blogspot. com) vou fica muito agradecido😄

    ResponderExcluir
  3. Isso e verdade gente se escrevi la no meu blog o e (brunolirafielblog.blogspot. com) vou fica muito agradecido😄

    ResponderExcluir