Durante a semana fiz várias
anotações dos possíveis temas de hoje. De Paraisópolis e sua estruturação dentro
da cidade (e isto enquanto uma condição física, a favela se desenvolve
paralelamente à cidade), a questionamentos sobre as manifestações que ocorrem
agora, em comparação às de junho de 2013 (e que muita gente acha que são a
mesma coisa, mas não, não são).
Entretanto deixarei esses temas
bacaninhas em segundo plano, o que chamou a atenção, no final, foi Rupi Kaur e sua
foto excluída do instagram.
Afinal, nada é mais aterrorizante
e ofensivo para as pessoas do que uma mulher com uma marca de sangue de menstruação
nas roupas. Algo pra ser jogado embaixo do tapete. Ao menos é isso o que foi
dado a entender.
Estudante da Universidade de
Waterloo, Rupi Kaur estava realizando uma série de fotografias para um trabalho
acadêmico, e utilizando o instagram como meio. Entretanto, esta foto foi
excluída pelo servidor, por “violar suas normas de conduta”.
A estudante não se
calou, ao contrário, repostou a foto, com os dizeres:
“Thank you @instagram
for providing me with the exact response my work was created to critique. You
deleted a photo of a woman who is fully covered and menstruating stating that
it goes against community guidelines when your guidelines outline that it is
nothing but acceptable. The girl is fully clothed. The photo is mine. It is not
attacking a certain group. Nor is it spam. And because it does not break those
guidelines I will repost it again. I will not apologize for not feeding the ego
and pride of misogynist society that will have my body in an underwear but not
be okay with a small leak. When your pages are filled with countless
photos/accounts where women (so many who are underage) are objectified.
Pornified. And treated less than human. Thank you. ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀⠀⠀⠀ ⠀
This image is a part of my photoseries project for my visual rhetoric
course. You can view the full series at rupikaur.com⠀⠀ ⠀
I bleed each month to
help make humankind a possibility. My womb is home to the divine. M source of
life for our species. Whether I choose to create or not. But very few times it
is seen that way. In older civilizations this blood was considered holy. In some
it still is. But a majority of people. Societies. And communities shun this
natural process. Some are more comfortable with the pornification of women. The
sexualization of women. The violence and degradation of women than this. They
cannot be bothered to express their disgust about all that. But will be angered
and bothered by this. We menstruate and they see it as dirty. Attention
seeking. Sick. A burden. As if this process is less natural than breathing. As
if it is not a bridge between this universe and the last. As if this process is
not love. Labour. Life. Selfless and strikingly beautiful.”
Tradução (livre e com falhas, mas feita com amor e carinho <3):
Tradução (livre e com falhas, mas feita com amor e carinho <3):
“Obrigada, @instagram, por me fornecer a resposta exata ao que meu
trabalho foi criado para criticar. Vocês deletaram a foto de uma mulher que
está completamente coberta e menstruada, alegando que isto vai contra as normas
de conduta, quando esta foto não é nada além de aceitável. A garota está
totalmente vestida. A foto é minha. Não está atacando um determinado grupo.
Tampouco é spam. E, justamente por não ir contra nenhuma destas políticas, irei
postá-la novamente. Eu não iriei me desculpar por não contribuir com o ego e
orgulho desta sociedade misógina que teria meu corpo em trajes mínimos, mas não
está ok com um pequeno vazamento. Enquanto suas páginas estão recheadas com
inúmeras fotos/contas onde mulheres (e tantas menores de idade) são
objetificadas. Erotizadas. E tratadas como menos do que um ser humano. Obrigada.
Esta imagem é parte do meu projeto de série de fotos para meu curso de
retórica visual. Você pode ver a série completa em rupikaur.com.
Eu menstruo todo mês para que a humanidade seja uma possibilidade. Meu
útero é lar para o sagrado. Uma fonte de vida para nossa espécie. Escolha eu criá-la
ou não. Mas poucas vezes é visto desta maneira. Em civilizações mais antigas,
este sangue era considerado sagrado. Em algumas ainda é. Mas a maioria das
pessoas, sociedades e comunidades evitam este processo natural. Algumas ficam
mais confortáveis com a erotização da mulher. A sexualização da mulher. A
violência e degradação da mulher. Mais confortáveis do que com isto. Eles não
se importam em manifestar seu desgosto em relação a estas coisas, mas ficam
irritados e incomodados por isto. Nós menstruamos e eles veem como uma sujeira.
Falta de atenção. Doença. Um fardo. Como
se este processo fosse menos natural do que respirar. Como se isto não fosse
uma ponte entre este universo e o outro. Como se este processo não envolvesse
amor. Trabalho. Vida. Algo altruísta e de uma beleza impressionante.”
O Instagram deletou a foto
novamente, e houve outra repostagem (confira a saga aqui).
Enfim, a pertinência desta
postagem não reside apenas no texto escrito pela universitária, mas em sua repercussão, a atitude do servidor e,
sobretudo, a reflexão acerca da visão do corpo feminino. Até onde uma mulher vai
para ignorar ou suprimir o funcionamento natural do próprio corpo, como se o organismo estivesse errado? Seja para se adequar à uma visão
de sociedade, seja para se enquadrar no mercado de trabalho.
No caso da imagem e sua exclusão,
o útero e sua manifestação foram tratados como algo de ofensa moral pública.
Como se fosse extremamente repulsivo e perigoso. Anti-ético, praticamente.
Entretanto, como alega a autora,
há séries de imagens e contas que priorizam a objetificação feminina, enquanto
um elemento de atração sexual – e, reforçando, muitas delas com garotas menores de idade. “É
interessante apontar como o sangue de menstruação pode deixar tanta gente desconfortável
em um mundo onde há uma exposição constante que são sexualmente explícitas,
violentas e beiram a repulsão. Assistimos jornais e reportagens sobre guerra e
maratonas de ‘Law & Order: SVU’ sem nem piscar, mas não há uma única
propaganda de absorvente que utilize o vermelho para simbolizar o sangue da menstruação”,
disse a estudante, em entrevista ao Huffington Post.
Na mesma reportagem, ela ainda
afirma que não é uma questão de começar a idolatrar o sangue e fazer um círculo
para honrar nossas deusas interiores e fingir que menstruar é uma coisa linda e
mágica – as cólicas são um saco. Mas sim diminuir a vergonha que rodeia a menstruação
é um objetivo válido, e que necessita nossa aceitação de que sangue acontece.
Todo mês. “Nossos corpos são esquisitos e confusos, mas são os únicos que
temos, então seria uma boa se aprendêssemos a amá-los”.
Ótimo vc resgatar este caso, Rê. Engraçado que eu já denunciei casos de violência e uma comunidade de encoxadores no Facebook, e eles me responderam dizendo que as coisas que eu estava denunciando não feria a politica do site... diga-me o que tu vetas que te direi quem és!
ResponderExcluirO Facebook é bem complicado mesmo, Fê, ele tem uma política bem "conveniente". O que não deveria ocorrer, dado o seu alcance.
ExcluirJá tive meu perfil exposto em página de extrema direita e tive que mudar meu nome e foto porque cheguei a receber ameaças. Por mais que denunciasse a página e a foto ao Facebook, a resposta era sempre a de "não vai contra as políticas da comunidade". Eles censuram desenhos do Milo Manara (que retrata a nudez feminina), mas não censuram páginas racistas e homofóbicas (só quando há grande repercussão do caso é que eles revisam a atitude).
Muito bom, Re.
ResponderExcluirAlém da questão das políticas de privacidade, seu texto e toda repercussão do caso mencionado me fizeram lembrar de uma reportagem sobre a vergonha dos corpos femininos, que vive tentando "eliminar" essas coisas "desagradáveis", como pelos, odores, etc, numa tentativa de higienização e quase plastificação dos corpos.
É sempre bom colocar essas questões em xeque!
Outro dia eu vi uma fan page (muito boa, por sinal) fazendo uma comparação. Quando a mulher se enche de botox, plásticas, silicone.... ninguém fala nada. Quando a Angelina Jolie faz uma cirurgia pra reduzir as chances de câncer todo mundo cai matando, dizendo que é exagero.... vai entender!
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