Para a minha menina.
Na noite de 27 de setembro de
2015, as redes sociais voltaram sua atenção para o eclipse lunar, a chamada
“lua de sangue”. Mas como acontecia com qualquer outro evento, o destaque durou
pouco, restringindo-se a belas imagens e comentários superficiais sobre o
assunto. A vida prosseguiu.
Estava eu com 20 anos. Tinha
acabado de ingressar no curso de psicologia. Apesar da enorme alegria em ser
aprovada no processo seletivo, esse sentimento durou pouco tempo. Já no
primeiro semestre, tinha constantes crises de ansiedade. Minha avó (você teria
gostado dela) dizia que o problema era minha arrogância e ambição, nunca estava
contente com o que tinha. Eu achava que ela estava certa, mas não conseguia evitar.
No segundo semestre, minha saúde
mental se agravou. Apesar de resistir a ideia, para conseguir conviver
socialmente precisei fazer uso de medicamentos. Até então, acreditava que apenas
eu era problemática, mas quanto mais interagia nos espaços que frequentava,
mais descobria que a instabilidade psicológica estava disseminada: de marginais
a religiosos praticantes, ninguém escapava.
Às vezes, saia uma matéria ou artigo nos jornais a respeito do aumento
do uso de drogas psicotrópicas, porém o assunto permanecia tabu. Sentia que alguma coisa estava
acontecendo. Uma crise existencial se espalhava por toda a sociedade, centros
urbanos e rurais, interior e capital. A multidão estava à beira do colapso e
caminhava em direção a ele, anestesiada.
Então a lua sangrou. Quem poderia
imaginar que aquele era o sinal dos novos tempos? As coisas mais importantes
acontecem debaixo do nosso nariz, sem nos darmos conta. Há muito tempo a
humanidade tem conhecimento sobre outras formas de consciência e diferentes
meios de transcendê-la. Naquela época, cientistas já sabiam da existência da
molécula DMT, um composto simples, facilmente encontrado na natureza, e que tem
profundos efeitos na consciência humana. No mundo ocidental capitalista, todavia,
o único estado mental que interessa é o de alerta para produzir e consumir mais
e mais, daí a falta de interesse em estudar o assunto.
Ocorre que o DMT (ou
dimetiltriptamina) é um transmissor que permite a comunicação entre nós, seres
da natureza. Enquanto ficávamos distraídos lutando contra os regimes fascistas
que ascenderam naquele ano de 2015, o plano de eliminar uma parcela da
humanidade estava em curso. Primeiro foi o clima: a água se mostrou um bem
finito, secaram as principais represas do Estado de São Paulo e de Minas
Gerais, foi por esse motivo que tivemos que rumar para o norte. Também foi
nessa época que conheci o teu pai. Muitos amigos morreram nos anos seguintes, porque
quem não teve condições de fugir do sudeste foi obrigado a viver em condições
precárias.
O surgimento da “lua de sangue” foi o sinal para o golpe da
natureza contra nós, humanos, a última tentativa dela nos deter: a insanidade mental generalizada, a qual não podia
mais ser controlada por medicamentos sintéticos. A nossa sorte, minha e do teu pai, foi conhecer o Zé Pedro,
pois foi ele que nos protegeu. Como você deve saber, o Zé é do povo Poyanawás e
nos convidou logo que chegamos ao setor para participar de rituais xamânicos.
Naquela época, a ayahuasca (ou yagé) nos salvou!
Faz um mês que descobriram que foram as
plantas, qualquer planta, as responsáveis por nos enlouquecer. E hoje soube da notícia de que a ordem dos
líderes mundiais é eliminar toda vida que não seja humana. Temo pelo que virá.
Temo por você. Resolvi escrever essa mensagem porque não sei por quanto mais
tempo viverei e não quero que você seja privada da história, do começo de tudo
isso. Desejo que essa notícia seja falsa, mas creio que não seja. Saiba que o
meu amor vive em você.
Anna Ma.
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