sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Um amor para Valentina

V
alentina, na sua ânsia de viver tudo, pouco se interessava pelas realidades do seu dia. Queria sentir o que não era seu e captar, dentro daquilo que era sentimento de outro, os detalhes que julgava essencial para uma vida toda. E foi nessa brincadeira de sentir o que não se sente, que ela forjou sua busca pelo amor. E o encontrou, nas variadas formas de se tocar o irreal. Das delicadezas da alma aos despudores do corpo. Mas no final, é tudo uma coisa só: separar o inseparável não é lá coisa inteligente de se fazer.

Dentre os artifícios utilizados, as cartas eram uma das prediletas. Nelas, colocava todo o pranto calado, toda a alegria contida e seus desejos mais obscuros. Entretanto, não podemos esquecer: escrevia, sobretudo, o que queria sentir. Idealizava seus homens, colocando na boca de todos eles o que, donzela que era, gostaria de ouvir. Até seus desalentos eram invenção. Narcisismo do choro – era o que os mais chegados diziam. Acreditava que, na medida em que criamos, vivemos. E que não há mal viver de filmes, já que imaginar é sentir, e não há outra forma de atingir a vida que não seja pelo sentimento.

Seu encontro com o amor acontecia, vez ou outra, na forma de miragem, ou desses presságios que o mês de maio traz com os feixes de luz da rainha mãe. E isso tudo ela anotava cegamente em cadernos de folha velhas, pra poder cheirá-las e sentir, mais uma vez, a lembrança do que nunca teve e se ver, assim, repleta de vida dos outros.

E nessas brincadeiras de se dizer palavras – palavras enfeitiçadas -, de significados inventados, ela se discursava como uma moça esperando o amor. Ele não vinha. Deixava a porta aberta, para que ele entrasse sem receio. Apagava a luz, para os seus despudores do corpo. Ele não entrava. E, quando ela se cansava desse jogo de sorte e azar, e se desencantava, jogando as palavras inventadas na poeira do céu, ele chegava faceiro com o sol da tarde. Observando o sol subir, nessa inconstância de vida-a-vida – que não volta – reparava seu amor em meio ao cais, um presságio.

Todas as suas anotações eram repletas de lirismos (des)comedidos, para enganar os olhos que por ali passassem. Revelar-se plenamente, embora vontade antiga, não era lá algo que conseguisse. Mais que a vergonha ou a vontade de ser incógnita e, assim, provocar futuros descobridores do segredo da esfinge - que devora -, a artimanha de se esconder, como uma serpente que enrola em si mesma na hora de dar o bote, era nada mais que o desconhecimento da maior parte que a compunha. Essa incessante busca pelo amor não foi mais que uma busca dela mesma. Ao sentir seus olhos úmidos de amor refletido pelos outros estaria encontrando a ela mesma. E tocando na parte mais delicada de cada um – o coração aberto, pulsando vermelho e retumbando em vida.

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