terça-feira, 12 de setembro de 2017

Diploma de ódio

Dentro de todas as mentiras que nos fizeram acreditar, uma se destaca: o ódio que uma mulher sente pela outra.
Poucas mentiras tiveram mais poder do que essa, foi escrita nas pedras, desenhada nas paredes e tatuada no chão.

É fato que o ódio existe e navega pelo coração humano, mas não está direcionado a todas as pessoas de um gênero ou outro que cruzem no seu caminho. Odiar uma mulher que um dia te prejudicou não significa ''odiar'' todas.

Mas ódio ensinado é pior do que arma carregada, sempre está ali em alerta, acorda ao menor sinal e não escuta argumentos nem explicações.

Escutei uma conversa entre duas jovens, sobre uma terceira que estava acabando um mestrado. As duas jovens fizeram uma lista de motivos pelos quais o mestrado da terceira não valeria nada, a lista incluía suposições de que ela teria recebido ''ajuda'' de um professor, que a faculdade era ruim, que nem era bom o mestrado, enfim, parecia que tudo levava a mesma conclusão: o importante era odiar a moça.

Depois de um tempo elas voltaram a conversa e começaram a se divertir com uma história, parece que a moça que fez o mestrado tinha ficado muito tempo longe dos estudos, ficou insegura e contratou uma professora particular para dar uma refrescada e assim tentar um vestibular. Ficou dois anos com aulas particulares, e não eram tanto para se fortalecer nas matérias, mas para vencer sua insegurança. Depois conseguiu entrar na faculdade e acabou fazendo um mestrado.

Não sei os motivos da insegurança da moça, mas posso adivinhar um por um, porque são iguais ao de todas. Crescemos escutando que é bom estudar e ser inteligente, mas não é por essas qualidades que o teu príncipe vai te achar e se apaixonar, ele procura beleza e você tem que ser linda para ser amada.

Sem beleza, não tem amor e quem quer viver assim? Cercada de diplomas e sem um Romeu?

E nas ruas o discurso continua, mulheres fortes que entraram na política ou subiram nas carreiras sempre são criticadas pela sua aparência, quantas vezes escutei e li pessoas dizerem sobre mulheres poderosas ''que bom que é alguém na vida, porque com aquela cara e corpo, não vai achar marido''.

Pois é, isso é dito a todas, a cada segundo, a cada minuto, a cada hora, sem beleza não há vida e diplomas são para as feias, as que não tem outro jeito de sobreviver no mundo, já que não vão conseguir um ''macho'' para sustentá-las.


Somos doutrinadas para sonhar em sermos divas e um dia de nossas vidas, nem que seja um dia, entrar em um lugar e ser vista por ''ele'', essa figura mítica masculina que rege nossas vidas.

E quem é incentivada a sonhar com um mestrado, um doutorado? Não dá tempo!

E colocar um negócio propio? Já viu mulher lidar com o mundo real? Não consegue!

Estudar para muitas é um grande sacrifício, não pelo tempo, mas pela crença de que não é boa o suficiente para aquilo, porque a mensagem é sempre a mesma, mulheres são emocionais e não enfrentam bem os desafios acadêmicos.

E o outro lado da moeda também se aplica, o truque é fazer a mulher se sentir mal, então alguém pergunta se ela estudou, responde que não e logo vem o julgamento ''nossa, mas podia ter pelo menos terminado o ensino médio''.

Ah, sim, mulheres que não estudam se sentem mal, mulheres que estudam se sentem mal. É o mesmo jogo. 

Muitas mulheres que não estudam não o fazem por diversos motivos, o excesso de trabalho, responsabilidades, um marido inútil, filhos pequenos, mas o principal motivo é que não se sentem inteligentes o suficiente, se veem pequenas diante de um tubarão que não existe. Essas mulheres levam orçamentos domésticos, mas não se acham capazes de passar em uma prova de matemática, lidam com centenas de problemas todos os dias, mas não acreditam poder cumprir prazos de trabalhos e provas.

E tudo isso é mentira armada, ódio plantado. O patriarcado nunca quis mulheres em bancos de escolas e faculdades, não é do interesse deles nossa entrada a nenhum mundo que os faça perder o controle que tem sobre nossas vidas.

Nossa suposta burrice é mentira inventada, e tem sido assim durante séculos, nos fizeram acreditar que o mundo acadêmico é demais para nossas pequenas mentes. Depois plantaram o ódio que dizemos ter umas pelas outras, e pronto, o dano estava feito. 

Estamos acostumadas a olhar outra mulher com o mesmo olhar que recebemos do patriarcado, de desprezo e ódio.

E era uma história sobre duas jovens que falavam de uma terceira, ironizavam o mestrado que a moça tinha concluído, era ódio líquido que escorria pela boca.

Se a mentira não tivesse atravessado nossa vida seria uma história sobre duas jovens que se inspiraram em uma terceira e resolveram fazer alguma coisa de suas vidas. Pararam de se sentir mal com o que viam os outros fazerem e resolveram se mexer. Podia ser uma história sobre duas jovens que ficaram comovidas com o esforço da terceira, que contratou um professor particular para entrar em uma faculdade. Podia ser uma história de inspiração, uma mensagem extraordinária a todas as mulheres, acreditem na sua capacidade, inteligência e conquistem o mundo.

O bom é que as mentiras são frágeis paredes que um bom martelo derruba e podemos derrubar essa. Não somos burras e podemos estudar, evoluir, ter um negócio, ou ser dona de casa, não importa o que queremos ser, importa não se sentir burra.

O outro problema que o ódio traz é a conta alta, sim, pagamos pelo ódio que sentimos, ele nos puxa para baixo. Cada vez que vemos o sucesso de alguém e pensamos que poderia ser o nosso, vamos para baixo. Ódio não inspira, pelo contrário, te faz sentir mal.

A moça ao lado estudou, mudou de emprego, viajou, começou do zero?
Especular sobre como conseguiu isso e querer diminuir, não ajuda ninguém. Bom mesmo é olhar para o lado e se inspirar, pensar que se ela conseguiu, bom, eu posso estar mais perto do que quero. Foi possível para ela? Pode ser para mim. Em vez de jogar ódio e ressentimento, é melhor se aproximar e puxar uma conversa, conhecer um pouco inspira mais.

Mulheres são inspiradoras pela alta resistência a tudo, pela profundidade do seu amor e intensidade, e porque seguem em pé, apesar de tudo.

Quem está perto e muda algo, te prova que isso é uma coisa possível, sim, podemos reconstruir nossa vida, apesar de toda a terra que é jogada no nosso rosto.

E tenha a certeza, nenhuma mulher teve nada fácil nesta vida, todos escutamos as mesmas bobagens, recebemos as mesmas cargas de ódio e somos convencidas desde pequenas do nosso fracasso.

Quando odiar uma mulher sem motivos se pergunte se é real ou uma reação ao ódio que foi ensinado, se não é apenas um resto do lixo que carregamos. 

E pense duas vezes, se inspire, é mais fácil enfrentar um dragão quando sabemos que alguém já fez isso, do que ficar paralisada sem acreditar que pode fazer isso.

Todas as mulheres tiveram e têm os mesmos desafios, se inspire nas diferentes maneiras de enfrentá-los, de vivê-los.

Era uma história que poderia ser sobre duas jovens falando de uma terceira e no fim dizendo ''poxa, escutei a história dela e me senti inspirada para mudar minha vida, porque ela é parecida a mim, talvez seja eu, talvez seja eu lá na frente, quando tudo já deu certo''.


Iara De Dupont













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