quinta-feira, 12 de abril de 2018

Vai poupar Romeu?

De vez em quando escuto algumas coisas e fico horrorizada.
Tenho uma amiga que sofre há anos de síndrome do pânico, ficamos amigas em um trabalho de grupo. Mas a gente não comenta sobre isso na frente dos outros, a maioria das pessoas acha frescura, besteira, então só tocamos no assunto quando estamos sozinhas.
O seu cunhado vai se casar fora de São Paulo e ela não quer ir, quem teve ou tem síndrome do pânico, sabe o terror que isso significa. Sair da cidade quer dizer que vamos a um lugar que não conhecemos nem sabemos suas saídas e entradas. Eu fui a vários casamentos fora da cidade e odeio tudo o que me custam, não gosto, fui porque não tinha alternativa.

Sugeri a minha amiga que ela falasse com seu namorado, pensassem em um plano B, caso tivesse um ataque de pânico. E minha amiga arregalou os olhos e disse:

-Esse é outro problema, ele não sabe que tenho síndrome do pânico, acha que sou apenas ansiosa.

Como é que é? Você mora com ele!

-É, mas ele está muito estressado, mudou de emprego, quero poupá-lo desse desgaste, prefiro não dizer nada.

Já fiz isso e perdi o namorado, vi ele ir embora porque não sabia o que estava acontecendo, achava que eu estava dando desculpas para não sair com ele e terminar o namoro.

Voltei ao ponto, poupar o Romeu do que?

-Dele ficar preocupado, sei lá, ele é do tipo que se exige muito, se ficar sabendo vai ser mais uma pressão para ele.

Meu Deus! Só quem teve um ataque de pânico sabe o horror que é, e ter que engolir essa sensação para que os outros não percebam, apenas acentua o problema. Sei disso porque passei anos engolindo ataques para que ninguém reparasse. Mas poupar Romeu disso? E quem a está poupando da síndrome?

Minha pergunta ao mundo e a Jesus é a seguinte, quantos anos faltam para acabar com essa mentalidade de  ''poupar um homem?''. Vai demorar? Porque está ficando difícil poupar os homens de tudo.

Não sei a origem disso, mas tenho uma lista de histórias inacreditáveis de mulheres que ''pouparam os seus homens''. Tenho uma amiga que esconde o quanto ganha, para poupar Romeu de se sentir humilhado, outra evita falar de sua família, que Romeu não gosta, para o poupar do aborrecimento.

Até quando nós, mulheres, vamos viver para fazer a vida dele simples e agradável à custa da nossa pele? 
Não condeno minha amiga, eu também escondi minha síndrome do pânico durante meses e até quando o vi ir embora fiquei quieta, não disse nada. Mas não pensei em poupar ele de nada, estava apenas afundada na depressão e na vergonha.

Já me falaram que relacionamentos são assim, a gente poupa o outro e também será poupado, mas quem pode negar a capacidade infinita da mulher de poupar um homem?

Tenho um tio distante que foi poupado e parece que não deu certo. Ele era de classe média baixa, se formou em agronomia e se encantou com a filha  de um industrial, da área de açúcar. Casou-se com a moça, mas ela muito digna, tomou uma decisão estranha. Disse que não queria humilhar meu tio, largou mão da vida no seu tríplex e do cartão de crédito do papai. Resolveu que iriam viver apenas do salário de agrônomo do marido. Fizeram uma casamento super simples, que meu tio conseguiu pagar, e foram viver felizes em um pequeno apartamento de um quarto. Ela teve três meninos e brigou com a família inteira, proibiu a todos de dar brinquedos caros e viagens, nem o avô milionário conseguiu a fazer  mudar de ideia. Só comprava o que o marido podia pagar. Minha mãe diz que tinha pena dos filhos, tão ricos, herdeiros e nunca tiveram uma festinha de criança porque o pai não podia pagar três festas, passaram a infância inteira na base de  ''um bolinho em casa com guaraná''.

Já na adolescência dos meninos, meu tio estava mais estável no emprego, mas não podia pagar os aviões e helicópteros que o avô tinha e dois de seus filhos, cansados da vida de classe média baixa e querendo viver melhor, se mudaram para a fazenda dos avós.

Todo mundo chorou, implorou para a mãe, pediu a ela que parasse com essa bobagem de não querer que o marido se sentisse humilhado, mas ela não mudou de ideia.

A esposa continuava firme no seu propósito, uma vez disse a minha mãe que seu dever como esposa era apoiar o marido e o fazer sentir bem, era importante incentivar os logros dele e tinha medo de começar a usar o dinheiro do pai e o marido se sentir um perdedor quando comparasse o cheque dele com o cartão de crédito do pai dela.

Imagino que isso colocou uma pressão maluca no casamento, meu tio se esforçou muito, tinha dois empregos, mas agronomia não é a mesma coisa que distribuir açúcar para o Brasil inteiro.

A mulher fez o que acreditou, renunciou a vida de compras e viagens, passou apertos com os filhos e como meu tio recompensou tamanho sacrifício? Ah, ele se apaixonou por outra herdeira (peso pesado), de banco. Mas essa era jovem e divertida, sem vontade de queimar cartão de crédito e meu tio sumiu no mundo com ela, sabe Deus onde estão.

Já a sua ex-mulher teve mais problemas. No fim voltou à fazenda dos pais com o outro filho. As crianças cresceram revoltadas por tudo que poderiam ter tido e não tiveram, se tornaram jovens que não gostam de estudar nem trabalhar, vivem como o que são, herdeiros, gastando tudo em festas e mulheres.
Para quebrar o tédio de sua vida ela foi estudar filosofia e deve ser difícil viver com isso, a sensação de que anos protegendo um homem não valeram de nada. Todas as festas que perdeu, as coisas que deixou de comprar e meu tio lá, deitando com uma menina de vinte anos.
Minha conclusão é sempre a mesma, a gente pode fazer o que quiser na vida, menos querer agradar aos outros.

É vital para uma mulher aprender a ficar em pé e parar de se dobrar para poupar um homem, o proteger da tempestade como se fosse uma criança abandonada. Não vale a pena se diminuir por ninguém, meu tio se apaixonou por ela, não pelo seu dinheiro, quem decidiu viver de maneira modesta como prova de amor foi ela, ele sempre disse que jamais pediu isso, pelo contrário, até queria ver seus filhos desfrutando do dinheiro do avô.

Ah, ela foi babaca! É, muitas são mesmo, não tem jeito, como a minha amiga, que sofre uma síndrome tão séria como é essa e prefere esconder tudo para que Romeu não se sinta sobrecarregado.
Ora e nós, mulheres? Quantas vezes estamos sobrecarregadas e eles cagam na nossa cabeça?
Bem feito, quem mandou se dobrar e deixar a vida de lado?

Vi minha avó fazer isso, minha mãe, tias, primas, amigas, se dobrando para que o homem se sentisse bem, mesmo que fosse difícil para elas. Cansei de ver mulheres poupando homens, evitando problemas para eles, editando as palavras para não estressar Romeu e fingindo estar bem quando não estão, para que Romeu não ficasse chateado.

E pela minha experiência posso dizer uma coisa, não vale a pena, eles não reconhecem e não faz nenhuma diferença na vida deles. Quem se diminui para que o outro cresça é uma heroína sem medalhas, uma guerreira solitária brigando com o invisível, ou seja, uma burra.

Aprendi, depois de anos poupando homens, que eu sou a única pessoa no mundo que merece isso, eu mereço e devo me poupar de muitas coisas, mas não tenho que estender meu manto para ninguém, muito menos um Romeu.

Tudo que evitei fazer ou dizer para poupar Romeu, ele não evitou fazer nem dizer.
Hoje lido com adultos, se tenho que poupar Romeu de alguma coisa não é homem suficiente para mim, não estou saindo com criança que precise ser protegida.
Se Romeu tem que ser cuidado, protegido e poupado, sugiro que corra para debaixo da saia da mamãe, porque se for da minha eu chuto.

Iara De Dupont

Nenhum comentário:

Postar um comentário