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Avistável apenas do alto, São Paulo só me vem à mente como paisagem vertical rapinada do terraço do Sesc Paulista. E eu descreio sempre daquele impossível mirante posto entre imensas antenas de transmissão que põem loucos todos os aparelhos eletrônicos último tipo made in Corea.
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A cidade é aquele vento zunindo frigidíssimo na orelha, noturno e cinematográfico, fingindo-se possível o seu amor por nós. Aquela faixa cinzenta, que quando a umidade do ar é pouca, torna o dia mais noite, engole estrelas soturnas, e entope postos de saúde com crianças ávidas por ar.
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E somos pequenos nas ruas, e solitários, e sedentos. A gente encarna sem querer aqueles personagens perdidos/pervertidos/melancólicos do Caio Fernando Abreu. Famílias terrivelmente felizes de Aquino, o inferno provisório de Ruffato, que hoje eu ando pensando que é aquele que sabe de tudo, e vai mais fundo do que qualquer pézinho de Mirisola julgue poder ir.
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E eu queria ver ovnis lançando raios do alto do Masp, fazendo tremer o vão onde turistas fotografam o vazio. Ovnis que incendiassem a mata obscena do Parque que há em frente, com suas árvores cobertas de fuligem; e o sensabor daquela natureza cercada, castrada, escassa e inútil.
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Eu pensando comigo que esse povo elegeu Kassab para fazer São Paulo mais triste. Mais burocrática e repleta de proibições. Sem altdoors numa cidade com vocação para pôr-se à venda. Meretriz feliz, a quem agora arrancam da boca o cigarro, obrigando-a a voltar para casa, sóbria, pois os bares fecham mais cedo e não há bingo onde possa jogar fora o pouco valor que lhe resta (ela é das que se perdem por uma ficha). Por consolo, não lhe sobrará nem mesmo a possibilidade do álcool, para arrebentar os cornos bêbada num poste.
Querem impor-lhe o fim do vício, uma pureza de legislação, a virtude a seco. E ela vai acabar louca, metendo a cara dentro da passagem estreita da privada da quitinete no cantinho da Augusta, alugada por uns 1.500 reais, o dedinho premendo a descarga. Imagino o bilhete suicida falhado no espelho com batom: "Ka, filho da puta, essa morte é para tua estatística cidade-limpa. Logo tu Brutus, eu que já fui musa-rebordosa, e a favor de todas as minorias viadas, como tu."
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Há sempre um viaduto sobre todos nós. Um cão ganindo ao pé de um mendigo, um pedinte e um cego, um menino encardido da cabeça aos pés. Há sempre o engrolar anasalado de um coreano, um turco doido, um judeu que passa sisudo, uma banca de jornal com suas news, carros desfilando egos, filmes cults nos camelôs à porta do Unibanco, sebos com últimos cults, emos efeminados e garotas iludidas com delineador que destilam estilosas neo-melancolias.
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E tateamos.
O texto é ótimo! SP é tudo isso e mais um pouco, pq é sempre mais. Adoro essa cidade louca, apesar de me irritar com a falta do “s”, e suas muitas faces. Há 5 anos aqui, e por muitos outros 5 pq SP é demais!
ResponderExcluirE eu louco pra viver nesse caos. Que relato filhodaputamente bem escrito, Eduardo. Não tive tempo de olhar os últimos posts. Mas quando vi que hoje era 13 não pude evitar de vir aqui. =D
ResponderExcluirpoxa...todo mundo fazendo odes a SP. eu fiz, andy fez, vc fez e li mis uns 3 blogs com textos similares. vamos entrar pro movimento que pede a emancipação do estado?
ResponderExcluirfilie-se aqui: http://www.soberaniapaulista.tk/
abaixo os migrantes.
a-ha, u-hu, SP é nos-sá!
da série: não tenho mais o que fazer.
gostei demais, principalemnte disso aqui ó:
ResponderExcluir"Em São Paulo nunca nos perdemos, pois sempre estamos em algum lugar, embora nenhum lugar seja de fato nosso destino"
e tateamos...
(ah, legal um texto deste escrito por alguém que mora tão longe de SP)
!
Ontem os baianos viram uma chuva de meteoros. Eu mal pude ver a lua. Ok, a culpa não é do Kassab, mas o odeio mesmo assim. Por culpa dele a Meretriz feliz suicida não poderá usar fretado.
ResponderExcluirOk, a culpa não é do Kassab, mas o odeio mesmo assim [2]
ResponderExcluirHoje pensei que São Paulo nunca me quis e seria bom deixá-la.
ResponderExcluirEm São Paulo nunca nos perdemos, pois sempre estamos em algum lugar, embora nenhum lugar seja de fato nosso destino.
ResponderExcluirQuando me perco nesse Belo Horizonte, mesmo não me perdendo de fato, sempre penso que em São Paulo certamente eu me encontraria. Mas, sabe, eu também gosto daqui.
Moro em Santo André, porém socaria o Kassab. O Serra então nem se fala.
ResponderExcluirE ela me dá essa impressão de que todo mundo é mais individual e triste do que o normal, pode ser que seja igual em todas metrópoles, quiçá mundo. Prefiro acreditar que é sí impressão minha mesmo.
A cidade só faz sentindo quando se tem companhias e lembranças que valham a pena, caso contrário é só mais um lugar.
ResponderExcluirAprendi o que é a palavra quiçá esses dias, achei maior legal.
ResponderExcluir"e somos pequenos nas ruas. e solitários. e sedentos."
ResponderExcluire mais. e mais...
um dia ainda te abraço.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirGosto de Sampa...
ResponderExcluirMesmo sendo essa bagunça "organizada", essa selva de pedra,solidão sempre mesmo no mar de gente...
principalmente do Masp, do parque que há em frente com cheirinho de mato, da feirinha, da avenida paulista...da pressa, da agitação,da neurose do trânsito...isso é Sampa!!!
por isso vivo mais lá do que cá...
São Paulo é foda e o Edu também...
ResponderExcluirSinto falta de todos vcs, mas acho que não quero mais morar em sp.
ResponderExcluirE eu tinha esquecido de comentar.