quinta-feira, 13 de agosto de 2009

São Paulo - impressões 2009

Em São Paulo tudo é mais concreto. E não há horizonte à vista, pois há sempre um prédio bloqueando a paisagem, de modo que a cidade só é contemplável na perspectiva aérea, dos mil e tantos helicópteros que plainam diários sobre ela e que nos devolve, volta e meia (via satélite-cabo-tv) flagrantes policiais de violência.

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Avistável apenas do alto, São Paulo só me vem à mente como paisagem vertical rapinada do terraço do Sesc Paulista. E eu descreio sempre daquele impossível mirante posto entre imensas antenas de transmissão que põem loucos todos os aparelhos eletrônicos último tipo made in Corea.

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A cidade é aquele vento zunindo frigidíssimo na orelha, noturno e cinematográfico, fingindo-se possível o seu amor por nós. Aquela faixa cinzenta, que quando a umidade do ar é pouca, torna o dia mais noite, engole estrelas soturnas, e entope postos de saúde com crianças ávidas por ar.

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E somos pequenos nas ruas, e solitários, e sedentos. A gente encarna sem querer aqueles personagens perdidos/pervertidos/melancólicos do Caio Fernando Abreu. Famílias terrivelmente felizes de Aquino, o inferno provisório de Ruffato, que hoje eu ando pensando que é aquele que sabe de tudo, e vai mais fundo do que qualquer pézinho de Mirisola julgue poder ir.

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E eu queria ver ovnis lançando raios do alto do Masp, fazendo tremer o vão onde turistas fotografam o vazio. Ovnis que incendiassem a mata obscena do Parque que há em frente, com suas árvores cobertas de fuligem; e o sensabor daquela natureza cercada, castrada, escassa e inútil.

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Eu pensando comigo que esse povo elegeu Kassab para fazer São Paulo mais triste. Mais burocrática e repleta de proibições. Sem altdoors numa cidade com vocação para pôr-se à venda. Meretriz feliz, a quem agora arrancam da boca o cigarro, obrigando-a a voltar para casa, sóbria, pois os bares fecham mais cedo e não há bingo onde possa jogar fora o pouco valor que lhe resta (ela é das que se perdem por uma ficha). Por consolo, não lhe sobrará nem mesmo a possibilidade do álcool, para arrebentar os cornos bêbada num poste.

Querem impor-lhe o fim do vício, uma pureza de legislação, a virtude a seco. E ela vai acabar louca, metendo a cara dentro da passagem estreita da privada da quitinete no cantinho da Augusta, alugada por uns 1.500 reais, o dedinho premendo a descarga. Imagino o bilhete suicida falhado no espelho com batom: "Ka, filho da puta, essa morte é para tua estatística cidade-limpa. Logo tu Brutus, eu que já fui musa-rebordosa, e a favor de todas as minorias viadas, como tu."

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Há sempre um viaduto sobre todos nós. Um cão ganindo ao pé de um mendigo, um pedinte e um cego, um menino encardido da cabeça aos pés. Há sempre o engrolar anasalado de um coreano, um turco doido, um judeu que passa sisudo, uma banca de jornal com suas news, carros desfilando egos, filmes cults nos camelôs à porta do Unibanco, sebos com últimos cults, emos efeminados e garotas iludidas com delineador que destilam estilosas neo-melancolias.

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Em São Paulo, faltam os "S" e os "EMES" em todos os plurais, ninguém tem tempo para profilaxia linguística, prolixidade litúrgica. Ninguém atura sensibilidades alheias, delicadezas desinteressadas. Ninguém manda recado, a gente manda torpedos e explode via email messenger fax nossas mais intensas e irredutíveis paixões eternas.

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Em São Paulo nunca nos perdemos, pois sempre estamos em algum lugar, embora nenhum lugar seja de fato nosso destino. Em São Paulo, todos paulistas estamos sempre de passagem. E de tão vista, no transitar, no ir e vir cansativo dos ônibus-trem-metrô casa-trabalho, nosso corpo tenso se eletrifica: a vida são vans impedidas de circular. Ela, a cidade com nome de santo atarracado, faz-se tão nitidamente espelhada e concreta que a gente não se vê quando a miramos, como se ela fosse o arquétipo da coisa: cidade em si. De tão dura e presente, ela, contraditoriamente, torna-se invisível, invisibilidade que nos estarreceria se antes ela não nos tivesse cegado.


E tateamos.

16 comentários:

  1. O texto é ótimo! SP é tudo isso e mais um pouco, pq é sempre mais. Adoro essa cidade louca, apesar de me irritar com a falta do “s”, e suas muitas faces. Há 5 anos aqui, e por muitos outros 5 pq SP é demais!

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  2. E eu louco pra viver nesse caos. Que relato filhodaputamente bem escrito, Eduardo. Não tive tempo de olhar os últimos posts. Mas quando vi que hoje era 13 não pude evitar de vir aqui. =D

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  3. poxa...todo mundo fazendo odes a SP. eu fiz, andy fez, vc fez e li mis uns 3 blogs com textos similares. vamos entrar pro movimento que pede a emancipação do estado?

    filie-se aqui: http://www.soberaniapaulista.tk/




    abaixo os migrantes.
    a-ha, u-hu, SP é nos-sá!







    da série: não tenho mais o que fazer.

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  4. gostei demais, principalemnte disso aqui ó:

    "Em São Paulo nunca nos perdemos, pois sempre estamos em algum lugar, embora nenhum lugar seja de fato nosso destino"

    e tateamos...

    (ah, legal um texto deste escrito por alguém que mora tão longe de SP)

    !

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  5. Ontem os baianos viram uma chuva de meteoros. Eu mal pude ver a lua. Ok, a culpa não é do Kassab, mas o odeio mesmo assim. Por culpa dele a Meretriz feliz suicida não poderá usar fretado.

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  6. Ok, a culpa não é do Kassab, mas o odeio mesmo assim [2]

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  7. Hoje pensei que São Paulo nunca me quis e seria bom deixá-la.

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  8. Em São Paulo nunca nos perdemos, pois sempre estamos em algum lugar, embora nenhum lugar seja de fato nosso destino.

    Quando me perco nesse Belo Horizonte, mesmo não me perdendo de fato, sempre penso que em São Paulo certamente eu me encontraria. Mas, sabe, eu também gosto daqui.

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  9. Moro em Santo André, porém socaria o Kassab. O Serra então nem se fala.
    E ela me dá essa impressão de que todo mundo é mais individual e triste do que o normal, pode ser que seja igual em todas metrópoles, quiçá mundo. Prefiro acreditar que é sí impressão minha mesmo.

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  10. A cidade só faz sentindo quando se tem companhias e lembranças que valham a pena, caso contrário é só mais um lugar.

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  11. Aprendi o que é a palavra quiçá esses dias, achei maior legal.

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  12. "e somos pequenos nas ruas. e solitários. e sedentos."
    e mais. e mais...

    um dia ainda te abraço.

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  13. Gosto de Sampa...

    Mesmo sendo essa bagunça "organizada", essa selva de pedra,solidão sempre mesmo no mar de gente...

    principalmente do Masp, do parque que há em frente com cheirinho de mato, da feirinha, da avenida paulista...da pressa, da agitação,da neurose do trânsito...isso é Sampa!!!

    por isso vivo mais lá do que cá...

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  14. Sinto falta de todos vcs, mas acho que não quero mais morar em sp.

    E eu tinha esquecido de comentar.

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