Mal me lembro do seu nome, mas me lembro que ela tinha o cabelo mais bonito da escola. Sim, de longe o mais bonito. Era liso, mas não era um liso escorrido, desses sem nenhuma graça, que teimam em imitar passando chapinha. Era um liso charmoso, jeitoso, farto e de uma cor diferente, única.Não era loiro, também não era castanho. Era um dourado escuro, cor de trigo, cor de caramelo, nem sei que nome dar. E nossa, como ele brilhava.
O mundo é mesmo injusto, pensava eu, com meu cabelo rebelde e mal cortado. Como se minhas espinhas e aparelho nos dentes não fossem suficientes. É, não era fácil ter doze anos.
Um dia reparei que o cabelo dela estava com umas falhas, que foram aumentando, aumentando, e, em pouco tempo, ela estava careca. Corriam boatos de doenças incuráveis e outras coisas horríveis que só mesmo crianças ingênuas e malvadas são capazes de inventar.
Já os adultos falavam em problemas emocionais, pais separando, crise nervosa, essas coisas, mas eu carregava comigo a certeza que não era nada disso. Cair justo o cabelo? O que ela tinha de mais bonito? Era inveja, claro, olho gordo dos feios, olho gordo de todo mundo, de todas as meninas da sala, das outras salas, talvez das professoras e, com certeza, meu também. Eu sabia da minha responsabilidade naquilo tudo, mas como evitar? Agora eu sentia culpa e pena da menina careca, apontada e amuada no canto do pátio.
Com o tempo um novo cabelo cresceu, mas nasceu diferente. Nasceu crespo, ralo, quebradiço. Diziam que com o tempo ficaria como era antes, mas isso nunca aconteceu.
É claro que hoje eu acredito mais na hipótese de problemas emocionais, parece mais razoável, mais crível que a força do pensamento, mas esses dias a vi atravessando a rua com seu cabelo sem graça e não pude deixar de ter os mesmo sentimentos descabidos de quinze anos atrás.
que triste!
ResponderExcluirsó um detalhe me intriga, capim não é verde?
nao era capim que eu queria dizer, era trigo. haha.
ResponderExcluirque dó!
ResponderExcluirmas tbm existe capim dourado... fazem brincos, colares e até bolsas com esse negócio. nunca viram?
ResponderExcluirQue down, velho!
ResponderExcluirEstava com medo que não postasse. Eu gosto das memórias da infância. De certo modo, na infância, estão as grandes coisas que ficam, balizam, desconsertam. Um dia, por exemplo, eu vi uma mulher alta e linda perder um olho de vidro. E gostei tanto dessa infelicidade e essa perda irreparável, super pra baixo, de alguém que aspira mais alegria nesse melancólico blog dos trinta.
ResponderExcluirEdu
quando eu revi a garota e resolvi que escreveria sobre ela, na minha cabeça nao era tão triste. era curioso só. dai depois ficou assim. fazer o que, né?
ResponderExcluirA gente acha que cresce, acha que amadurece e daí o passado passa na nossa frente e faz com que a gente tenha "os mesmos sentimentos descabidos de quinze anos atrás".
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