sábado, 3 de março de 2012

Nem só de números

Cliente 01:

Mais ou menos 60 anos. Barbudo. Queria um empréstimo. Parecia envergonhando por precisar, falava baixo e olhava para os lados. Fui conversando para ver se ele relaxava. Acabou me contando da filha. Era um bom pai. Tenho um carinho especial por bons pais. Contou com orgulho que ela era uma atleta, nadadora. Participaria de um evento, não me lembro qual. Não sei nada de esportes, mas deixei que ele contasse. O empréstimo era pra ela. Perdeu o patrocínio. Foi uma sacanagem o que fizeram com a minha filha, disse. Começou a chorar, um choro nervoso, desses que a gente quer segurar e não consegue. Eu quis falar alguma coisa, dizer que no fim tudo daria certo e essas bobagens que a gente fala, mas não deu tempo, ele se levantou correndo da mesa e foi embora. Sem o empréstimo.

Cliente 02:

Mulher . Meia idade. Muitas dívidas, tentativas de renegociação fracassadas. Desses casos que a gente tem vontade de sair correndo quando vê, porque sabe que não vai conseguir resolver. Não sobrava nada do salário. Me contou que um dia um funcionário a ironizou por ter a vida financeira tão bagunçada. Começou a chorar. Contou que precisou ajudar a pagar o tratamento de leucemia do sobrinho. Mostrou a foto de um menininho risonho. Diz que gastou o que tinha e o que não tinha. O menino morreu. Disseram que é mentira, mas eu acreditei. E tentei, mas não conseguir ajudar muito. Duas semanas depois soube que ela tentou o suicídio. Sobreviveu.

Cliente 03:

Magro, louro. Uns 50 anos. Pele judiada de quem trabalhou no sol. Queria abrir uma nova conta. Não queria que a ex-mulher tivesse acesso aos seus novos gastos. Mas ex-mulher? Sim, ela que movimentava a conta, sacava o salário, tudo. Já a nova conta seria para gastos com a nova namorada. E põe nova nisso, 19 anos. Claro que ele estava apaixonado. E é bonita, me contou. Enquanto arrumava a documentação fomos conversando, conversando, até que ele me contou o detalhe essencial: era puta. Sim, puta. Eu quase engasguei, mas ele falava com uma naturalidade tão grande que só me restou achar natural também. Insistiram muito que ele fizesse um programa com ela, ele sozinho, negou, negou, até que em um sábado de solidão resolveu ligar e a menina foi. Chegou gripada, ardendo em febre, só restou a ele cuidar da menina. Apaixonaram-se.


Um comentário:

  1. Tem uma certa magia nesse tipo de história. Acho tão bonito quando as linhas fazem a gente ver as pessoas, botar abaixo os nossos preconceitos e muralhas naturais. Sacar que todo mundo é humano mesmo.

    Lindo o post.
    Abraço.

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