Fui tomar um copo d´água e me
deparei com um Gregor Samsa no chão da cozinha. O bichinho monstruoso estava
ali movimentando ligeiramente as inúmeras patinhas e as antenas longas como que
conhecendo o ambiente. Levei um susto e imediatamente saí do meu estado
sonolento porque não é comum aparecer tal ser por aqui – a não ser no livro do
Franz Kafka. De onde será que ele saiu? Quais os caminhos que percorreu? Será
que transitou pela minha xícara? Não quis nem imaginar. Conferi se a minha
amiga que mora comigo estava realmente dormindo em seu quarto, afinal, depois
de ler “A metamorfose” nunca se sabe, não é? Ufa! Ela estava lá em seu sono
tranquilo. Então, tratei de pegar a vassoura para me livrar do intruso. Depois
de persegui-lo pela cozinha e dar muitas vassouradas, consegui apenas atingi-lo
de leve na parte posterior, quebrando algumas patinhas e imobilizando-o. Fui
dar os golpes fatais, mas me dei conta que era madrugada e a vizinha de baixo
não iria gostar nadinha da barulheira que eu estava fazendo. Não posso
esmagá-lo com o chinelo, pois definitivamente eu não suporto o barulho do clac seguido da gosma branca, não
adianta, eu não consigo. Fui até a área de serviço, não encontrei veneno, mas
avistei o recipiente de água sanitária. Experiência química, por que não?
Despejei um pouco sobre o inseto asqueroso imaginando que seria uma intoxicação
total. Enganei-me. Mesmo sem as patinhas de trás ele fugiu velozmente da poça,
indo parar mais adiante, cansado. Vi o vinagre na prateleira de temperos.
Vinagre é ácido! Mais uma vez despejei a substância sobre o bichinho e ao
contrário do que eu imaginei, ele se deleitou no líquido, afogando-se,
embriagando-se, perdendo sua potência vital aos poucos. Olhei para ele por
alguns instantes e de repente estava me sentindo como a personagem do livro “A
paixão segundo G.H.”, de Clarice Lispector. G.H. também massacra um ser
asqueroso assim e em seguida começa com seus existencialismos. Antes que eu me
entregasse completamente aos meus existencialismos, lembrei-me daquela cena
reveladora em que a personagem come o isento. Argh! O que a literatura faz!
Fiquei observando o fim daquele sujeito – porque naquela altura ele já era um sujeito
– virado com as patinhas que sobraram para cima. As antenas ainda se mexiam
lentamente até que senti que acabara. Peguei a pá, a vassoura e segui para a
lixeira. Ao colocá-lo na cova vi que ainda estava vivo! Senti o paradoxo de ser
por um lado, a torturadora, e por outro, a torturada por aquela sobrevivência
que estava me cansando. Completamente desiludida, peguei uma colher de sal e
despejei sobre ele. Admito: minhas técnicas de tortura são as piores. O bicho
ainda gozou o sabor da substância, lambia as patinhas. Sou uma covarde mesmo,
por que não deixei o bicho horroroso vivo? Ou então, por que não o matei de uma
vez? Optei pela forma mais dolorosa – e mais culinária – possível e o inseto
ficou ali por minutos na sua morte lenta e saborosa. Enfim, morreu. Altas horas
da madrugada, o meu sono morreu faz tempo. Tudo por causa de um ser resistente,
tudo por causa de Kafka e de Lispector! Acho mesmo que só as baratas
sobreviverão ao absurdo do mundo. Vou dormir as poucas horas que me restam e espero
que pela manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, não dê por mim na cama
transformada num gigantesco inseto.
Alguns minutos de palmas por esta obra-prima literária!
ResponderExcluirAcompanho o Felipe nas palmas! Genial =)
ResponderExcluirDica: ao invés de limpar o Gregor com água sanitária e depois temperar com vinagre e sal, pingue um pouquinho de detergente na cabeça dele. É viscoso, gruda e mata sem torturar muito ;)
Ai, ai, que aflição! Muito bom, Lu!
ResponderExcluirMeu...voce limpou com água sanitária, pós vinagre, jogou sal.....era só mastigar.
ResponderExcluirCrocante por fora e cremoso por dentro hummmmmmmmmmmm
Acho que com a água sanitária já deveria estar mortinha da silva. Bom, esse bicho não iria morrer tão facilmente se fosse com detergente, acho que ele surgiu para atormentar as últimas horas da noite da Luana, e para inspirá-la a escrever este post. Enfim, acompanho o Felipe e Cia com os aplausos!
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