Acabou a luz!
Podem me chamar de
anacrônico, mas eu gosto quando falta a luz.
Quando somos
privados, ao menos que por alguns instantes, dos benefícios da vida moderna, a
primeiríssima impressão que dá é que quem perdeu a energia fomos nós. Nós,
seres acostumados a viver sob a égide do conforto, conectados com o mundo todo,
o tempo todo, por um momento perdemos o norte quando nos percebemos
impossibilitados de tomar um banho quente, de acessar à internet ou
de minimamente nos situarmos em meio à escuridão.
Acender uma vela? - o
pragmatismo geralmente começa a funcionar daí – mas acender um objeto tão
arcaico e simplório em plena era da tecnologia? - Sim! Você fricciona um
simples palito de fósforo em uma superfície rugosa e produz fogo! – Aqui o ser
pós-moderno se sente realmente poderoso – como numa epifania, ele se percebe
capaz de fazer algo surgir do nada, por uma simples e fascinante reação
química, motivada por suas mãos tão acostumadas a resolver as coisas com
cliques e apertar de botões.
Não quero
aqui negar a evolução tecnológica e escrever linhas nostálgicas sobre a vida franciscana.
Não é isso. Mas existem coisas que só percebemos - e valorizamos - diante da
privação. Coisas que não deveríamos esquecer, mas coisas que fatalmente
esquecemos.
Se naquela noite não tivesse faltado a luz, eu provavelmente não teria ido - com esposa e filha
- visitar nossos vizinhos peruanos do 43. E mesmo que tivéssemos ido,
provavelmente nossa conversa seria sobre alguma coisa banal que estivesse passando na
TV e jamais teríamos ficado em roda - para aproveitar o melhor que
podíamos a fraca luz de um lampião improvisado - vendo fotos antigas e
prestando atenção em cada detalhe.
Se naquela noite não tivesse faltado a luz, eu provavelmente teria passado nervoso vendo pela TV
meu time empatar mais um jogo contra um adversário medíocre, narrado por
um narrador não menos medíocre e transmitido por uma emissora que sonega
impostos. Ao invés disso, a luz da vela iluminou minha gaita, que há muito
jazia encostada num canto do quarto, esperando por um dia que faltasse luz...
Naquela
noite, os vizinhos dormiram ao som do meu blues...
Quando eu morava no 17º andar eu não era muito fã de falta de luz, agora eu sou a favor de qualquer coisa que afaste as pessoas do celular!
ResponderExcluirGostei da ideia do texto, achei muito válido, mas a noticia final foi trágica.....depois de ouvir vc tocando gaita, o vizinho do 43 ou voltou Peru ou comprou um gerador de energia......ninguém merece aquilo kkkkk
ResponderExcluirRisa, vejo que você não sabe apreciar o verdadeiro blues, aquele que vem da alma do gaitista! Vc precisa ser meu vizinho!
ExcluirComo a modernidade, ironicamente, pode afastar as pessoas, e a falta dela pode aproximar.
ResponderExcluirTenho medo da tua gaita!
Se eu não durmo, ninguém dorme!
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