Minha mãe é nordestina e virginiana, o que a torna um misto
de praticidade e dureza que não me era fácil entender quando criança. Aquele sentimento
materno de doçura, compreensão e colo em qualquer circunstância era lindo... Na
televisão. Eu achava bem difícil não poder chorar, nunca, nunca, nunca, pois nada
era suficientemente ruim para merecer meu sofrimento. Eu vi minha mãe chorando
duas vezes. DUAS. Na vida. E uma foi no enterro da minha nonna (sua sogra),
mesmo assim ela só chorou um pouquinho. Isso não quer dizer que minha mãe não
sofre, quer dizer que minha mãe é forte.
Eu sou escorpiana, tenho ascendente e Lua em Peixes,
portanto, sou só água. Isso quer dizer que água verte dos meus olhos desde
sempre. Choro muito. Vivemos toda a vida assim. Não deixei de chorar, minha mãe
não deixou de ignorar meus choros. Sou bem grata a ela. Acho que não endureci,
mas aprendi que chorando ou não, a vida tá aí, sempre a postos para me pregar
umas peças, dar-me uns pequenos desgostos e, com lágrimas ou não, tenho que
adotar posturas práticas diante das coisas que me fazem sofrer. Posso demorar
mais ou menos para parar de chorar. Mas vou parar. Isso não é uma escolha.
Sendo filha da minha mãe, essa é a única opção.
Esses dias eu caí uns tombos sentimentais e sofri bastante.
Minha mãe tem o péssimo hábito de não mensurar muito o meu sofrimento, na
cabeça dela é uma coisa que sempre vai passar. Acho que na cabeça dela eu é que
sou forte. Não se trata de desrespeito, trata-se apenas de pular a parte das
lágrimas para a crença que vou tirar de letra. Como dessa vez chorei bastante,
mais que de costume, minha mãe ficou um pouco mais atenta. Como sempre, nunca
deu corda para o sentimento, apenas perguntava, bem mais que de costume, se
estava tudo bem. Foram vários e vários dias assim, ela perguntando, eu
respondendo que não, mas que ia passar. A conversa logo seguia outro rumo,
minha mãe nunca deu atenção demais a sofrimento. Em outras palavras, minha mãe
nunca revira nada de ruim. A vida que dê conta.
Moderna que só, semana passada me mandou um whatsapp: está melhor?
Respondi que sim e, como foi a primeira vez que eu disse sim logo de cara, ela
respondeu: graças a Deus. Expliquei que estava melhor porque percebi que não
havia o que eu poderia fazer, que fiz o meu melhor e que cabia a mim respeitar
as escolhas que ele fez. Quis explicar a minha mãe, detalhadamente, meu
pensamento prático em relação a uma situação que tinha me feito sofrer tanto.
Achei que ela bateria palmas (ela está viciada em manter conversas apenas com
emoticons), ou dissesse outra coisa que mostrasse que estava feliz pelo fato de
eu estar agindo, não sofrendo. Que diria estar contente por eu ter saído dessa,
que eu a orgulhava.
Minha mãe respondeu apenas: ele quem?
Fiquei olhando para a tela alguns segundos. Não era ironia.
Nunca é. Minha mãe estava falando sério. Ela estava perguntando, realmente não
sabia. Tinha esquecido, isso não era mais importante para ocupar bytes de sua memória.
Minha mãe não lembrava mais e, na hora, percebi que também não me importava
mais lembrar. Recordar a gente recorda sempre, mas remoer, martelar, chorar e
sofrer, aprendi com a minha mãe: não. Os ‘7,0’ que tirei nas provas, os ralados
no joelho, as falas erradas no teatrinho, os tombos, as brigas na escola, a
colega pentelha, a professora sem noção, os cortes, os objetos perdidos, as
tormentas que pareceriam não ter fim, as desilusões, as pequenas derrotas
diárias... Fracassos tão pequenininhos que hoje olho e me esforço bastante para
lembrar: quem? quando? onde foi mesmo?
Sábia mãe. Essa filosofia pode ser adotada para um monte de
pequenos sofrimentos que não valem a pena serem levados adiante. É uma sábia
escolha. Espera. Não é uma escolha. Sendo filha da minha mãe, essa é a única
opção.
Você acredita que é a terceira vez que escrevo esse comentário?
ResponderExcluirA primeira vez, digitei tudo, e depois cliquei em sair... Depois comentei, cliquei em publicar e o Google mandou eu logar de novo!
Agora acho que vai!
Que bom que você voltou, Tatiana!
E que bom que você é essa mulher forte, que tem dentro de si a menina que chora, quando necessário...!
Seja muitíssimo bem-vida ao seu dia 17!
Estávamos com saudade!
Estimo tudo de melhor pra você!
Obrigado pela surpresa do retorno! Bjo! :)
Por que eu não leio mais seus textos??? Eles me fazem tão bem. Simplificam a vida, trazem um pouco de humor para os dias que parece que tudo dá errado (ou certo). Fazem a gente se sentir mais humano e menos dramático, pois percebo que as histórias se repetem, cada uma à sua maneira. Os personagens são outros, mas as falas... quase sempre muito parecidas. :)
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