terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Da beleza das coisas tristes

Li em algum lugar, não sei onde, que só quem escreveu a "Love of my life" do Queen sabe realmente o que é sofrer de amor. Que qualquer outra pessoa estaria só se enganando. Isso me fez perceber que eu não tenho nenhum disco do Queen na minha coleção. Como grande parte dos homens da minha geração, eu atribuo as músicas que ouço às mulheres que passaram pela minha vida. Óbvio que não vou admitir isso publicamente, mas é a triste verdade. Mesmo que não sejamos personagens em um filme do John Hughes, as músicas são nossas trilhas sonoras pessoais e tocam no pano de fundo da nossa vida. Você não canta mentalmente tal música quando a menina está te dando um pé na bunda, mas a lembrança vai estar lá, enroscada no seu cerebelo, e você vai revivê-la quando a música tocar de novo. Não, isso não é só coisa de mulher, não. Acontece com a gente também, desde o começo dos tempos, e vai continuar acontecendo até quando não houver mais canção no mundo. 

Do alto da minha opinião de merda de pós-adolescente que nunca tinha namorado de verdade, eu achava que amor era aquele que fazia as pessoas sofrerem. Olhando agora, acho que era um resquício da cultura cristã, tão intrincada na minha família. Porque só depois que o sujeito sofreu e sofreu e sofreu e apanhou e foi surrado e humilhado e agredido e sofreu pra cacete um pouco mais é que pode salvar a humanidade e, enfim, conhecer o pai. O que só me faz pensar que filhos adotados realmente sofrem. (E não sei se posso dizer que ele foi conhecer o pai biológico, mas essa discussão fica pra outro dia e pra outra mesa de bar.)

Ironicamente, o rádio começou a tocar Skank. Skank, cara! "Balada do amor inabalável". Praguejo e mudo. Sister Hazel. Ok, vamos lá. 

Durante a época em que eu fui mais feliz ao lado de uma mulher foi também a época em que ouvi uma das frases que mais desgraçaria minha vida: "só enquanto eu respirar vou me lembrar de você", em um êxtase de martírio pelo cantor. Deus do céu, como aquilo fazia sentido. Fazia sentido, repito, na minha opinião de merda de pós-adolescente que não sabia ainda o que era se relacionar com uma mulher todos os dias. Mas a merda é que fazia sentido. Estava plantada ali a semente da minha destruição pessoal. Porque eu só conheceria o amor de verdade, o Um-Amor, se me permite, quando sofresse por ele. Quando o perdesse, quando fosse tirado de mim, quando passasse noites e dias e noites de novo acordado, sofrendo pela ressaca de um sentimento cujo sabor eu ainda sentia nos lábios, mas que estava já impregnando o chão sujo de um banheiro qualquer. Vários, vários banheiros. Acho que eu sempre tive uma alma de escritor - ou isso é somente o meu cérebro tentando me convencer a encontrar beleza em mais uma coisa triste. Às vezes ele faz isso. Tudo, tudo que é verdadeiramente triste possui algo de belo em proporção igual ou até maior. Parece distanciamento da realidade, mas acho que é um mecanismo para justamente nos aproximarmos da humanidade e não vivermos o tempo todo à parte dela.

Eu ouvia aquela maldita frase daquela maldita banda e pensava que só quem consegue escrever algo assim, cantar algo assim é que viveu algo assim. E que isso era viver de verdade. Muito boa essa condição: sofrer é viver. Sofrer é amar. Eu era um jênio - um jegue genial.

Para fins de comparação, existe um abismo enorme entre o Queen e o Teatro Mágico, mas não vou me apegar a isso agora ou sou capaz de abrir a janela e me atirar do sexto andar com um sorriso no rosto.

Claro que hoje sei que relacionamentos possuem mais tons de cinza (uma parte de mim morreu por essa referência) do que a visão dos animais, bem diferente do que acreditava antes. Nada é tão maniqueísta quanto a imagem daquilo que não conhecemos.

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