Caio
não era uma pessoa. Depois de uma manhã repleta de sonhos, a tarde veio como um
soco na cara. Não, as coisas não iam tão bem como os dados laboratoriais
mostravam em seus resultados. Mal tivemos tempo de comemorar aquela pequena grande
vitória, parte integrante de uma batalha colossal e imprevisível.
Imprevisível.
Havíamos desconsiderado este elemento surpresa depois de trinta dias de mar
calmo. Mas, como diz o ditado, um bom marinheiro só se faz com tempestade e,
sendo assim, Oyá na frente, Eparrei, mãezinha! E nos empresta a sua força nesta
travessia.
A
noite foi longa. Sua face estava pálida, os olhos vacilavam. Ela perguntava
durante os quilômetros que nos alargavam a chegada: “Você está comigo?”. E Ele
respondia que sim. A ideia do ponto de chegada representar o fim da tormenta e
início da boa nova foi se dissolvendo ao poucos, até desaguar por completo
sobre nossas cabeças. Não havia muito o que ser feito ali. A noite passou lentamente, acompanhada por cigarros e um café ruim,
fundamentais para atravessar aquele final de junho e os ecos de passos
apressados que preenchiam o corredor.
Voltamos
ao ponto de saída do dia anterior. Enquanto tentava descansar e esquecer aquela noite, chegou
até a mim vestígios de uma conversa: “Vamos ao Caio?”. Caio? Quem seria ele? “Acredito
que será melhor. Vamos arrumar uma muda de roupa e seguir viagem”. Caio? Eu não
o conhecia. Nos receberia em sua casa por alguns dias? Teria ele a cura? Seria ele a cura?
Caio
não era uma pessoa. Isso eu só descobriria exatos 400 quilômetros depois. O
trajeto, longo por sua condição geográfica, não foi tão lento como a ansiedade
havia, copiosamente, sugerido. Apesar de,
tudo ia bem, em breve estaríamos no Caio, o que parecia uma grande solução ou,
ao menos, um grande motivo de fé. Um pouco mais de três horas depois começamos
a avistar grandes edifícios e pontinhos alaranjados iluminando dezenas,
centenas, milhares de ruas. Caio morava em uma capital. Seria divertido passear
por ali alguns dias em um contexto diferente, pensei.
Caio
morava em uma avenida importante, chamada Dr. Arnaldo. Isto ninguém me falou,
observei pela imponência de algumas construções e pelo movimento naquele
horário da noite. Já passava das nove horas. Em frente ao edifício do Caio
havia bancas de flores. Era possível observar flores de todas as cores e
espécies, e, atrás das bancas, o topo de alguns monumentos antigos,
resguardados por um longo muro. Ao olhar estes monumentos um frio visceral
percorreu meu corpo. Que piada de mau gosto haver um cemitério logo ali, tão
perto do nosso destino. Respirei fundo e o carro estacionou em frente ao
edifício.
Havia, no piso baixo, três amplas salas. Todas elas superlotadas. Em
algumas partes era possível encontrar famílias inteiras, com olhos marejados de
tristeza e cansaço. Ele e Ela já sabiam qual dessas salas levavam até o Caio e
me limitei a segui-los, sem fazer perguntas. Estávamos todos apreensivos, cada
um com seus sigilosos motivos que não deveriam ser compartilhados.
Caio
não era uma pessoa. Na terceira sala, ali estava ele: C.A.I.O. Uma sigla. Não
era um curandeiro, não era um amigo. Era o Centro de Atendimento de
Intercorrências Oncológicas.
C.A.I.O.
Havia neste centro muita coisa: pessoas,
medo, dor. Havia muita espera(nça).
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