segunda-feira, 4 de abril de 2016

O dia em que eu chorei em frente à TV

São Paulo, 26 de julho de 2013.


Querido diário, hoje eu chorei em frente à TV, mesmo tão acostumado com as más notícias, com as injustiças e desenganos mundanos que passam diariamente, chorei. Chorei, pois vi um pai de família sendo comunicado não por um amigo, um familiar, mas pela polícia de um incidente com sua amada esposa, que havia concebido seu único filho há pelo menos um ano. Uma esposa que estava voltando para casa no meio da tarde, do seu emprego de doméstica do outro lado da cidade e de repente é assassinada por alguém que a ameaçou através de um bilhetinho uma semana antes do assassinato. Chorei pela mulher, pelo bebê, mas principalmente pelo marido que estava trabalhando no momento, esperando chegar em casa e ser recebido pela família após um dia cansativo que todos nós temos que aguentar. Chorei por não existir consolo algum, além do tempo, imaginando quanto tempo é preciso pra cicatrizar aquela ferida. Não a ferida no meio da cabeça da mulher que estava a sangrar e estiraçada no chão da sua própria rua - tão breve e tão cruel forma de morrer - e sim da ferida no coração dos familiares e amigos que a conheciam e hoje não podem lhe dar um abraço, um beijo, um simples bom dia, boa tarde ou boa noite. O marido disse: “_Gostaria pelo menos de dizer Adeus pra ela, deixa-la ver mais uma vez nossa bebê, e dizer que a amava.” Refleti que a morte nem sempre lhe dá o direito de se despedir, mas a vida sim. Hoje no almoço só teve saudade e solidão, todos reunidos numa sala, com a nossa senhora embrulhada, entregue numa caixa grande e amadeirada sem laço de cetim e o presente parece que não tinha destinatário além do céu - para os cristãos de boa fé. Tirando isso, só restou uma enxurrada de lágrimas e lamentações, alguns causos e recordações que provavelmente se estenderão entre o circulo de entes queridos e conhecidos da moribunda nos dias seguinte. Então, imaginei por algum instante, um leão saindo pra caçar e quando voltou encontrou a leoa morta, e o pequeno leãozinho desamparado. Enfurecido, pensou em sair pelo mundo em busca do assassino, destruindo tudo e todos a fim de encontra-lo e se vingar, subitamente lhe incorreu que se não mantivesse a calma deixaria o pobre filho sozinho na selva, sem sustento, sem alimentação sem proteção. Por instinto, resolveu proteger os que ainda estão vivos e dependem dele para sobreviver. Logo ele, o tão admirado e idolatrado leão, se viu impotente e frágil como todos os outros. Muitos se encontram na pele desse leão diariamente, fazendo o possível para manter a casa, para progredir, para oferecer o melhor, pelo outro e por si mesmo. E em um belo dia quando chegarmos em nossa casa pode ocorrer de um animal qualquer tirar nossas crias, nossos parceiros e nossos sonhos. E nós não temos o direito de enlouquecer, a escola da vida não permite faltar um dia se quer, se não cumprirmos nossos deveres, fazermos nossas tarefas e mantermos a disciplina, seremos tristemente reprovados. O mundo é esse manicômio a céu aberto onde muitas vezes a criança chora e a mãe não vê. Certamente é preciso olhar para frente e colocar os pés no chão. Se hoje quando esse homem colocou os pés para fora de casa soubesse que sua esposa iria falecer, tudo seria diferente. Todos seus esforços e dedicação estariam pautados para impedir que isso acontecesse, qualquer segundo ao seu lado aproveitaria como se fosse o último instante. E o pior de tudo, é que já sabemos que uma hora ou outra alguém vai morrer, ou nós vamos morrer, a ciência já comprovou que para nos manter vivos o próprio cérebro ignora a morte, assim como nosso cérebro ignora o nosso nariz mesmo ele estando diante dos nossos olhos o tempo inteiro. Muitos de nós temos essa capacidade de conviver com um destino pré-determinado sem enlouquecer, outros simplesmente enlouquecem de vez. E imaginar isso é triste, assim como é triste não fazer valer a pena viver. O que me remeteu à seguinte frase, do filme Escola da vida: “É preciso menos que a morte para matar um homem”. Ao final da reportagem, olhei pros lados e vi que na maioria das situações dessa vida, ou seguramos nossas próprias lágrimas, lavamos o rosto e seguimos em frente, ou simplesmente nos afogamos em prantos e nos torturamos com a melancolia cotidiana de “amorrecer” dia após dia, vida após vida. Então, desliguei a Tv, e mesmo com todos esses animais soltos lá fora, sai de casa e fui fazer valer a pena estar aqui. Em um adesivo colado na janela do vagão do metrô, seguindo pela linha verde, eu li: Ainda há tempo.  



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