sexta-feira, 1 de abril de 2016

Primeiro de Abril- 2025


“Caminhando pela rua, observo um pedaço de pano vermelho. Difícil imaginar se está manchado de sangue vivo, ou se é apenas um resto da vestimenta de alguém do “Movimento pela Liberdade Cromática”. Já fazem sete anos que eu queimei todas as minhas roupas de tom escarlate. Chego ao meu emprego, 10 minutos atrasado. O segurança me olha torto, como se procurasse alguma razão para me denunciar. Depois de um minuto de inspeção, ele me deixa entrar. Entro durante o hino nacional. Abro e fecho a boca no ritmo e espero acabar.
O trabalho é o mesmo tédio de sempre. Preencho documentos, alimento planilhas e ouço o mesmo papo de sempre dos chefes e colegas. Alguns comentam que o segundo mandato do Mito está indo bem. Eu apenas sorrio e concordo. Fim de expediente e eu volto rpa casa. Ainda não são 19h00, mas eu vejo as pessoas voltando para casa assustadas, e os cadetes da PM olhando com atenção. Dois universitários vem andando, um deles carrega um livro com “O manifesto comunista” escrito na capa. Eu percebo o que vai acontecer e olho para o outro lado. O som do impacto da borracha em carne me dá náuseas. Foco meu olhar no chão e continuo andando.  O sangue que espirra no meu sapato parece molho de tomate. Os gritos já são rotina

Em casa, eu me sento e assisto na TV as retrospectivas dos anos de 2016 e 2017. A queda do partido que ficou conhecido como “ A encarnação da corrupção” , a ascenção do grupo que iria Endireitar o país. Em seguida as “Jornadas do Pato Amarelo”, como ficou conhecido o  momento em que uma coalizão de empresas e partidos (de todas as “posições” políticas”, inclusive aquele “da corrupção” e aqueles outros dois que se opunham a esse também) apoiaram o fim da CLT e as normas terceirizadoras. Pra mim isso é tão abstrato, eu nem sei bem como era quando as pessoas conheciam o patrão de verdade. Comecei a trabalhar em 2018, aos 15 anos. Tarde para os padrões atuais, eu sei.

Durmo e acordo desesperado, pensando que estou muito atrasado. Penso um segundo e me lembro que é sábado. Eu poderia ir ver algum desfile, ou ir ao cinema, mas a maior parte dos filmes que eu gostaria de ver foram barrados pelo Comitê Moral e Cívico. Bem, dormir é sempre bom. Acordo às 16h00 , e vejo um pronunciamente do presidente Mitológico na tv. Ele informa que a partir de hoje  os atos de “pederastia” como ele chama o comportamento homossexual são considerados válidos para demissão por justa causa, puníveis com pagamento de multa e, em caso de reincidência, com prisão temporária. Engasgo-me com a água que estava bebendo. O programa nem acabou e meu celular pisca com uma mensagem no Bra-Zap. Bernardo informa que está fugindo para o Chile.  Diz que não pode se arriscar a me levar junto.

Sento-me , pego um pedaço de papel reciclado e um lápis 2b. Escrevo: “Motivos para continuar vivo - “ e penso. Começo a escrever Bernar… Risco. Penso em meu emprego. Penso em minha família, que eu não sei se está viva. Abro a gaveta e pego a faca.
Cortar o papel é o primeiro passo. A carótida não deve ser muito mais difícil.”

Meus sinceros desejos para que isso seja, para sempre, uma mentira de primeiro de Abril.

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