sexta-feira, 12 de junho de 2009

¼. Um.

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Acordou.


Fácil.


De um jeito que pareceu abrir os olhos dez segundos depois de qualquer outro movimento involuntário do corpo que despertava na horizontal, a posição em que todas as pessoas parecem ter o mesmo tamanho, pois é engraçado como as bocas e os pés se tocam mesmo deitado com a menor das mulheres. Foi a melhor piada que ele conseguiu raciocinar e discorrer há quase um mês. Ele pensou. Foi o que Roberto lhe disse uma vez. Na verdade, ele lembrou. Ele sempre roubava as piadas de Roberto. Não as melhores.

Reparou no computador ainda ligado. Amarelo.

Naquele momento, o celular anotava: duas horas. Mais dez segundos e tudo se descobriu, principalmente o motivo dos movimentos do corpo horizontal: Roberto havia trazido mais uma vadia pra casa, e dois ou três gemidos bastaram pra ser denunciada a vagabunda que deveria ter bebido mais que aquele que não fazia esforço suficiente pra nem metade daqueles gritos. Aquelas divisórias de concreto, conhecidas também como paredes, guardavam alguns fatos, e um deles o de que Roberto era virado em mulheres bêbadas. Diferentes! Como ele sempre corrigia. Na verdade, era um idiota. Das sociais. Ele sempre corrigia.

Sentou na cama e se enrolou na toalha azul, quase cinza, perdida pelo chão e suspensa pela metade na cadeira giratória. Checou mais uma vez se não havia novas mensagens no celular. Mandou tudo pro inferno e andou até a sala. Em troca do sono perdido, roubou um cigarro de filtro branco do maço de Beto. Sobrou um, que roubaria mais tarde. Pensou, pela terceira vez na semana, que além de comer suas melhores amigas, Beto fumava cigarros de manicure. Ficou parado durante cinco segundos e caminhou até a sacana deixando sobre a mesa a lata de molho de tomate, vazia de caldo de tomate e cheia de bitucas. Ali, deixou também muitos papéis, alguns livros com marcadores nas páginas e dois quadradinhos de sêmenes verdes que aguardavam por um dedo indicador, outro polegar e uma palma de mão. Ficou com preguiça.
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13 comentários:

  1. é tipo um alter ego?

    pois é, agora os homens fumam cigarro de filtro branco. É o fim dos tempos.


    (E isso que eu chamo de pontualidade. Britânica!)

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  2. As bocas e os pés sempre se tocam.
    Beto é Roberto? Ou a vadia? Por mim, pode ser qualquer um.
    Gostei. Da pontualidade britânica também.

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  3. Li duas vezes, vou ter que ler mais. Mistério maior em saber quem é o narrador, quem é o Beto, se há um vagabunda de fato sob os lençóis, se tudo não passou de camuflada viadagem, ou um insano menage trois que soltou toalhas pelo quarto e encheu de bitucas a lata de molho, se o cara é um voyer, ou se o trepou com seu ego (mais do que com a "social" e as amigas). Ou seja: Detetivesco sem crime. Misógino e cínico como um bom noir. Rocambolesco, etílico, e vago como a nuvem de fumaça de um velho filme de Bogard.

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  4. pq o idiota, pra vc, é sempre "das sociais"? [ou entendi errado?]

    no mais...concordo com o edu, embora não ache que a confusão necessariamente precise ser investigada.

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  5. já repararam as semelhanças entre os últimos textos? pelo menos os últimos quatro são assim, cheios de suspense e descrevem partes do corpo, mãos, olhos, pernas, cores, enfim, uma beleza.

    gosto quando os pés se tocam.

    grande texto misterioso e bonito, sr. lucaalvex.

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  6. Que bom de ler vc, o Beto, a puta, as toalhas enroladas, a lata de tomate com guimbas de cigarros. Tudo fala nesse quarto, neste lugar com paredes e chão. Tudo fede e é tão bonito. Belo post!

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  7. Será que já teve um fim ?

    Poder comentar em um texto do Luca é emocionante viu. ^^

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  8. Fiquei feliz em poder imaginar q alguem, em algum lugar, gosta de mulheres bebadas. Mesmo q seja um personagem.
    Tambem preciso ler seu texto mais vezes, essas paredes me revelarao mais segredos...

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  9. Eu gosto de suspense, mas fico meio de cara quando o texto acaba do nada. Fico com vontade de saber mais do personagem, da história, do q o narrador me reserva.Ah, tem mais um?? Pera ae.

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  10. Nossa Luca!
    Fazia tempo que não lia algo teu. Adorei o post...realmente intrigante. E adoro quando envolve partes do corpo...rs

    Adorei!
    Bjs, Jé*

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  11. Ai, esse rapaz me arrepia os pêlos, viu! Ainda mais porque ele embebeda o texto com essa decadência de lata-de-molho-de-tomate-porta-bituca, cigarro-de-manicure. Usa umas imagens que me pegam bem aqui, no ossinho da risada.
    Pablo Luca é o que eu escrevo na seda respingada de gotas de cerveja às 2 horas da madrugada fria de bar.

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  12. hummm, la do começo dos coments, pontualidade britanica? Se vc estiver esperando um onibus na Carnaby Street aposto como vc muda de ideia. Digamos pontualidade Suiça - os reis da chatura e da pontualidade :o)


    nao teria coragem de chamar a mais rameira das putonas de vagabunda... ou vadia. Quem narra a historia?

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