terça-feira, 9 de junho de 2009

Parabéns para mim

Suspeita-se que ela acordará no meio da noite atordoada. Serão 4h15 da madrugada e ela não saberá se está na cama nova, na atual, na mais recente ou nas três das quais foi dona até um ano atrás. Um sonho qualquer, talvez o terceiro consecutivo protagonizado pela última ex-amiga. Será a despedida dos astros. Estes seres inexistentes personificados a corpos celestes, inclusive, já devem ter aprovado, na assembléia mensal de fabricações humanas, a inclusão deste na Retrospectiva 2009 de infernos astrais mais memoráveis do ano. Por unanimidade. Agora só falta fechar com chave de ouro, quebrar algumas lentes de óculos com o canto final da gorda e descer as cortinas de veludo à espera da ovação.

Analisando friamente o contexto dos últimos trinta dias, é possível concluir que a saída forçada de Plutão do G-8 do Sistema Solar tenha sido a grande causa da seqüência miserável de acontecimentos que faziam fila à porta do quarto dia após dia. A expulsão do ex-planeta já conta quase três anos, mas esta pequena defensora dos fracos e oprimidos, que tentou em vão protestar contra o novo e excludente significado de planeta, havia passado desapercebida pelos júpiters e saturnos do céu até o dia 10 de maio passado.

Entrou no radar por um erro crasso. Decidiu, com enorme ingenuidade, demasiada, para os 27 anos que já acumula, tornar pública sua filosofia de vida. Pela primeira vez, sem nenhum rodeio. Digitou "Eu ñ acredito em inferno astral", acrescentou um ponto final para avisar que o assunto era sério, e apertou enter.

Deve ter sido Marte, o planeta mais contaminado pela Mão humana até hoje, que teve a idéia. "Não acredita é? Veremos." O que se seguiu não merece ser descrito. Há os episódios graves, os absurdos e uma abundância de anedotas tragicômicas, como tomar banho pela metade, a insônia de três semanas, ser a única pessoa sóbria da festa e a única a perder uma pequena fortuna, a identidade e o cartão do banco.

Era um pequenino barco que decidiu desatar sua cordinha do porto seguro e navegar por águas novas. Só queria um pouco de brisa para refrescar o coração. Acabou perdendo a vela durante uma tempestade nas águas turbulentas que tantos marinheiros já sugaram. Há furos por todos os lados, pedaços de madeira perdidos para sempre e estima-se que, não fossem os cantos de algumas sereias para distrair os astros, a perda podia ter sido total.

As avarias ainda não foram examinadas com profundidade e, por isso, não se sabe como salvar esta triste embarcação. Dúvidas pairam no ar, enquanto os astros juntam fôlego para o golpe final da última noite.

Como incorporar a categoria "ex-amigos" no leque de relações humanas de uma pessoa que parte do princípio de que todos os seres humanos merecem todo o respeito que os outros podem dispensar? Dentro do saco sem fundo de amigos, há os amigos que ela ainda não conhece, os amigos que ela viu apenas uma vez, os amigos de toda a vida, os amigos que dividem o mesmo sangue, os amigos que estão sempre perto, por mais longe que estejam, os amigos que sempre aparecem quando precisam de algo, e sempre somem quando estão bem, há os amigos que não se importam se estão nesse saco ou não. Detalhes... São todos amados igualmente, porque amor é amor. Ou é tudo. Ou é mentira. E esse barco está transbordando de água, mas não há um pingo de mentira.

Compraremos um novo saco para os ex-amigos? Esta baixinha tem força para carregar tamanho peso?

Remendamos este barco ou reconstruímos um novo, do zero, adequando-o aos novos modelos e ganhando pontos com a opinião pública? Tentaremos chegar a um acordo com os astros invisíveis, para evitar o fiasco em 2010? Adotamos o determinismo, isentamos as pessoas da responsabilidade pelo que fazem, jogando-a em figuras mitológicas?

Ou nos mantemos firmes à filosofia que nos resta?

Há pelo menos uma semana tentou-se descobrir a resposta para que este dia 9 resultasse menos interrogativo. Mas suspeita-se que a resposta sempre esteve escrita em letra maiúscula, na testa, nas veias, em tudo o que expressa. As palavras ainda não saíram apenas porque esta canoa vai remando lentamente rumo à praia serena que se vê no horizonte. Quem sabe no próximo...

Recado interno pros outros 29: por MUITO pouco não perco o ônibus.

16 comentários:

  1. ah Ana, os astros são tão infinitesimalmente grandes e nos tão bacterianamente pequenos, nada podemos fazer quanto ao resultado destas mecanicas imponderaveis a não ser deixar-nos levar por seus designios rumo ao inaudito, ao desconhecido destino de nossas existencias. Mas certamente a canoa aporta e se prestarmos bem atenção, a praia é linda.

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  2. não acredito em inferno astral. pra mim, é só mais uma desculpa pras pessoas mau-humoradas se acharem no direito de ficarem mais mau-humoradas e não se sentirem mal por isso.

    meu saco sem fundos de amigos está exatamente como o seu.

    "amor é amor. ou é tudo. ou é mentira"

    a praia é linda!

    [e, pela terceira vez... rs... FELIZ ANIVERSÁRIO]

    .

    :-)

    .

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  3. It's all about love!

    Identificação imediata. Esse saco de amigos...

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  4. Que festa de palavras! Parabéns sempre, Ana.

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  5. eu acredito nisso aí sim. nunca falha! e parabens pelo seu aniversario.

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  6. Carol, gostei imenso do teu post. Você é que sabe escrever!! ;) Muitos parabéns :D

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  7. Li tudinho em um fôlego, sem tirar os olhos pra não perder nada. E achei uma delícia essa sua escrita.
    Parabéns e parabéns!

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  8. eu tbm tinha agendado o post para o dia 28, dai em um belo mês eu escreveria no dia do meu aniversár8io.
    Mas dai ia demorar muito pra chegar meu dia e eu troquei. hehehehe.

    Bom, feliz aniversário.

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  9. CAROL ! ADORO AS COISAS QUE ESCREVE. AH ! E FELIZ ANIVERSÀRIO ! Eu JÁ TE CUMPRIMENTEI HOJE ?

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  10. Essa aí de cima é a minha tia "spammer" =)

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  11. cheguei meio atrasada mas ainda dá tempo: parabéns pelo aniversário, flor! e mil vezes parabéns pelo texto. apaixonei.
    ah!!! o lucas roubou minha frase, mas repito.
    "amor é amor. ou é tudo. ou é mentira."

    uma delícia que aperta o peito esse texto.

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  12. Para quem acredita no inferno terrestre antes e depois do aniversário. Para quem acredita no balaio de gatos de amigos, mas não tem mais paciência. Para quem acredita em desastres astrais, sortes também tremendas, e marasmo colossal. Para quem acredita que tudo pode ser no mínimo pior, o melhor erro levando ao maior acerto etc. Para quem acredita (ainda acredita) que no fim, tudo dará certo, mas que o fim não custe a chegar, não seja breve essa saga. Para tudo, todos, os 29, os que perdem o ônibus e ficam solitários também por opção. Um texto muito pessoal, cheio de elipses, e tão bonito assim: para os descrentes passarem a acreditar que não estão só, mesmo não havendo barco, por-do-sol ou paisagem, para um ônibus que dobra a esquina e bate em olhos cotidianos luminosa luz de esperança.

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  13. Sabe que, das coisas que mais me intrigam nessa vida é: nós nunca deixamos de desconhecer alguém que conhecemos. Não há volta. Paft.

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  14. ai..ai.mais uma Ana que me faz refletir, pensar, ajustar o tempo...

    minha relação com ônibus é terrivel...quase sempre perco, atrasada em tudo...

    meu barco está quase naufrago...não sei se dá para fazer reparos...

    amigos? tenho poucos muito poucos a chamar de amigos...aqueles q posso contar de verdade...a maioria está no saco furado...

    lindo demais Ana Moreno.

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  15. Ana, se tivesse perdido, teria valido a pena.
    Nunca vi alguém descrever um inferno astral com tamanha preciosidade. Massa.

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