Acreditei recentemente que uma conspiração tecnológica estava a me assombrar. Pifou tanta coisa de uma só vez, foi tamanho o piti coletivo das minhas máquinas que levei a sério o que disse a 21: a tecnologia é a ruína da sociedade. E arruinados estamos nós, mortais, cada vez mais dependentes dela.
Você sabe que a máquina – qualquer uma delas - há de estragar um dia, mas, inexplicavelmente, você confia dados, relatórios, monografias, nomes e telefones, projetos de vida e textos únicos, escritos em momentos de inspiração da madrugada, àquela memória impalpável que um dia pode simplesmente ter uma pane e acusar: empty. Você sabe, mas mesmo assim compra, grava, usa, porque você é vencido pelas facilidades da vida moderna.
Assim é mesmo com o amor. Você sabe, ah, sabe, que um dia o relacionamento vai estragar e pode não demorar muito para você se encontrar com os olhos vermelhos diante de um bolo de fotos. Mesmo assim, tendo ciência de que o amor terá um fim, que a chama da vela não inflamará eternamente, você se deixa envolver. Quem há de negar a possibilidade de sentir o coração na boca com uma tímida cruzada de olhares? De ser surpreendido na cozinha, sendo puxado para dançar um tango, no meio das panelas no fogo? De ouvir eu te amo numa tarde qualquer de mormaço?
Um dia o amor, como disse Paulo Mendes Campos, acaba. É típico do amor acabar. Mas você insiste. Pela boa pessoa que o outro é, e que você é, você resolve dar mais uma chance. Tem conserto. Precisa apenas de uma formatação. Passaremos por cima.
Mas não. Depois que uma máquina quebra, ela jamais há de ser a mesma. Seja pela técnica que não dá conta (as máquinas são imprevisíveis e geniosas), seja pelo medo de quebrar de novo. Depois que volta do conserto você fica com medo de usar, de ligar, vai que dá pau de novo? Dá pra confiar? E você se vê com o aparelho lá, encostado num canto. Uma relação apática como a de um casal assistindo à televisão depois de um dia de trabalho árduo. Foi-se os tempos em que as mães exibiam os eletrodomésticos presentes de casamento. Hoje tudo é descartável.
Nas máquinas ou no amor, não confie na garantia. Muitas vezes não há argumento. Não há nada que podemos fazer, meu senhor. A escolha foi sua, você sabia, todas podem estragar. Confiar é estar sujeito a tudo. Às intempéries climáticas, ao desgaste do tempo. As máquinas, se pudessem, pediriam garantia por terem sido trocadas por uma outra aparelhagem mais moderna. Pediriam para serem devolvidas às fábricas, que lhe tirassem todas as peças. Melhor isso que observar o dono se divertindo com a outra, a recém-chegada. Mas não há o que podemos fazer, prezado. Assim é mesmo com o amor. Apaixonar-se é estar sujeito à possível ação do tempo, ou à presença de um outro.
Mas por que ser tão pessimista? A tecnologia também facilita os relacionamentos! As possibilidades de contato são ampliadas, as fronteiras não existem. E o reverso da medalha é que quanto mais envolvido, mais dependente você estará quando a máquina quebra. Mais angustiante se torna a espera de não saber o que acontece com o mundo e com aqueles entrelaçados nas suas redes. E, como são várias as possibilidades de se manter contato, várias são as possibilidades de ser ignorado. Ao final, você se sente como el coronel de Marquez, que no tiene quién le escriba.
Há pessoas que resistem à dependência das máquinas. À rapidez, à fluidez, à superficialidade das tecnologias. E há pessoas que resistem ao amor. Ao receio do começo e à consequente melancolia do inevitável fim. Estranha civilização essa de máquinas descartáveis e amores apressados. Melhor seria um tempo de amor sem pressa, que aguarda em silêncio. Sem se afobar.
Bela analogia.
ResponderExcluirQue lindo texto, Tati. Ahm publica no jornal daí vai? E essa música? Vc fudeu com minha alma logo cedo. rs
ResponderExcluirBeijão.
Cleyton.
que seja eterno enquanto dure, e que meu note dure muto ainda, pq se ele morrer, vou junto [#semsubsidiosfinanceirosatall]
ResponderExcluire sim, a tecnologia será a ruina da sociedade.
beijo da 21.
io non sono vecchia, sono giovane.
hahahahaha
Lindo mesmo!
ResponderExcluirBem que minha vó dizia pra eu nunca comprar uma máquina moderninha, coisa do capeta - a velha dizia. Mas fui vencida, pela carência e pela necessidade... haha
ResponderExcluirFicou ótimo o texto, Tatiêine. Sempre tendo as melhores sacadas ;)
Melhor seria não, melhor é. Certeza.
ResponderExcluirSerá que dá p fazer backup do amor?
ResponderExcluirAmei (ops!) a analogia e odiei saber que amor não tem garantia (rimou). Quer saber? Há dois meses teria dito que é, de longe, seu melhor texto. Hoje, digo Tati, que de longe, é o melhor texto equivocado que você já escreveu!hahahaha
ResponderExcluirAmor não acaba, vira sucata, e meu fusca ainda ama! Ah, ama! ;p
eu demorei pra ver que um casal vendo tv no fim do dia tem lá sua beleza.
ResponderExcluirPerfeita a analogia, Tatiana!
ResponderExcluirAmei! Parabéns!
É, eu realmente não sei o que é mais complicado, se o amor ou as máquinas.
ResponderExcluirComparação fodástica, amiga Tati.
Passional essa relação com a máquina aí.
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